sábado, 31 de dezembro de 2011

A geração do AI-5

     A morte de Fred Suter, com quem dividi por algum tempo a cobertura das atividades do antigo Ministério da Educação e Cultura, durante o período Tarso Dutra, me transportou aos últimos anos 60 e começo da década de 1970. Vivíamos um momento conturbado no país . É bom destacar que o Ato Institucional Número 5 havia sido promulgado em dezembro de 1968 e os movimentos estudantis haviam tomado uma força muito grande.
     Por isso, todos os jornais da época mantinham cobertura diária no MEC. Era no Palácio Gustavo Capanema que nos reuníamos para acompanhar os movimentos dos excedentes (vestibulandos que conseguiam aprovação nos exames, mas que ficavam de fora das vagas oferecidas), as medidas políticas e - no meu caso, em especial - saíamos para participar das assembléias estudantis realizadas na antiga Reitoria da UFRJ, na Praia Vermelha.





Sônia Meimberg, da Última Hora, (de óculos, ao fundo), Manoel Barroso, do Correio da Manhã, o ministro Tarso Dutra, eu, de O Jornal, e outros repórteres eventuais, dos quais lamento não lembrar o nome, após tantos anos, e aos quais peço desculpas pela falha na memória

     Era um grupo, na média, bem jovem. Eu, pelo O Jornal, o 'órgão líder dos Diários Associados'; Isa Cambará, pela Folha; Luíza Helena, do Estadão; Sônia Meimberg, da Última Hora; Celeste Cintra, pelo Diário de Notícias; Marcelo Auler, estagiário da Rádio Tupi (os mais novos); Walner Millan, O Globo; Manoel Barroso, pelo Correio da Manhã; e Eduardo Pinto, pelo Jornal do Brasil, mais experientes do que nós. Os jornais O Dia, A Notícia , A Luta e Tribuna da Imprensa só apareciam por lá em casos excepcionalíssimos. Fred entrou nesse grupo ao substituir Eduardo Pinto, do JB, que entrara de férias.

Já no fim de 1969, a primeira entrevista do ministro Jarbas Passarinho (ao centro): Millan, de O Globo, (à esquerda), o embaixador Souza Dantas e o professor João batista (assessores do MEC), Isa Cambará, da Folha, e eu


     Nos dias mais tranquilos (eles existiam, apesar de tudo), saíamos juntos, em grupo, no fim do dia, para nossas redações, caminhando e conversando pela Avenida Rio Branco, na direção da Praça Mauá. Millan (Praça XI), Barroso e Celeste (nas imediações da Praça da República) e Sônia (Praça da Bandeira) iam para mais longe e normalmente pegavam uma condução, no meio do caminho. Eduardo e, mais tarde, Fred, ficavam, na antiga sede do JB, na Rio Branco, mesmo. A sucursal do Estadão ficava por ali, também. A da Folha, na esquina com a Presidente Vargas.

Com Tarso Dutra (ao centro) e excedentes: ao fundo, à direita, eu, Eduardo Pinto (JB) e Luíza (Estadão)


     Eu andava mais um pouco, até a Praça Mauá. Nessa época, O Jornal ainda funcionava na Rua Sacadura Cabral, 103. Só um pouco depois nos mudamos para o moderno prédio do O Cruzeiro, na Rua do Livramento, no bairro da Saúde, onde nasci, na Rua Leôncio de Albuquerque, ali bem perto. Quase uma travessa, ligando as Ruas do Livramento e da Gamboa.
     Todos esses personagens, citados com carinho - acreditem -, marcaram uma época do jornalismo carioca - do dia a dia difícil e exigente, mesmo - e fizeram parte de uma geração formada em um dos momentos mais difíceis da nossa história recente.

Dignidade, já!

     Se a mim fosse dado o direito a três pedidos para 2012, sendo um deles destinado ao Brasil, não teria dúvida em sintetizar em uma palavra: dignidade, muita dignidade. Pois foi esse comportamento que faltou, em especial, a todos os níveis dos três poderes, envolvidos em manifestações explícitas de desrespeito aos cidadãos.
     No principal deles, o Executivo, apesar da agradavelmente surpreendente postura da presidente Dilma Rousseff - sóbria, mais aberta às realidades mundiais e com um inesperado protagonismo -, purgamos o grande mal brasileiro: a corrupção desenfreada. Jamais em toda a nossa história registramos um espetáculo tão deprimente quando as demissões em série de ministros, envolvidos em claras roubalheiras.
     O Brasil parou e sangrou durante pelo menos seis meses, assistindo ao espetáculo deprimente de servidores do primeiríssimo escalão da Republica sendo desmascarados por seguidas manchetes. A lamentar, ainda, a posição condescendente da presidente, que resistiu até onde pôde a afastar do convívio da Nação representantes deletérios de partidos da tal base que dá sustentação a tudo o que o Governo quer, mas cobra seu preço em dinheiro vivo. Uma resistência que garantiu, até agora, a sobrevida do companheiro Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento e outras coisas, denunciado por ter recebido, sem trabalhar um momento sequer, uma pequena fortuna, sob a rubrica de 'consultorias'.
     No Legislativo, assistimos a, pelo menos, dois momentos de enorme simbolismo: a absolvição da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF), flagrada recebendo propina; e a posse, há alguns dias, do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), que havia sido cassado em função da Lei da Ficha Limpa. Nesses dois exemplos de indignidade, a participação vergonhosa do 'maior partido brasileiro', o PT, que comemorou intensamente esses exemplos do vazio moral que enche o Congresso.
     Para agravar ainda mais o sentimento de orfandade, o país vem acompanhando o esvaziamento do Poder Judiciário, envolvido em lutas fratricidadas de ministros e magistrados que não cabem dentro do próprio ego. Não me atenho aos eventuais clamores das ruas, que não devem balizar comportamentos jurídicos. Mas à promiscuidade, às denúncias de comportamentos incompatíveis com a toga, ao distanciamento da população, com suas reivindicações por mais descanso e salários cada vez maiores.
     Em síntese, 2011 pecou pela falta de dignidade. Que ela se derrame sobre nós no ano que começa daqui a pouco.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Minha frase da semana

"Embora entronizados pelo voto democrático, dirigentes como Cristina Kirchner, Hugo Chavez, da Venezuela, e o equatoriano Rafael Correa atropelam o saudável exercício do contraditório, subjugam os opositores, calam as vozes que ousam denunciar o regime".

Cabral descobre a ponderação

     O governador Sérgio Cabral (PMDB) é o personagem de um entrevista publicada pela Folha. Um momento raro - pelo menos para mim -, no qual ele consegue não cometer disparates ou agressões mais fortes à inteligência. Não tenho dúvida que contou muito a seu favor o fato de ser uma entrevista a um jornal, e não a uma emissora de tevê. O papel e a foto não reproduzem as entonações, o teatro mambembe e suas caras e bocas tão comuns.
     Assim, foi possível saber que ele - um governador que priva da intimidade do Poder que se apoderou do país há nove anos - não comunga com todas as bobagens retóricas e demagógicas exploradas pelo ex-presidente Lula e seus seguidores, incluindo nesse grupo um considerável número de integrantes do Ministério Dilma.
     Ao falar sobre as 'denúncias' envolvendo o processo de privatização realizado nos governos de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, Cabral foi incisivo. Disse, sem meias palavras, que "acha uma bobagem esse discurso" e que, para ele, o Brasil ganhou com a abertura a investidores nacionais e estrangeiros, que acabaram com os monopólios da Petrobras e Telebrás, por exemplo.
     Foi enfático, também, ao defender as parcerias público-privadas, projeto iniciado por FHC e que o atual governo desenvolve: "Esse momento internacional permite um discurso falso, demagógico e arriscado, de que o Estado é capaz de tudo", disse às repórteres Eleonora de Lucena e Paula Cesarino Costa.
      Saiu pela tangente ao falar sobre suas ligações pessoais com empresários que têm interesses no Estado, destacou o combate à criminalidade e admitiu algo que não poderia esconder: o péssimo desempenho do estado do Rio de Janeiro no setor educacional.

Festas dão sobrevida a Pimentel

     A aposta do governo, ao que parece, deu certo. O ainda-ministro do Desenvolvimento e outras coisas, Fernando Pimentel, sumiu do noticiário, aproveitando com muita sagacidade esse período festivo que começou às vésperas do Natal e que deve se prolongar até, pelo menos, quarta-feira de Cinzas.
     Seus colegas de ministério que foram obrigados a pedir demissão não tiveram a mesma sorte, nem a madrinha que ele, Pimentel, tem. Afinal, o ex-prefeito de Belo Horizonte e craque das consultorias é amigo da presidente Dilma Rousseff desde o tempo em que os dois se destacaram nos grupos armados que desafiaram os governos militares. Tanto que coube a ele coordenar a vitoriosa campanha presidencial, logo depois de ter recebido, em pouco mais de um ano, cerca de R$ 2 milhões por trabalhos jamais realizados.
     Essa trégua é a grande chance de o ainda ministro sobreviver e manter a eperança de voltar não apenas à prefeitura da capital mineira, mas ao Governo do Estado, um projeto chamuscado pela descoberta de suas habilidades como conselheiro de pé de ouvido.
     Vai ser difícil. A marca do 'sucesso' profissional extraordinário vai estar sempre lá, grudada no seu currículo. Não é para qualquer um: os R$ 2 milhões abocanhados pelo ex-prefeito resultaram de trabalhos que ninguém viu, dos quais não há o menor registro formal. Palestras que não foram proferidas e consultorias que inexistiram. Com o agravante de os principais contratantes terem sido nada menos do que a Federação das Indústrias de Minas Gerais e uma construtora, ambos com interesses óbvios e certamente não-republicanos.
     Pimentel seguiu o conselho que o ex-presidente Lula dera aos que o antecederam nas cerimônias de pontapé no traseiro: resistir semprer ("Tem que ter casco duro"), desmentir tudo, mesmo que as evidências sejam incontestáveis. Não deu certo com a turma defenestrada recentemente. Mas salvou o líder do PT de uma cassação que esteve muito perto de acontecer, no episódio do Mensalão.

Vergonha carioca

     A espoliação do carioca, obrigado - obrigado, sim! - a passar pela Linha Amarela, vai aumentar a partir do primeiro dia de 2012. O custo - que já é extorsivo - de ficar engarrafado a qualquer hora, em qualquer dos dois sentidos, passará a ser de R$ 4,70, totalizando abusivos R$ 9,40 por dia, considerando o uso na ida e na volta, contra os R$ 8,60 cobrados atualmente, segundo nos informa O Globo.
     Não há justificativa plausível para a existência dessa cobrança. Pagar pedágio para ir de um bairro a outro da cidade não tem o menor amparo lógico. É simplesmente um acinte, um roubo oficializado que atende à ganância do governo e enche o bolso de empresários amigos.
     A obra, fundamental à circulação viária, foi paga integralmente pelo cidadão do Rio, através dos seus impostos. Não foi um presente dado à cidade, uma dádiva. Ao contrário. Era uma exigência para evitar que a circulação de veículos ficasse inviabilizada. Se o trânsito, com a Linha Amarela, é esse caos que todos nós vemos, é possível imaginar como seria, se a obra não fosse realizada. Realizada, diga-se, com enorme atraso. Inaugurada em 1997, fazia parte de um projeto viário criado para a cidade pelo arquiteto grego Constantino Doxíadis, em 1965, que contemplava, também a Linha Vermelha e outras vias expressas 'coloridas'.
     O malfadado pedágio, instituído sob a alegação de garantir a manutenção da 'via expressa', nada mais é do que um imposto disfarçado, uma malandragem. Em primeiro lugar, porque é obrigação do Governo garantir a qualidade de vida dos cidadãos. E construir estradas faz parte desse pacote. Não estou falando de rodovias interestaduais, opcionais, até certo ponto. Mas de uma rua apenas mais bem caprichada, que provou não estar preparada, sequer, para um acidente como o que parou a cidade há alguns dias (incêndio de um ônibus no interior do Túnel da Covanca).
     A baboseira de que há opções viárias não se sustenta. Ou alguém se imagina indo do Aeroporto Tom Jobim para a Barra pela Zona Sul? Paralelamente, há um evidente injustiça na cobrança, que atinge, apenas, os que se dirigem ou saem da região de Jacarepaguá. Os milhares de motoristas que usam a Via entre a Linha Vermelha e Piedade, por exemplo, estão livres da cobrança. O que não acontece com alguém que sai de Piedade para o Pechincha, ou vice-versa, num trajeto de apenas algumas centenas de metros.
     E não argumentei, ainda, com a grande malandragem da arrecadação sem controle efetivo. O contrato da empresa que explora a 'via expressa' com o município prevê uma utilização média, sobre a qual há uma taxação e uma obrigação de contra-partida. Mas o número real de usuários é um mistério, semelhante ao dos passageiros de ônibus. Só quem sabe é o empresário. Mas é coisa para mais de 'milhão por dia'.
     Um escândalo.
    

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O universo norte-coreano

     A notícia está nas páginas de todos os jornais e revistas, como O Globo. Em solenidade que contou com a presença de 1 milhão de pessoas, na principal praça da cidade de Pyongyang, capital da Coreia do Norte, o inexperiente e 'mudo' Kim-Jong-un foi ungido como o - imaginem! -líder supremo do país. Um jovem (28 anos) que não tem o menor carisma ou vivência. Só mesmo em um dos lugares mais atrasados do planeta. Um lugar onde a população acredita quando o governo afirma que o mundo gira em torno de seu país.
     No estilo mais medieval e atrasado possível, segundo as agências de notícias, as Forças Armadas e os dirigentes máximos do Estado e do Partido dos Trabalhadores (epa!!!) juraram seguir o novo líder "até à morte". Tudo isso, sob um frio de 10 graus negativos.
     O filho pródigo continuou sem falar. Limitou-se a posar , em lugar de destaque, entre os súditos do primeiro escalão. Ontem, no sepultamento do pai (Kim-Jong-il), também manteve a boca fechada, mas os olhos molhados, seguindo à risca o que parece ser o script de um filme de terceira categoria - tão ruim quando o que seu pai, há algum tempo, produziu.
     Toda essa parafernália midiática tem claramente o objetivo de criar, no inconsciente da população, o mito do escolhido para liderar os destinos do país, dando forma relativamente humana ao esquema que controla o poder e assusta o mundo, com o poderio nuclear alcançado paralelamente à miséria de um povo mantido nos mais completos isolamento e ignorância.

As sambadas do prefeito

     Não vou censurar definitivamente a influência dos jornais - da 'mídia' como um todo - na administração de municípios, estados e nações. Seria uma negação dos meus 40 anos de jornalismo, quase todos passados em redações. Os meios de comunicação normalmente reproduzem anseios, antecipam reações, denunciam comportamentos erráticos.
    Por tudo isso, encaro com certa normalidade que os dirigentes, em geral, se pautem, também, por manchetes. Nunca exclusivamente. Deve haver um mínimo de consistência e independência nos atos, no enfrentamento de problemas. Assim como deve prevalecer o bom senso de refletir e recuar, quando for o caso, sem vaidades.
     O problema surge quando administradores jogam para as arquibancadas, em temas mundanos, e se mostram inflexíveis em assuntos mais profundos, como vem acontecendo no município do Rio de Janeiro.
     Chega a ser constrangedor verificar que nosso prefeito reage prontamente a qualquer notícia publicada nas colunas mais conceituadas, ou está sempre disposto a criar um fato (factoide?) que gere algumas linhas, como o tal 'tombamento' do comércio de ruas do Leblon, uma bobagem sem o menor amparo jurídico, ou as sambadas na porta de um boteco da moda.
     Nada contra - por exemplo - a contratação do cantor Dicró para participar dos shows de fim de ano, no mesmo dia em que O Globo publicou um registro do artista, em cadeira de rodas, vendendo CDs na Cinelândia, e seu desabafo por se considerar "abandonado".
     Dicró é um personagem simpático a todos, com seu jeito de malandro, suas letras engraçadas. E até teria razão, sim, em lembrar que poderia ter sido escalado para a festa que vai acontecer no Piscinão de Ramos, praia que serviu de inspiração para algumas de suas composições.
     Lamento, no entanto, a adoção de medidas sem amparo da estudos lógicos, típicas de quem não conhece a cidade, como a adoção das faixas exclusivas na Avenida Rio Branco. A foto da primeira página de O Globo mostra bem o erro de avaliação: num dia atípico, é verdade, várias pistas vazias e um enorme congestionamento de ônibus, que deveriam se mover com mais rapidez.
     O problema, como diria um velho amigo, não está na baia, mas no burro. A justaposição de linhas deveria ter sido pensada paralelamente às medidas paliativas. Não é possível que tantos coletivos trafeguem pelo mesmo roteiro, ao mesmo tempo. A lógicas indica a adoção de sistema de transposição, como existe em relação aos trens e metrô. Em um dia comum, essa mudança vai transformar o Centro do Rio num caos absoluto.
     Um caos que pode se transformar num martírio - tudo parado, literalmente -, caso nosso alcaide insista no pesadelo de derrubar a Avenida Perimetral.

As mortes anunciadas

     Entre as formas absolutamente estúpidas de morrer não tenho dúvidas em incluir os acidentes de trânsito. A cada feriadão, como o que estamos vivendo agora, nesse misto de Natal e Ano Novo, os números assustam e nos chocam, especialmente quando envolvem jovens e crianças.
     O mais grave de tudo é que em quase todos os acidentes, a causa é a mesma: imprudência do motorista. São ultrapassagens em locais proibidos, velocidade acima da permitida, desrespeito ao bom senso, que exige mais cuidado em pistas molhadas, e a arrogância infantil que caracteriza a maioria dos que sentam ao volante.
     Períodos de confraternização, de alegria, de elogio à vida são transformados em momentos de dor e tristeza para milhares de pessoas, num enredo que se repete inexoravelmente. Há, evidentemente, uma enorme falha na formação não apenas do motorista, mas do nosso cidadão, que se transforma quando na direção de um veículo.
     Normas simples, como respeitar as faixas de rolamento, são ignoradas. Um número cada vez maior de motoristas invade acostamentos, usa farois proibidos pela legislação (cegando os que vão à frente e os que vêm na direção contrária), força ultrapassagens, bebe.
     É bem verdade que as condições de muitas das nossas rodovias contribuem para essa catástrofe anunciada a cada festa. A sinalização é deficiente, sim, e a fiscalização insuficiente. Milhares de veículos vão para as ruas, quando deveriam estar recolhidos às garagens ou ferro-velho, em definitivo. Aposta-se na impunidade.
     Os bons resustados da Lei Seca, em especial no Rio de Janeiro, poderiam servir de estímulo à realização de campanhas nacionais de conscientização sobre a necessidade de adotarmos - como população - atitudes menos agressivas e mais responsáveis no trânsito.
     Não é possível que saibamos - e aceitemos passivamente, hoje, de antemão - que algumas centenas de pessoas irão morrer ou ficar gravemente feridas exatamente no primeiro dia de um novo ano.

Histórias de Júlia e Pedro (30)

A fase escatológica

     Pedro, com seus quatro anos e meio, está naquela fase que podemos classificar de 'escatológica'. São "puns", "xixis", "cocôs" espalhados ao vento, seguidos de gargalhadas, sempre que eu, por exemplo, 'reajo': "Moleque, não fala bobagem. Para com isso rapaz ...".
     Ontem, pouco depois de chegar em casa, de regresso das 'férias natalinas' aqui na Pedra (sete dias e noites intensos e absolutamente agradáveis), pediu para falar comigo ao telefone. Queria cantar uma música "muito engraçada" que acabara de inventar. Imaginem:


     "Eu vi uma pulguinha
     Na cueca do vovô
     O vovô fez cocô
     E a pulguinha desmaiou".

     Nem sei como conseguiu chegar ao fim da tal música, pois ria sem parar. Pouco depois, ainda saboreando o efeito da sua - digamos - composição, pediu para voltar ao telefone, para dizer uma coisa "ainda mais engraçada". Eu já esperava algo semelhante:
     - Esse 'vovô' é o vovô Marco ...", gargalhou, deixando bem claro que o 'alvo' era eu, e não o avô paterno.

O jeito Júlia de ser

     Eu sou meio distraído com certas coisas. Não ligo muito para usar camisetas manchadas de cloro ou shorts antigos no dia a dia, especialmente quando preciso verificar a piscina, olhar o quintal, cuidar da Cléo e correr atrás dos netos, como na última semana.
     Mas Júlia não deixa passar essas minhas escorregadas na vestimenta. Em um desses sete dias que passou aqui na Pedra, não resistiu ao ver que eu estava usando, de novo, um calção que merecia estar no lixo há muito tempo.
     Com aquele meio sorriso de lado, que herdou da avó materna, e com o jeito irônico que faz parte do seu estilo bem pessoal, não perdoou:
     - Vovô ... Você ainda está usando esse short com um rasgo no bumbum? Para com isso! Vai trocar, vovô!", ordenou, balançando a cabeça com ares de condescendente reprovação.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Eles se merecem

     A destacar, na posse do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), a alegria da 'companheira' Marta Suplicy (PT-SP), que presidiu a solenidade da Mesa Diretora. Os sorrisos, abraços e deferências destinados ao mais novo integrante da 'base governista' evidenciaram a importância desse aliado de sempre.
     Eu não discuto a posse, em si. Acho que o STF, ao dar ganho de causa ao recurso do agora senador, que havia sido punido com base na Lei da Ficha Limpa, atendeu aos dispositivos constitucionais. A Lei, segundo a Constituição, não poderia ter sido aplicada em 2010.
     Lamento, sim, a forma como se deu: um dia após uma comissão de senadores do PMDB ter visitado o presidente do Supremo, César Peluzo, que desempatou o julgamento: estava 5 a 5 e o ministro usou a prerrogativa do voto de qualidade, dando chance à posse ainda este ano.
     Lamento, ainda, que um político com o histórico do senador tenha conquistado tantos votos (mais de 1 milhão), em uma prova da falta de informação e/ou alienação do eleitor comum. Infelizmente, não foi um caso isolado. Réus no processo do Mensalão são figuras proeminentes no Congresso.
     Mas não estranhei, nem por um momento, a relação íntima entre a representante do PT e do Governo com o senador paraense. Eles se merecem, sem dúvida.

As bobagens de um 'coronel'

     Vocês conhecem bem aquele bufão venezuelano, um arremedo de líder, medíocre das botinas ao quepe. Nos últimos anos, Hugo Chávez, esse produto da limitação cultural da América Latina, tem nos presenteado com bobagens inomináveis. A última - e mais idiota - foi, certamente, a exumação dos restos mortais de Simón Bolivar, um dos líderes (ao lado do argentino San Martin) das lutas pela independência dos países de língua espanhola.
     O misto de ditador e coronel de opereta tentava provar que seu ídolo, que morreu em 1830, aos 47 anos, vítima de tuberculose, havia sido envenenado por inimigos colombianos, com o apoio de governos imperialistas. Foi um dos momentos mais estapafúrdios da história bananeira que marca essa tristemente limitada América Latina.
     Não contente com as sandices que vem distribuindo para todos os lados, eis que ele, um dos mais caricatos governantes atuais, acenou hoje - e Veja publica - com uma versão bem pessoal das causas dos cânceres que atingiram cinco governantes e ex-presidentes nos últimos anos, entre eles Lula e Dilma Rousseff.
     Para Chávez, que também se trata de um câncer, é possível que alguém tenha desenvolvido determinada tecnologia capaz de "induzir o surgimento da doença". Não acusou diretamente os Estados Unidos, mas lembrou uma experiência com guatemaltecos realizada pelos americanos, nos anos 1940, relacionada à sífilis.
     Não satisfeito, deixou um alerta para seus companheiros Rafael Correa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia. Segundo ele, os dois devem ter cuidado.
     Há quem dê risadas condescendentes: "É um imbecil". Eu não. A tolerância com a extrema mediocridade de certos dirigentes faz um mal incomensurável aos países dirigidos por eles, além de colocar o mundo premanentemente em alerta.
     Se vivo ainda fosse, provavelmente Simón Bolivar estaria lutando para libertar sua Venezuela do jugo de um dos seus mais limitados personagens de todos os tempos.

A morte de um general

     Os mais de 50 anos de amizade - iniciada ainda nos bancos escolares da Escola Pública Evangelina Duarte Baptista, em Marechal Hermes - me dão a liberdade de transcrever, sem pedir 'autorização', um e-mail que recebi hoje de Paulo Sérgio Moreira de Carvalho, presença constante nesse Blog, através de comentários e críticas sempre bem-vindos.
     Paulo - já disse isso algumas vezes - foi um dos mais brilhantes oficiais do Exército que já conheci. Reformou-se como coronel, após várias missões no exterior e de ter comandado - com muito sucesso - uma unidade de elite, o que foi uma perda para a Força, não tenho a menor dúvida. Seria uma referência no generalato.
     Apesar das nossas divergências político-ideológicas, explicadas pela formação profissional tão distanciada (ele, militar, eu jornalista), jamais deixamos de nos respeitar e respeitar o saudável contraditório que marcou várias de nossas conversas sobre o país e o mundo. Há algum tempo convergimos em vários pontos. Eu, menos (muito menos!) carbonário. Ele, mais liberal. A idade talvez explique essa nossa maior afinidade.
     Pois Paulo me enviou um e-mail falando da tristreza com a morte de um oficial-general que influenciou sua geração, especialmente pela cultura. Não conheci pessoalmente seu ex-chefe - apenas de nome, até mesmo em função da minha atividade. Mas acredito que mereça nosso respeito.
     Transcrevo abaixo o e-mail e a homenagem que Paulo faz a seu antigo comandante:
     "Marco.
     Hoje para mim foi um dia de tristeza. Soube ainda agora, à noite, da morte de um bom amigo, meu ex-comandante em Recife e um dos maiores chefes militares que conheci. O general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, da turma de 1954, oriundo da arma de Infantaria, era uma verdadeira enciclopédia. Foi o idealizador do método de instrução da tropa, baseado em cadernos contendo os programas-padrão de instrução para praças de todas as qualificações militares. Era extremamente culto e educado. Bem-humorado e cortês, não abdicava de sua autoridade. Era por tudo isso respeitado e admirado por todo o Exército. Enquanto morei no Rio mantive com ele um bom convívio social.
          Costumo dizer que três foram os oficiais que mais marcaram e influenciaram minha carreira no Exército, representando para mim exemplos em que procurei me inspirar. O general Coutinho foi um deles. Aprendi muito com ele."
     Fica o registro.  
 

  

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Histórias de Júlia e Pedro (29)

Ser criança ...
     Pedro é um 'moleque mateiro', como ele mesmo diz. Adora plantas e animais - destaque absoluto, é claro, para Cléo, a labradora preta, sua amiga de todos os momentos. Com a energia dos meninos de quatro anos, corre o dia todo, brinca com seus bonecos intergaláticos e cavaleiros medievais, vai à piscina e ainda encontra tempo para pintar e desenhar.
     Talvez por isso, por essa integração total com a vida, tem demonstrado que adora ser criança, as fantasias e o mais completo desfrute de todos os momentos. Conversando comigo, aqui na Pedra, nesses tempos natalinos, provocado por mim, disse que não queria comer muito. E apresentou uma razão que faz todo o sentido para ele:
     - Eu não vou comer muito para não crescer, vovô. Eu não quero ser adulto. Eu só quero ser criança. Eu não vou crescer ...", afirma o nosso 'Pedro Pan', com a ingenuidade que só as crianças conseguem ter.

Pedro, com o skate que ganhou do tio Gui, no Natal. Promessa de muita dor de cabeça para os pais

O poliglota
     Mais uma do moleque.
     Estávamos brincando com umas peças coloridas e, naturalmente, surgiu a oportunidade de ele demonstrar seus conhecimentos linguísticos, nomeando as cores no idioma de Willian Shakespeare. E foi acertando todas - empacou apenas no cinza.
     Quando estava elogiando sua performance, veio a frase definitiva, com aquele jeito que ele tem, reforçando as palavras com um movimento sincronizado da cabeça e das mãos e com uma entonação categórica:
     - Vovô, eu estudo inglês, não sabia?

Democracia bananeira

     A Argentina está provando que até mesmo a democracia, a melhor das opções entre os regimes, pode ser usada contra a ... democracia. Aproveitando um momento político favorável, a presidente Cristina Kirchner (reeleita por mais de 50% dos eleitores, mas não pela unanimidade, como parece julgar) está apontando todas as baterias contra os que considera inimigos, para governar como um caudilho dos velhos tempos, uma lamentável tradição do país, frise-se.
     Esse tipo de exercício do poder exerce uma atração irresistível para personagens que se propõem arautos de todas as boas notícias, que se julgam não apenas eleitos para governar para todos, mas para exercer o controle absoluto sobre a totalidade dos segmentos da sociedade, assumindo o papel de únicos provedores do estômago e da mente dos cidadãos.
     Embora entronizados pelo voto democrático, dirigentes como Cristina Kirchner, Hugo Chavez, da Venezuela, e o equatoriano Rafael Correa atropelam o saudável exercício do contraditório, subjugam os opositores, calam as vozes que ousam denunciar o regime. Nessa relação superficial só não estão incluídos o cubano Raul Castro, por ser um mero ditador, e o cocaleiro boliviano Evo Morales, uma piada de péssimo gosto.
     No Brasil, a tentativa de 'golpe democrático' não prosperou graças à descoberta do Mensalão, o maior esquema de assalto aos bens públicos destinado a financiar o apoio do Congresso às medidas imaginadas pelo PT do ex-presidente Lula, na sua incansável busca pelo domínio do país, a qualquer preço ou custo. O Brasil, graças à relativa independência dos meios de comunicação, abortou o projeto de submissão nacional ao ideário de um partido.
     Na Argentina, a presidente, ao iniciar seu segundo mandato, vem tratando de eliminar os possíveis entraves ao seu projeto 'peronista de ser'. O controle da produção de papel-jornal e o emprego de violência contra opositores exibem os sinais claros de um descaminho. Nesse esquema, o Congresso - dominado pela situação - entra com a fachada de legalidade, aprovando pacotes de leis de interesse do governo.
     Tudo de forma 'democrática', obedecendo a um escript que ignora as diferenças e realça a mediocridade de um governo simplório e claramente avesso a críticas. Uma democracia bananeira.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O preço das alianças pelo poder

     Eu me esforcei, mesmo, para tentar fugir, um pouco, da tentação de continuar comentando - pelo menos nesses dias festivos - a vergonhosa crise moral que envergonha o país há alguns anos. O tema, recorrente, especialmente nesse 2011 que está se despedindo, no entanto, acabou se impondo. É difícil ler uma manchete, como a de O Globo de hoje ('CGU constata desvios de R$ 1,1 bilhão em 5 ministérios'), e simplesmente não se envolver emocionalmente.
     Todos nós sabemos - alguns fingem desconhecer, ou apelam para o vagabundo "todos roubam" - que há, em curso, uma sistemática expropriação dos bens públicos, em benefício do projeto de poder dos atuais governantes e da sua 'base política', aquele tal saco de gatos ideológico que domina os vários escalões da República.
     O loteamento criminoso dos ministérios e cargos de direção nas estatais (destaque para a Petrobras) é o principal responsável pela incrível roubalheira - não há um termo que mais bem se aplique ao que acontece nessa infindável 'Era Lula' - que desmerece os quase 200 milhões de brasileiros honestos e dignos.
     Rouba-se muito, sim, e há algum tempo. Segundo a Controladoria Geral da União, as investigações preliminares já detectaram desvios de mais de R$ 1 bilhão. E o mais grave: a conta ainda não fechou, pois falta a conclusão de investigações que estão sendo realizadas pela Polícia Federal.
     Para completar esse roteiro vagabundo, a CGU confirma que o assalto 'prosperou' no governo do ex-presidente Lula, marcado definitivamente pelos escândalos do Mensalão, dos 'aloprados', do dinheiro na cueca de um companheiro - premiado com uma eleição para deputado - e por outros de menos destaque, mas nem por isso menos deletérios.
     Esse, certamente, não é o retrato do Brasil que esperávamos ver nesse começo do século 21.

Um fim de noite com FHC

     Nos últimos anos, na época do Natal, o programa Manhattan Connection (GloboNews, domingos, às 23 horas) tem presenteado seus espectadores com uns ótimos 50 minutos de conversa com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ontem não foi diferente. FHC, muitíssimo bem para os 80 anos completados este ano, deu mais uma demonstração de inteligência, presença de espírito, raciocínio lógico, charme e simpatia, tudo isso temperado com um saudabilíssimo bom-humor.
     Falou sobre todos os temas levantados pelos participantes do programa, visivelmente encantados com sua capacidade de dissertar sobre qualquer assunto, sem ares professorais ou sem cair na cilada da crítica fácil a seus adversários políticos. Em algumas passagens, ficou claro que estava se divertindo, também, com algumas intervenções mais mundanas.
     Foram momentos com alguém que está de bem com a vida; que não almoça e janta ódios ou ressentimentos. Alguém que olha o mundo - e o Brasil em especial - com a sensibilidade do comprometimento com o presente e com a responsabilidade com o futuro.
     Falou sobre que considera hesitação da presidente Dilma Rousseff, ao enfrentar temas mais duros, como o da corrupção. Mas não deixou de elogiar os avanços na política externa e a própria capacidade de impor uma imagem demonstrada pela nossa principal mandatária.
     Tudo, com estilo sóbrio, sem ceder a tentações que só diminuiriam a importância do papel que desempenhou na redescoberta recente do país. Fernando Henrique - em quem votei nas duas eleições presidenciais às quais concorreu -, a cada dia, mais me deixa convicto que deveria ser o paradigma dos políticos brasileiros, o patamar a ser perseguido. Um brasileiro respeitado no mundo todo, pela formação acadêmica, história de combate ao cerceamento dos direitos humanos e por lutar as boas lutas.
     Torço para que cumpra o compromisso de participar de entrevistas semelhantes, pelo menos, nos próximos dez anos.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Forca ou pedradas?

     Às entidades que vivem para os direitos humanos - ou deles, como muitas que gravitam em torno do poder: a Folha destaca hoje que à irianiana Sakineh Astiani resta apenas a opção entre ser executada na forca ou a pedradas. Seu crime, segundo os aiatolás que subjugam o paí mantendo-o nos limiares da idade das trevas, foi ter cometido adultério.
     É isso mesmo: no Irã que pretende construir uma bomba atômica, mulheres continuam sendo condenadas à morte por variarem de cama. Para minimizar o absurdo da pena, os juízes desse monumento à estupidez alegaram, mais tarde (seu julgamento foi realizado em 2006), que ela também participara do assassinato do marido, o que foi negado até mesmo por um filho do casal. Astiani já purgou parte da pena que recebeu: 99 chibatadas, executadas na frente do filho.
     Como o Irã é dominado por uma classe religiosa que interpreta o Corão com a literalidade dos fanáticos, não há muitas chances de a morte ser revogada, apesar de o julgamento ter sido realizado com evidentes distorções, uma delas lembrada pela Folha: ela fala azeri, e tudo foi executado no idioma farsi.
     Uma farsa.

'Oba, é Monark'

     Júlia e Pedro ganharam bicicletas, hoje, Dia de Natal. Presentes do 'Papai-Noel'. A de Júlia, aro 24, substitui a antiga, pequena, já imprópria para uma menina que está ficando 'crescida', como ela mesma diz. A de Pedro é a primeira de - presume-se - uma série. Afinal, ele tem apenas quatro anos e muito tombos pela frente.
     Olho a alegria dos dois e me remeto, como ontem, à minha primeira bicicleta, ganha naquele Natal de 1959, o mais feliz de toda a minha infância, certamente. Foi um sonho, mesmo, que consumiu alguns anos. E superou minhas mais elevadas expectativas. Naquela época, uma bicleta Monark aro 28 (de adulto ...) era o máximo de consumo que minha geração de garotos de subúrbio podia desejar.
     Lembro que fiquei deslumbrado ao acordar e encontrar aquela 'magrela' ao lado da porta da nossa casa de vila, em Marechal Hermes. Preta, reluzente, com compainha. Era tudo que uma criança de 11 anos poderia querer da vida. Imagino, hoje, o sacrifício que meus pais foram obrigados a fazer.
     Foram anos de intensa relação. Nós jamais tivemos carro e ela - minha Monark - representava a liberdade de ir e vir. Era nela que eu ia aos sábados e domingos para os campos do Navarro (hoje ocupado por uma guarnição do Exército) e do União, clube da terceira divisão que já não mais existe, cuja área foi cedida há muito tempo ao Botafogo. Foi nela que me desloquei de casa para a escola, no meu último ano na Evangelina Duarte Baptista (o antigo admissão).
     Era nela que eu, alguns anos mais tarde e por muito tempo, levava minha primeira afilhada (Cláudia, a quem batizei quando tinha apenas 13 anos) - nascida em uma das oito casas da avenida onde morei 20 anos - para passear pelas ruas arborizadas e sem trânsito do subúrbio. Foi nela que, certa vez, já adolescente, fui ao Méier - subúrbio distante, a meio caminho do Centro -, ao lado de um amigo, pegar uma bola de futebol que ganhara num álbum de figurinhas. Minha mãe jamais soube dessa aventura. A pelada de rua não podia esperar.
     A relação de um menino com sua bicicleta - naquele fim dos anos 1950 - transcendia. Não tínhamos televisão, artigo de luxo inacessível para minha família por algum tempo. A praia ficava em outra dimensão. Nosso mundo girava em torno do futebol (sempre), das pipas (nas férias de fim de ano) e das disputas com bolas de gude (jogo de triângulo) e pião. A bicicleta - a minha - foi o passaporte para a ousadia.

2011 não deveria ter começado

     Foi um ano para jogar no lixo. Nunca, jamais, na história desse país - para quem está com saudades dessa bobagem dita e repetida pelo ex-presidente Lula, sob os olhares e ouvidos condescendentes da trupe amestrada que gargalhava a cada batatada retórica do menos preparado presidente de toda a Republica brasileira - houve tantos escândalos nas três esferas do poder, coincidentemente.
     Não tenho dúvidas que nada vai superar, em pilantragem, o Mensalão. Mas, talvez por sua dimensão exorbitante, esse episódio melancólico dominou o cenário político-policial quase sozinho. É bem verdade que envolveu, diretamente, dois dois poderes da Nação: o Executivo (corrompedor, no mínimo) e o Legislativo (corrompido).
     Mas nem mesmo a pessoa mais cética poderia imaginar que o primeiro ano do Governo Dilma Rousseff nos reservasse esse mergulho na mais sinistra realidade. Seis ministros demitidos por corrupção, alguns pares de congressistas envolvidos até a alma em atitudes deletérias e o Judiciário vivendo uma das mais sérias crises de identidade e dignidade do seu longo percurso.
     A guerra declarada entre os diversos ramos da mesma árvore jurídica apequenou o país, já pisoteado pela indignidade dos atos de corrupção que atropelaram até mesmo uma ideia honesta, as tais Organizações Não-Governamentais (ONGs), que passaram a se servir e a servir seus parceiros com o dinheiro público.
     É inconcebível que magistrados da mais alta Corte, o STF, estejam envolvidos em disputas e denúncias do Conselho Nacional de Justiça, órgão corregedor (fiscalizador). Assim como é absolutamente triste verificar que juízes corregedores usam seus cargos para protagonizar cenas lamentáveis de desrespeito à Constituição.
     2011, sem dúvidas, deveria ser um ano que não deveria ter sequer começado no Brasil.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal em Cuba

     O 'espírito natalino' desceu sobre aquela ilha do Caribe, governada por uma gerontocracia que ainda vive nos anos 1960. A Folha nos conta que o 'liberal' ditador de plantão, Raul Castro, decidiu libertar quase três mil presos - dissidentes políticos, na maioria absoluta - por "razões humanitárias": idade avançada, doenças etc. Alguns, segundo depreende-se da notícia, voltam à vida livre por terem feito uma espécie de mea culpa e estarem recuperados para servir à revolução. Nada mais patético.
     Para o mundo, além de saber que há menos três mil casos pendentes de perseguidos por divergências ideológicas, fica a constatação que a prática de prender por delitos do pensamento é comum na terra dos irmãos Castro, um exemplo acabado de mediocridade e atraso político-social.
     Cuba, ao lado de Irã e alguns países do Oriente Médio, professa um governo distanciado ao máximo do ideal democrático. Não há liberdade de expressão, muito menos imprensa livre. Os direitos individuais foram eliminados há décadas, em benefício de uma falsa predominância do coletivo, condenado a uma vida sem perspectivas, isolado culturamente, incapaz de exercitar o contraditório, pois há muito está encapsulado em uma falsa realidade, alijado das conquistas da humanidade.
     Apesar de tudo isso, o modelo cubano de estupidez política ainda é uma referência para dirigentes bananeiros, como o venezuelano Hugo Chavez e - sou obrigado a constatar - a argentina Cristina Kirchner. Lamentável.

O espírito natalino

     Júlia ainda acredita. Mandou uma cartinha para Papai-Noel, com seus pedidos e os de Pedro, seu irmão mais novo, como vem fazendo desde que aprendeu a escrever. Pede os presentes, mas deixa sempre uma ressalva: se for possível. Assim é Júlia, minha neta.
     Na escola - ela acabou de passar para a terceira série do ensino fundamental do Colégio Pedro II -, seus amigos ainda acreditam, ou não discutem o tema. Mas todos nós notamos que ela tem suas dúvidas há um bom tempo. Já quis saber como é funciona esse negócio de presente para todas as crianças. Sondou a mãe.
     Mas não se aprofundou. Como a fantasia faz bem, todos concordamos em deixar que o contato com essa realidade venha naturalmente. Afinal, ela só tem oito anos, idade para ser criança em tempo integral.
     Eu, confesso, cheguei a balançar, quando ela saiu da sua escolinha maternal para um colégio maior, com as saudáveis e necessárias diversidades que o Pedro II oferece - além da qualidade do ensino e da dedicação dos funcionários. Temia que novos amigos zombassem da sua inocência. Mas todos são tão inocentes quanto ela.
     Com mihas filhas, Flávia e Fabiana, esse rito de passagem foi absolutamente natural. Não precisamos, sequer, tocar diretamente no assunto. Elas souberam, naturalmente, que Papai-Noel existia, sim, e que tinha sobrenome idêntico ao delas.
     Comigo aconteceu diferente, e talvez a marca da minha transição ainda pese, quando penso nas crianças. Confesso que foi um choque. E aconteceu justamente às vésperas de eu atravessar o portão da Escola Pública, pela primeira vez.
     Temendo que eu fosse alvo de brincadeiras de crianças mais maduras, minha mãe se encheu de coragem, me chamou para conversar e contou tudo. Revelou, até, quem era sua parceira na manutenção da minha ilusão: Dona Luíza, uma vizinha da vila operária onde morávamos. Era no seu quarto que os presentes ficavam depositados, aguardando as crianças de todas as demais sete casas dormirem.
     Olhando para trás, hoje, vejo que Dona Luíza não era apenas aquela vizinha de subúrbio (morávamos em Marechal Hermes) retratada folcloricamente em artigos, contos e novelas. Na verdade, era a auxiliar direta do Papai-Noel que insistia em aparecer naquelas casas simples. Aquela que nos acordava cantando parabéns nos nossos aniversários, pela janela ainda fechada. E que continuou sendo a depositária dos nossos presentes, mesmo quando já estávamos crescidos.
     Como a bicicleta - minha primeira e tão sonhada bicicleta, uma Monark aro 28, preta - que ganhei aos 11 anos e que transformou aquele Natal (1959) no melhor e mais emocionante da minha infância.
     Por tudo que representa, o Natal, para mim, mesmo afastado da religião, continua sendo um dia especial, com filhas, netos e - vá lá! - genros reunidos, além de uma sobrinha/filha e de uma cunhada quase irmã. Talvez por isso, pelo espírito que provoca, seja um dos momentos mais bonitos do ano.
     Bom Natal para todos.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Terrorismo de estado

     Imagino a inveja dos ideólogos e apaixonados pela Era Lula, que está completado nove anos. Com mais prestígio (percentualmente) e poder, o ex-presidente e seus mentores - entre eles o cassado José Dirceu, chefe da quadrilha do Mensalão que dilapidou o patrimônio público (segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República) - não conseguiram o que a dinastia Kirchner, nossa vizinha do Rio da Prata, acaba de conquistar: avançar sobre a liberdade de imprensa, indiretamente, controlando a indústria de papel.
     Isso, sob o manto da legalidade, já que a proposta de transformar papel-jornal em 'insumo de interesse nacional' - algo mais do que simplesmente indecente - foi transformada em lei pelo Senado, de maioria governista. Segundo a Folha, que destaca o assunto, Cristina Kirchner e seus companheiros alegam que essa iniciativa destina-se a "democratizar" o setor, dominado pela empresa Papel Prensa, do grupo Clarin, de oposição.
     A partir de agora, o Estado argentino poderá controlar a empresa e, autoritariamente, decidir para quem vender o papel, na hora em que bem entender. Mais ou menos como já faz com a publicidade oficial, distribuída entre os amigos da Casa Rosada, como se fosse um dinheiro particular, e não algo comum. Algo semelhante ao que os regimes militares fizeram com o extinto Correio da Manhã, sufocado finaneiramente nos anos 1970.
     Na verdade - e isso é indiscutível -, o governo argentino deu um passo determinante na sua luta para calar todos os que não rezam pela sua cartilha populista e ousam fazer oposição à Evita versão anabolizada, à nova mãe dos 'descamisados', absolutamente caricata, com evidentes pendores autoritários e que professa uma política da época dos primórdios do peronismo.
     A ousadia do novo governo não tem limites. Seus arautos chegam ao absurdo de ameaçar enquadrar os opositores numa recentemente aprovada lei sobre antiterrorismo, para punir quem financie o terrorismo "direta ou indiretamente". Os jornais, com razão, temem que denúncias sobre a manipulação dos dados sobre a inflação, por exemplo, sejam enquadradas como crimes contra o governo.
     Em um país que se desse ao respeito, o atual governo seria o primeiro a ser enquadrado, por exercer o mais cínico terrorismo de estado.

Mortes sem fim

     Quando não é o governo, que mata e prende quem se atreve a pedir liberdade, são os grupos mais radicais, que querem não a paz, mas o poder para consumar a guerra santa contra o mundo ocidental. Esse é o retrato da Síria do ditador Bashar al-Saad, que vem enfentanto manifestações de dissidentes desde março, em um confronto desigual e genocida que provocou a morte de mais de cinco mil pessoas.
     Hoje, o noticiário internacional destaca não apenas as duas dezenas de assassinatos de adversários do poder, mas de quarenta pessoas atingidas por atentados terroristas promovidos, a ser verdadeira a informação síria, pela famigerada Al Qaeda, ainda viva, mesmo depois da execução do seu líder, o assassino Osama Bin Laden
     Islâmicos matando islâmicos, numa negação ainda mais acentuada dos mandamentos do Corão, interpretado de maneira distorcida pelos fanáticos religiosos e ignorantes que militam na região e infelicitam o Oriente Médio.
     Repete-se, na Síria, algo semelhante - guardadas as proporções - do que ocorreu no Iraque pós-Sadan, onde atentados terroristas divididos entre xiitas (maioria) e sunitas (braço religioso al qual pertencia o ditador) provocaram a maioria absoluta das 100 mil mortes desde a invasão norte-americana.
     E é o que acontece por toda a região, conflagrada historicamente e vítima da mais atrasada e estúpida intolerância que explora a religião.
     É um mundo dilacerado por atentados diários, pelo desrespeito aos direitos humanos, pela truculência de lideranças estabelecidas com base na força das armas e na mantenção da extrema ignorância da população. Um produto mal-acabado que continua pagando o preço por séculos de dominação estrangeira (destaque para Inglaterra, França e Itália) voltada apenas para a exploração.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Um pouco de fantasia

     Mais importante do que saber que o 'farol da revolução' norte-coreana, o imberbe Kin Jong-un, foi à versão japonesa da Disney, quando criança, com um inexplicável passaporte brasileiro, é constatar que nesse estranho país oriental é possível passar o poder de pai para filho, sem interferência do povo, com base apenas em manobras de bastidores, em acordos que perpetuam a ignorância, a estupidez, a exploração e a miséria.
     Passada a primeira década do século 21, constatamos que há lugares no mundo - como a Coreia do Norte - onde predominam a mais absoluta obscuridade, a mais completa espoliação e o mais descarado aviltamento dos direitos humanos. É inimaginável, mesmo para os limitados padrões culturais brasileiros, aceitar que um grupo manipule a vida de milhões de pessoas, mantidas sob condições medievais.
     Não há acesso a qualquer informação que não saia das entranhas do bolorento Partido Comunista. Não há pedaço de terra mais isolado. Alguns exemplos desse manicômio em que foi transformado o país dos 'Kins' foram lembrados esta semana em programas de debate nas nossas televisões. Alguns foram apresentados como exóticos, mas não passam de melancólicos, como a certeza que os norte-coreanos têm de que o mundo gira em torno do seu miserável país.
     Um país que detém o poder atômico e que mata de fome uma enorme parcela da população. Que vive pela guerra, sustentado basicamente por um anacronismo, a China, recém-convertida ao 'capitalismo' mais selvagem (Japão, Estados Unidos e até mesmo a Coreia do Sul são as outras principais fontes de recursos).
     Espero que o mais novo iluminado tenha levado da Disney - mesmo a japonesa - um pouco de fantasia e alegria, sentimentos roubados de um povo alijado das conquistas mais elementares do ser humano.

Magistrados vão às cordas

     Por mais que eu me esforce, não consigo vislumbrar um vencedor nesse embate fratricida entre magistrados, tendo como oponentes principais o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação Brasileira de Magistrados (AMB), e como 'árbitro' o Supremo Tribunal Federal, alvo e gatilho - ele também - de críticas consternadoras. Desde já há um derotado, o país, que vê a fundamental confiança na Justiça despencar em queda livre.
     Guerra de egos - infladíssimos, no caso de suas excelências em geral -, disputa por espaço político, vingança, ressentimento e inveja são alguns dos ingredientes que antevejo nos dois lados de um poder que deveria ser absolutamente uno, por definição e objetivos.
     A Justiça - em especial seus mais altos tribunais - desempenha um papel fundamental e inbsubstituível no processo democrático. Não há democracia sem o respeito às leis, à Constituição, aos direitos inalienáveis do homem. Por isso, vejo como lamentável todo esse processo desgastante e que desmerece a Nação.
     O CNJ, nesse vale-tudo, tenta despontar como uma espécie de 'Robin Hood' de toga, expondo os descaminhos dos todos poderosos e inatingíveis integrantes desse sacerdócio. Par atingir seus objetivos, ignora preceitos constitucionais, escorrega em delitos e distribui acusações generalizadas, tão ao agrado da população, como pontapés de um defensor de time de futebol de massa.
     A AMB, por sua vez, tenta de todas as maneiras impedir esclarecimentos sobre seus membros, alguns deles envolvidos em comportamentos impensáveis. No meio do caminho, o STF, cujos membros também têm sido atingidos pelo gatilho da corregedora Eliana Calmon, do CNJ, que dispara para todos os lados, sem pensar nos efeitos desastrosos de algumas balas perdidas.
     O mais recente duelo - imagino que não seja o último, tendo em vista os ânimos exaltadíssimos de suas excelências - leva a briga para o terreno policial. Segundo a Folha, três das principais associações de juízes e magistrados vão pedir à Procuradoria-Geral da República que apure o crime de quebra de sigilo que teria sido cometido por Eliana Calmon contra nada menos do que 230 mil pessoas envolvidas de alguma maneira com a Justiça, entre eles servidores.
     Já a corregedora alega que fez tudo dentro da Lei, com base em dados do Coaf, que controla as atividades financeiras de todos os cidadãos. E que estaria sendo vítima de um 'linchamento moral'. Independentemente do resultado dessa refrega, será necessário um mutirão para recolher os fragmentos.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Ministro desmerece o Supremo

     Com a mesma convicção que defendi, com argumentos, a liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, à Associação Brasileira de Magistrados (restringindo o alcance do Conselho Nacional de Justiça na ação contra juízes acusados de algum tipo de crime, como está previsto na Constituição), fico à vontade para lamentar os fatos que se tornaram públicos, hoje, graças à Folha de São Paulo.    
     Segundo o noticiário, confirmado, o ministro Ricardo Lewandowsky beneficiou a si mesmo, sim, diretamente, ao sustar a investigação que vinha sendo feitas pelo Conselho Nacional de Justiça na folha de pagamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo, de onde é oriundo. O CNJ estava mergulhado nas denúncias de irregularidades no pagamento de 'dívidas trabalhistas' a desembargadores e juízes, entre eles, o próprio Lewandowsky e seu companheiro, Cesar Peluzo, presidente do STF. Ambos receberam algo em torno de R$ 800 mil, relativos a um discutido auxílio moradia a que teriam direito - por isonomia com o poder Legislativo - e não haviam recebido.
     Ao supender as investigação, o ministro impede uma conclusão e despeja na sociedade um caminhão de dúvidas sobre a independência do seu procedimento, que ele afirma ser absolutamente constitucional. Pode ser. Entre as suas atribuições está, certamente, a de disciplinar o procedimento de outros órgãos, inclusive da própria Justiça, preservando o escopo da Lei.
     Esquece o ministro, no entanto, que há uma zona neutra nessa discussão. Não se trata, apenas, de garantir direitos de terceiros. Ele está diretamenente envolvido, pelo que deveria ter se considerado impedido. Todos aprendem - ou deveriam aprender - que não se deve julgar em causa própria. É, mais do que um norte jurídico, um princípio moral.
     Ao ignorar essa variação, supondo-se acima de tais julgamentos, o ministro Lewandowsky deu mais combustível a uma discussão que desmerece o Supremo - nossa mais relevante casa de justiça - e deprecia o país. Foi certamente um retrocesso, que alimenta a sensação de vivermos em uma nação que não se respeita, em todos os níveis republicanos.

O coronel, o delegado e um juiz

     Não conheço o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro Djalma Beltrami. Conheço de arquibancadas (e da tela da tevê) o ex-árbitro de futebol, péssimo, por sinal, como quase todos os que interferem em resultados e beneficiam times de maior apelo popular, com enorme desfaçatez.
     Em tese, pelo histórico, admiti que poderia haver, sim, comprometimento dele com criminosos, o que justificaria sua prisão. Não seria o primeiro - longe disso - nem será o último, certamente. Essa é a realidade com a qual convivemos e que nos assusta e enoja com uma recorrência indesejada.
     A relação promíscua entre policiais (sejam eles militares ou civis) e bandidos vem dando a tônica do noticiário mais recente, mesmo em situações em que - a princípio - haveria um comportamente exemplar, como na recente prisão de 'banqueiros' do jogo do bicho. Ficou latente, nesse episódio, que os grandes tiveram tempo de escapar, claramente alertados por alguém que sabia quando a 'caçada' iria começar.
     No caso de coronel Beltrami, no entanto, prevalecia uma interrogação, uma dúvida quanto à prática investigativa que levou à sua prisão. A evidência mais contundente da relação criminosa entre PMs e traficantes - uma escuta telefônica autorizada pela Justiça - não aponta, diretamente, para ele, embora haja indícios fortes. 'Zero Um', na linguagem dos quarteis, normalmente é o lider, o chefe, o comandante. Mas não obrigatoriamente.
     A precipitação do delegado responsável pelas investigações - ele poderia ter se municiado de evidências mais concretas - abriu a porta da cela onde estava preso o coronel comandante de um batalhão da PM que já está em destaque pelo envolvimento de policiais na morte da juíza Patrícia Acioli. Livre por força de um habeas corpus, Beltrami ganha músculos para usar, a seu favor, os argumentos do magistrado responsável pela sua soltura.
     Segundo O Globo, o desembargador Paulo Rangel, que estava de plantão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, não fez por menos: afirma que houve "maldade" dos policiais da Delegacia de Homicídios de Niterói e que essa atitude "colocou, até então, um inocente na cadeia". Para arrematar: "Investigação policial não é brinquedo de polícia", criticou.
     Nesse episódio - mais um de uma série lamentável -, todos perderam.

Histórias de Júlia e Pedro (28)

Arte e encantamento

     Não canso de demonstrar meu encanto com Júlia, com sua presença de espírito, sua ironia (já é saudavelmente irônica, aos 8 anos), com seu jeito de demonstrar carinho. Ela sabe, por exemplo, que eu sou, talvez, seu maior fã, incluindo na minha lista seus dotes musicais. Assim, sempre que chego para vê-los (a ela e a Pedro, o molequinho de 4 anos), ela, sem aviso ou anúncios, pega a flauta doce e começa a executar as músicas que aprendeu nas aulas do Colégio Pedro II, o 'nosso' colégio (eu também estudei lá, e isso - eu sinto - faz diferença para ela).
     Senta perto de mim e começa a tocar, sem exibições, mas por saber que eu vou ficar atento, elogiar seu progresso, estimular, aplaudir. Na última vez em que estivemos juntos, ela tinha tinha um compromisso social: o aniversário de uma amiga, em uma casa de festas. E casa de festas é sinônimo de opções que vão desde uma simples brincadeira a escaladas de paredões.
     Depois de algum tempo à flauta, foi trocar de roupa. E ela faz questão de escolher o que vai vestir, os complementos (sapatos, prendedores de cabelo etc). Nesse dia, escolheu um vestido com estampa floral, colocou uma travessa e se deu por pronta. Linda, como  sempre. Pouco antes de sair, no entanto, resolveu completar a indumentária. Escolheu um bermuda de malha, justa, que não aparecesse, para colocar sob o vestido.
     E explicou o motivo:
     - Assim eu posso ficar mais à vontade nas brincadeiras. Eu já estou ficando crescida, não é vovô?
     É claro que dissemos que não precisava, que ela é ainda uma criança, que pode ficar à vontade, mas entendemos sua preocupação - embora precoce. Oito anos.
     É uma princesa.

Pedro, o provocador
     Já o moleque, no mesmo dia, me recebeu com a alegria de sempre, mas evidentemente provocativo. Ele sabe da minha paixão pelo Vasco, paixão que transmiti para minhas filhas. Mas optou pelo time do pai, que é rubronegro. Pois basta eu chegar para ele, depois dos beijos carinhosos, correr e pegar um escudo do 'seu' time e me provocar e gargalhar com minhas reações: - Tira isso de perto de mim, moleque. Vai me dar coceira". Essa disputa leva sempre alguns minutos. Ele correndo para encostar o tal escudo em mim e eu fugindo pelo apartamento.
     Quem diria que isso aconteceria, logo comigo ...

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Autossuficientes em mentiras

     Eu leio certas notícias e fico me questionando: será que a população consegue alcançar o quanto é iludida, enganada, tratada como imbecil pelos nossos dirigentes? Quase sempre respondo, para mim mesmo, que não, definitivamente não. Ou não veríamos a repetição de tantos engodos, tantas ações desrespeitosas, tanta mediocridade, em especial nos anos de eleição.
     A mais recente constatação do desprezo votado ao País está na Veja. Um diretor da Petrobras (não interessa quem) confessa que a empresa chegou, hoje, ao assustador volume de importação de 100 mil barris de gasolina por dia, algo próximo de 25% do consumo nacional. É isso mesmo: o Brasil importa um quarto da gasolina que consome. E a tendência é que esse volume aumente, em 2012.
     Mas e tal autossuficiência anunciada, festejada e usada eleitoralmente pelo governo passado? Alguém pode argumentar que são duas coisas distintas: capacidade para ter autossufiência em petróleo é uma coisa; ter gasolina, ou diesel, outra. Puro diversionismo.
     Por essa tese, o Brasil teria poderia atender às suas demandas, desde que tivesse capacidade de refino, o que não tem e já não tinha antes. Nós jamais deixamos de importar diesel, por exemplo.
     Essa balela, no entanto, foi incutida no imaginário do brasileiro, ao lado de outra inverdade absoluta: que a oposição pretendia vender a Petrobras. A prática é simples: repetir uma mentira até que ela, por força da propaganda, se transforme em verdade. Os nazistas faziam isso com muita competência.
     Hoje, a Petrobras é obrigada a admitir, por linhas tortas, que o Brasil continua na fila do desenvolvimento, por falta de investimento em infraestrutura, não apenas no refino de petróleo, mas nos setores portuário, de aeroportos e malha viária. Só não podemos mais - como insistem inescrupulosamente os arautos do Governo - colocar a culpa no passado, em heranças. Nove anos da 'Era Lula' mostram a ineficiência do projeto de poder, baseado, tão-somente, na distribuição de pão e água aos miseráveis.

Chanchada bananeira

     Um grupo de militares - sim, militares, e não policiais - invade, com armas e prepotência, a sede de uma emissora de televisão que faz oposição ao governo. A medida, baseada em uma denúncia qualquer que partiu de um grupo ligado à situação, é defendida por um dos integrantes do primeiro escalão, sob o argumento de que havia uma ordem judicial, claramente obtida de um parceiro, como os juízes que autorizavam a deportação de judeus, na Alemanha nazista, por exemplo.
     A cena poderia ser parte de um filme sobre alguma república bananeira cujos dirigentes usam todos os meios legais ou ilegais (normalmente imorais) para calar os dissidentes. Mas não é fictícia. É absolutamente real e foi divulgada, hoje, por Veja. Tudo isso aconteceu na Argentina, tendo como alvo uma tevê a cabo (Cablevision) do grupo Clarín. Os denunciantes integram o grupo Vila-Manzano, favorável ao controle da produção de papel para jornal, perseguida pelo Governo Kirchner.
     Há alguns anos, episódios como esse faziam parte do repertório das ditaduras de 'direita' que assolavam nosso continente. Hoje, são armas de ditaduras semelhantes, embora 'legitimadas' pelo voto'. Mudou, apenas, o matiz dos governantes, considerados de 'esquerda', seja lá o que isso for. E, como tal, merecedores da boa vontade de grande parcela dos 'formadores' de opinião.
     Seria muito esperar que nossas entidades - ABI e sindicatos de jornalistas, em especial - condenassem esse tipo de ação, característica de governos de terceira categoria, como os venezuelano, peruano, cubano e outros, semelhantes na mediocridade e no desrespeito a um preceito fundamental: a liberdade de expressão. Afinal, dona Cristina faz parte do esquema de embuste ideológico que marca grande parte da América Latina.

Um julgamento emocional

     Nossas mais altas cortes de Justiça têm provocado reações emocionais e, por vezes, iradas na população. Propostas indecentes, como férias estendidas, salários astronômicos (até R$ 400 mil por mês, em determinados casos), leniência com políticos corruptos e envolvimento com crimes e criminosos servem de combustível natural contra nossos magistrados em geral, vistos como representantes de uma casta.
     Talvez esse julgamento - que os fatos até justificam - explique a enorme reação à liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello à Associação dos Magistrados Brasileiros, restringindo o alcance do Conselho Nacional de Justiça na ação contra juízes acusados de algum tipo de crime.
     Há um clamor, sim, expresso nas manchetes dos jornais - como O Globo de hoje. Mas falta - e eu me atrevo a ponderar - o distanciamento necessário à avaliação de uma decisão que é inteiramente respaldada pela Constituição. Simples assim. Pode-se alegar que o momento exigiria uma atitude mais transparente. Afinal, o país atravessa um de seus períodos mais nefastos moralmente.
     Mas a um juiz do Supremo Tribunal Federal cabe - em última instância - a guarda da Constituição, a preservação do primado da Lei. Se ela - a Constituição - está defasada, que seja, então, alterada, seguindo - no entanto - os preceitos pré-estabelecidos. Não se muda uma legislação ao sabor do momento, de governos, ideologias eventualmente dominantes, do tal 'clamor das ruas', citado constantemente. A Constituição deve estar acima de tudo, para preservar a própria Nação.
     A sociedade exige mais rigor, especialmente contra aqueles que têm a Justiça nas mãos? Muito bem. Que comece um processo de alterações, que só podem ser executadas pelo Congresso, nunca por grupos ou pessoas, eventualmente até bem-intencionados.
     No caso específico, tomo, mais uma vez, a liberdade de reproduzir, abaixo, um texto que publiquei no dia 30 de setembro, basicamente sobre o mesmo tema. Não modificaria uma palavra.


Apreço à Constituição

     "Reitera-se que a Associação não defende a extinção do poder disciplinar do CNJ, e sim requer a preservação do respeito aos preceitos constitucionais, que outorgam aos Tribunais de Justiça autonomia para julgar os Magistrados."
     Esse trecho da nota oficial divulgada hoje pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) é um exemplo claro e objetivo da necessidade de um mediador na questão com o Conselho Nacional de Justiça. Os dois lados da questão têm seus argumentos, todos centrados na defesa e valorização do judiciário, embora dissonantes.
     Nessas situações, não há meios caminhos: deve prevalecer a decisão da corte mais alta, no caso o Supremo Tribunal Federal, que foi provocado a falar pela AMB, na Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada dia 16 de agosto, contra a Resolução 135, do Conselho Nacional de Justiça.
     Presumir-se que o STJ não vai tomar uma decisão que atende à Constituição é um grave erro estimulado pelo açodamento na tomada de posição, normalmente provocado pela paixão política. O Supremo, como qualquer órgão formado por pessoas, pode, eventualmente, tropeçar em alguma decisão. Mas sua diversidade, sua face ecumênica e preparo jurídico são garantias de que vai prevalecer o princípio básico da democracia: a vontade da maioria.
     Se há necesidade de atualização da Constituição, a Nação dispõe dos mecanismos legais para isso. Não se pode imaginar, no entanto, que o documento maior de um país seja remendado a todo momento, ao sabor das marés políticas. Ou ecoando gritos muitas vezes destemperados. A Justiça precisa, sim, de uma mexida, de oxigênio.
      Talvez seja essa a hora de se pensar essa mudança. De acordo com a Constituição.

 

Não há paz no Oriente

     Três notícias vindas da mesma parte do mundo - o Oriente Médio - exibem à perfeição o perfil de uma região ainda submetida à mediocridade política, à ignorância, ao sectarismo religioso e à barbárie, alimentados por governos ditatoriais, que se sustentam à base da ignorância total dos direitos humanos.
     Na infelicitada Síria do misto de genocida e ditador Bashar al-Assad, o governo decidiu executar, como se terroristas fossem, os dissidentes que insistem em enfrentar, nas ruas, a opressão de um sistema que já não mais se sustenta. Isso, depois de matar e prender milhares de civis que ousaram pedir liberdade e eleições livres, algo inimaginável para todos os ditadores de plantão.
     No Egito, a primavera árabe, que arrancou o ex-ditador Hosni Mubarak do poder, no início do ano, transformou-se, rapidamente, numa tempestade. A junta militar que de fato manda no país - e que sustentava o ex-presidente - mostra que não tem o menor constrangimento em assassinar manifestantes, na Praça Tahir, a mesma que virou o símbolo de um movimento pacífico e vitorioso.
     No Iraque, livre, afinal, da presença de tropas americanas, a primeira medida oficial foi determinar a prisão de um dos dois vice-presidentes, o sunita Tareq al-Hashemi, acusado de terrorismo. O resultado dessa decisão é fácil de imaginar: o recrudescimento das lutas fratricidas entre as duas correntes do islamismo, os xiitas (maioria no país) e os sunitas.
     Esses embates - é bom frisar, sempre - foram os responsáveis pelo maior número de mortes entre civis (mais de 100 mil), e não o enfrentamento com as tropas americanas - que derrubaram o assassino Sadan Hussein do poder -, como pretende deixar a entender o noticiário.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Cheiro de naftalina

     Chega a ser engraçado ver e ouvir os comentaristas e repórteres brasileiros que trabalham nos Estados Unidos criticarem com tanta veemência o país, seus políticos, sua população alienada, sua instabilidade econômica, sua compulsão ao protagonismo. E, ao mesmo tempo, saírem em defesa do Irã, da China, Rússia, Cuba. Agora mesmo, um dos programas da GloboNews produziu mais um desses atos de inconsistência ideológica explícita, ao se alinhar ao corrupto e ditatorial esquema de governo russo, no seu confronto com os americanos.
     Tudo o que os Estados Unidos fizeram, estão fazendo e pretendem fazer está errado. Os russos, esses exemplos libertários, estão apenas reagindo - com o recrudescimento de ameaças nucleares e semelhantes - à compulsão americana por dominar o mundo. Vladimir Putin, o chefe de fato de um governo de exceção, não é um produto acabado do regime comunista, oriundo da KGB, a temida e criminosa polícia secreta soviética.
     Para alguns, Putin é o homem que restabeceu o orgulho do país. Esquecem os massacres na Chechênia, a violência contra estados-satélites que tentam se liberar do jugo russo. Corrupção? Fraude nas eleições? Prisões e assassinatos de dissidentes? Isso não vem ao caso. Preferem, ainda, passados tantos anos, destacar a falta de legitimidade do ex-presidente George Bush, eleito dentro das regras até discutíveis do país mais livre do mundo.
     Esse ranço da dicotomia esquerda-direita - por incrível que pareça! - ainda prevalece. Como se fosse possível classificar um país historicamente usurpador e que foi dirigido por genocidas, por décadas, como de 'esquerda', seja lá o que isso ainda represente de bom nesse mundo.
     O mais assustador é que essa visão maniqueísta e ultrapassada encontra repercussão por aqui, em especial. Não apenas em republiquetas bananeiras, como as da Venezuela, Argentina, do Peru e Guatemala, mas no Brasil, um país fadado a ter um papel preponderante, mas ainda vítima da corrupção e do estelionato ideológico.

A Justiça do Cardozo

     Jamais vislumbrei algo que pudesse justificar o conceito liberal que o ministro da Justiça (???) José Eduardo Cardozo, gozava entre os vários segmentos. Sempre me pareceu furtivo, inconsistente, um tipo que jogava sempre para as câmeras, com um discurso inóquo, vazio, que nada dizia. Fazia - e eu nunca tive dúvidas - o papel de bom moço, bonachão, sempre disposto a um sorriso.
     Suas atitudes - ou falta delas - no cargo que assumiu sem o menor preparo vêm dando razão à minha antiga resistência a esse exemplar pronto e acabado da seita dos petistas dos últimos dias. Hoje, leio em O Globo que Cardozo defendeu veementente seu companheiro de militância, o ainda ministro Fernando Pimentel, do Desenvolvimento e outras coisas.
     Para o homem que deve dar o rumo da justiça nesse país, não há "cabimento" nas denúncias. Para ele, Pimentel nada fez de errado, ao embolsar quase R$ 2 milhões para não trabalhar - dinheiro que, em última instância, vem das nossa carteiras. Para ele, seu parceiro pode continuar mentindo à vontade, como fez até agora. Leiam parte do 'argumento' do ministro boa-praça:
     - Não vi nada que pudesse macular a imagem do ministro, que é uma pessoa de uma história política intocável", disse, depois de participar da solenidade de posse da nova ministra do Supremo, Rosa Maria Weber.
     E ele fala essas coisas sem demonstrar vergonha ou ficar ruborizado.

A morte de um ditador

     Não comemoro mortes. Mas não absolvo criminosos, apenas pelo fato de não mais estarem entre nós. Escrevi algo parecido quando Muammar Kadafi foi 'justiçado'. E quando o terrorista Osdama Bin Laden foi executado. Certamente vou expor um sentimento semelhante em relação a outros ditadores assassinos, ou assassinos ditadores, indepedentemente do 'matiz'. Lamento, na morte do 'líder' norte-coreano Kim Jong II, que sua presença nefasta ainda vai se prolongar por algum tempo, infelicitando um dos povos mais miseráveis e ignorantes do mundo, em contraste com seus vizinhos e irmãos do Sul.
     Seguindo uma tradição que já não cabe num mundo que avança pelo século 21, o lugar de Kim, que já sucedera o pai, vai ser ocupado por seu filho, Kim Jong-un, numa passagem de bastão que preserva, apenas, o interesse da cúpula dirigente desse país, formada por uma linhagem de militares que assumiu o poder, estabelecido à imagem dos últimos mentores e mantido à força da chibata e da eliminação de qualquer vestígio de liberdade.
     A morte do ditador é lastimável até pela ameaça que continua pairando sobre o mundo. Se a Coreia do Norte nuclearizada do morto Kim já era um complicador nas relações internacionais, pode se transformar num gatilho. As primeiras notícias - sempre difusas, pois partem do país mais fechado de todos os continentes - acenam com uma eventual luta pelo poder, entre os seguidores do filho pródigo e uma corrente militar dissidente.
     Qual dos dois lados será o menos pior? Vamos torcer por ele.

Entre corridas e agarrões

     Domingo, pouco depois das oito da noite e de ter resolvido meu 'desaparecimento' (ver postagem anterior). Sem o Velox, que me liga ao mundo, restou a opção de ver algum programa na tevê (estava um pouco cansado, para continuar meu mergulho no livro Equador, ao qual venho me dedicando vagarosamente, lendo e relendo páginas, com enorme prazer).
     Naturalmente, de maneira automática, ligo no canal 39, da Sky: EsporTV, minha primeira opção. Como é uma ação instintiva, nem lembrei que o futebol que me apaixona, independentemente de qualquer coisa - o do Vasco -, só estará de volta na segunda quinzena de janeiro, mais exatamente no dia 22.
     E me deparei com uma absolutamente insólita transmissão, ao vivo, de um tal Brasil Sevens de Rugby, envolvendo as equipes femininas de Niterói e uma outra que não consigo lembrar. Quatorze jovens correndo, se agarrando e caindo na lama de um gramado encharcado pelas últimas chuvas. Cheguei a pensar que tinha errado o canal, que talvez fosse um programa 'adulto' que eu recebera para 'degustação'.
     Resisti às 'emoções' do rugby, recorri ao 38 (SporTV 2) e me deparei com um Olympic Gala, uma apresentação sem regras fixas de ginastas, um show de saltos, piruetas e quetais. Em um dos canais ESPN, estava anunciado um programa de entrevista comandado por um jornalista corintiano que - não alcancei, até hoje, o motivo - faz sucesso no setor esportivo.
     Ainda bem que estou a um mês de começar a ficar agradavelmente dividido entre o Campeonato Carioca, a Copa Brasil (a CBF quer todos os grandes também nessa competição), a Libertadores e o Brasileiro.

Ser pai também é viver no paraíso

     Vivi, ontem, domingo, um momento de exibição de amor incondicional, que me emocionou e tomo a liberdade de dividir com vocês.
     Era um dia normal, tanto quando pode ser um domingo sem futebol. Prevendo o tempo ocioso dos moradores, especialmente à tarde, os administradores do nosso condomínio, aqui na Pedra, marcaram uma assembléia para traçar alguns rumos para o ano que está quase começando.
     Confesso que eu estava até relutante, em função da baixa frequência das reuniões anteriores - um problema comum, eu sei, a esse tipo de encontro. Quase sempre a maioria transfere a uma minoria a responsabilidade de tomar as decisões que, no entanto, atingem o todo. Mas o interfone tocou e uma vizinha mais amiga me convenceu a participar.
     Desliguei o aparelho e saí (é um condomínio horizontal) em direção à casa dos nossos síndicos, com direito a uma parada pelo caminho, onde encontrei pessoas que eu praticamente não vejo no dia a dia. Lembro que encostei a porta de casa e o portão, para evitar que Cléo, nossa labradora (de Pedro e Júlia, meus netos, na verdade) tentasse me seguir.
     Para minha surpresa, havia mais moradores do que eu previa, a conversa transcorreu num ótimo clima e foi se alongando além das decisões que necessariamente teriam que ser tomadas.
     Quase duas horas depois do início, fui alertado que "um rapaz" estava me chamando no portão. Levantei preocupado e encontrei o tal jovem: era Rodrigo, nosso amigo e vizinho, pai da Carolina, recém-nascida a quem homenageei há alguns dias. Ele estava visivelmente preocupado e me contou o motivo:
     - Marco, Fabiana está muito nervosa. Já ligou para você uma dezena de vezes. Aí ligou para mim e pediu para eu procurar você. Já entrei na sua casa, rodei o quintal, fui a todos os lugares possíveis. A porta estava aberta e a televisão ligada. Eu já estava saindo por aí. E Guilherme está pronto para vir para cá. Liga para ela, agora.
     Fabiana é minha filha mais nova, e Guilherme meu genro, amigo e companheiro de inúmeras aventuras no Jalapão e Pantanal, entre outras. Como sabia que eu estava sozinho, aqui na Pedra (a mãe estava com a irmã, Flávia, que a convocara para dar uma 'ajuda' por alguns dias), Fabiana ligou para saber se estava tudo bem e falar sobre um DVD que estava vendo e que levaria para o Natal: um show de Cartola, meu ídolo na música popular brasileira.
     Ligou para o fixo e ... nada. Insistiu. Mudou para o celular e também não conseguiu resposta. Ligou algumas vezes e, aí, começou a se preocupar. Imaginou - coisa de filha - que eu pudesse ter caído de uma das árvores, retirando frutos (a mangueira esteve carregada) ou até do telhado, que eu costumo reparar eventualmente. E foi, então, que convocou Rodrigo, amigo comum (eles fizeram o segundo grau e mantiveram a amizade, através dos anos) para procurar o pai desaparecido.
     Só se acalmou quando falou comigo. E não resistiu. Chorou muito, repetindo: "Pai, não faz isso. Você é o meu pai". Foi irresistível: lembrei, de imediato, que, além de pai, fui (acho que ainda sou, um pouco menos, é claro), por muitos anos, o seu 'heroi', uma referência. E chorei, também, com ela, a filha "caçula preferida", prestes a completar 34 anos, mas ainda a minha malcriada e amorosa 'pirralha' que se atirava no chão do Barrashopping.

     A mais velha, Flávia, jornalista como eu (ótima, por sinal), completa 38 anos hoje, dia 19. Fabiana é professora, como a mãe, e autora de alguns livros didáticos do curso de espanhol da rede Yes, onde trabalha como coordenadora pedagógica há alguns anos.
     O tal 'isso' a que ela se referia - além de sair sem avisar, deixar a porta aberta e a televisão ligada - foi ter esquecido o celular em cima da mesa. Nem me dei conta. Não uso, praticamente. Pedi desculpas a todos, reconhecendo meu 'desligamento', já notório, mas não escapei do 'castigo' sugerido por Júlia, minha neta, do alto de seus oito anos de sabedoria e repetindo exemplo da mãe, quando quer que ela faça algo e encontra resistência:
     - Vamos proibir o vovô de usar a internet um dia inteiro!

domingo, 18 de dezembro de 2011

De volta a 'House'

     Eu já havia desistido de 'House' (Universal, quintas, às 22 horas). Motivos? A repetição de situações, ao longo dos anos; os exageros na composição do personagem principal; e a 'dolorosa' perda, em sequência, de três enormes motivações para acompanhar o seriado: as belas Jenniffer Morrison, Lisa Edelstein e Olivia Wilde, respectivamente as 'doutoras' Allison Cameron, Lisa Cuddy e Thirteen, capazes de provocar arritmia cardíaca em qualquer um.
     Na falta de opções, no entanto, parei no canal há algumas semanas. House estava preso (invadiu a casa de Cuddy, com seu carro, no último capítulo da temporada passada, destruiu uma sala, um encontro amoroso da sua eterna paixão e abriu caminho para a mudança no elenco), mas, com seu jeito arrogante, enfrentou alguns desafios que normalmente surgem em situações assim.
     Ao fim de alguns entreveros, conheceu e encantou a médica encarregada da enfermaria da prisão. Algum tempo depois, foi arrastado de volta ao Princeton-Plainsboro, o hospital onde fazia história, por seu ex-comandado (o 'doutor' Eric Foreman, vivido por Omar Epps), que substituíra Cuddy na direção. E por lá ficou, reconstruindo a carreira, com diagnósticos memoráveis.
   
    E quem apareceu por lá, além dos antigos colaboradores (os 'médicos' Robert Chase e Chris Taub, os atores Jesse Spencer e Peter Jacobson) e de uma instigante personagem (Chi Park, a atriz Charlyne Yi) convocados por ele? É claro que a tal médica da prisão, Jessica Adans, a belíssima Odette Yustman, que reúne o que há de melhor - esteticamente falando - das três musas desaparecidas.
     Com ela, todas as perdas e até as novas e assustadoras doenças foram relativadas.

Esbulho da história

     Alguém poderia argumentar que esse texto chega atrasado ao Blog. Não deixaria de ter relativa razão. A meu favor, no entanto, o fato de já ter abordado o assunto - o mergulho argentino na idade das trevas político-ideológicas - há algum tempo, quando lamentei a mediocriodade escancarada pela reeleita presidente Cristina Kirchner.
     Nada mais antigo e constrangedor do que o culto personalístico que se ensaia no nosso vizinho, com direito a exibições expressas de apelos ao que há de mais demagógico e atrasado nesse país que, há um século, ostentava alguns dos melhores índices de vida do mundo.
     Esse misto de peronismo, evitismo e kirchnerismo, uma sopa com sabor de naftalina, explora o abismo em que o povo argentino vem sendo atirado, por sucessivos governantes divorciados do mundo moderno, responsáveis por atos de irresponsabilidade fiscal e descompromisso com os princípios democráticos.
     O Globo, na edição de sábado, tratou com enorme atualidade a mais nova iniciativa da nova pretensa mãe dos descamisados. A presidente argentina está decidida, sem subterfúgios, a reescrever a história do país, literalmente, fazendo uma intervenção até mesmo no conteúdo dos livros didáticos. Tudo, sob os olhares do grupo que detém o poder, esquecida que a história não pertence a um governo, a uma ideologia, mas à Nação.
     Na Rússia comunista, um dos maiores exemplos dessa intervenção deletéria foi a borracha ideológica passada na foto em que o já então dissidente Leon Trotsky aparecia o lado de Lenin, por ordem de Josef Stalin, um dos maiores genocidas da história do mundo. Outro exemplar digno dessa imbecilidade proposta na Argentina: as fogueiras de livros feitas pela Guarda Vermelha de Mao, na China.
     Cristina, além de tentar escrever uma história à semelhança do seu limitado alcance, avança, como um trator da prepotência, contra a liberdade de pensamento e de expressão, cerceando jornais que não a reverenciam, seguindo os passos do outro gigante da estupidez bananeira, seu financista Hugo Chávez, misto de ditator e prestigitador venezuelano.
     Dessa vez, no entanto, houve reação aos propósitos delinquentes de alterar o passado, para alicerçar o presente e invadir o futuro. Dezenas de intelectuais - professores, escritores - argentinos denunciaram a tentativa de esbulho.
     Cristina Kirchner, admito, tem até o direito de fazer história, mesmo calçada em demagogia e irresponsabilidade financeira. Mas não tem o direito de reescrever os fatos.

Uma aula de futebol

     Há uma semana, comentando a impressão que o jogo entre Barcelona e Real Madri (3 a 1) deixou em mim, usei uma imagem: o futebol jogado pelas duas equipes, Barcelona em especial, exibia o abismo que existe, hoje, entre Brasil e Espanha. Um abismo técnico - jogadores sensacionais, mesmo - e tático.
     Hoje, coube ao Santos, com todos os seus indiscutíveis astros, sentir, no Japão, a profundidade que existe entre entre os dois países nesse campo que já foi quase que exclusivamente nosso. Já nem falo dos impiedosos 4 a 0 nessa previsível final do Mundial de Clubes da Fifa, com direito a dois gols do maior jogador do mundo, Messi. O que mais me marcou foi a esmagadora estatística de posse de bola.
     O Barcelona jogou, ao seu estilo - único, talvez, no mundo -, tocando, deslocando, marcando saída de bola, alternando jogadas pelas laterais, tabelinhas pelo meio, cruzamentos na hora certa. E fez isso durante 70 por cento do jogo. O Santos, que conta com a saudável irreverência técnica de Neymar, limitou-se a recuar, olhar e tentar, eventualmente, um contra-ataque. Uma lástima. Não tanto pelo placar, mas pela falta de opções táticas, pelo desprezo devotado à bola, chutada imediatamente, devolvida reverentemente à equipe adversária.
     Se não foi agradável assistir à comprovação que já não somos - nós brasileiros - as referências mundiais no futebol, não deixou de haver prazer. Quem gosta de futebol, não podia deixar de admirar o toque de bola de um meio de campo que conta com Xavi e Iniesta, dois gênios na condução da bola, na inteligência dos passes. Messi? Não diria que foi brilhante, como em outras ocasiões. Mesmo assim, fez dois gols de rara habilidade e ainda participou de outro. Para os seus padrões, não foi brilhante, mas quase, não é verdade?
    Alguém diria que Messi não é espanhol, e sim argentino. É verdade. Um argentino adotado desde que ainda era um menino franzino e que se integrou perfeitamente à escola de criação de artistas da bola montada em Barcelona e que colocou em campo, hoje, de uma só vez, nove atletas produzidos nessa imensa fábrica de craques. O bicampeonato mundial foi um presente mais do que merecido.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Eduardo, deixa de bobagem, menino ...

     O prefeito Eduardo Paes (não sei bem (*) de que partido, acho que do PMDB, mas ele já foi PFL- atual Democratas - e PSDB ...) parece disposto a seguir o perfil traçado por seu antecessor e mentor político, César Maia, famoso por criar o que se convencionou chamar de ’factoides’ – aquelas notícias destinadas a fazer marola, mas que não se sustentavam legal ou logicamente.
     Sua última investida nesse terreno da chanchada administrativa foi primeira página no O Globo de hoje: ampliar o conceito de uma tal Área de Proteção do Ambiente Cultural do Leblon, um dos bairros mais exclusivos da cidade, já protegido por essência.  A ideia – se é que podemos considerar essa bobagem uma ideia – é impedir, por exemplo, que um bar que já recebeu algum famoso seja transformado em uma agência bancária. Ou que uma livraria – e ele, nosso alcaide, deu o exemplo de uma, especificamente – vire uma drogaria.   
     Essa ‘viagem juvenil’ seria feita em nome da preservação de um abstrato ‘modus vivendi carioca’, como destaca o jornal, sem discutir. Seja lá o que isso for.  
     Eu fico imaginando o dono de um comércio de rua que Eduardo Paes quer preservar por decreto indo à falência, ou brigando irremediavelmente com um sócio. Não pode vender ou passar o ponto, mesmo que ele dê um imenso prejuízo financeiro ou emocional.
    Talvez seja o caso de manter o botequim aberto e exigir da Prefeitura um pagamento mensal por estar preservando sabe-se lá o quê. Ou então, em outro extremo, ficamos todos, cariocas do Leblon, Tijuca, Rocha Miranda, Osvaldo Cruz e Turiaçu, condenados a purgar nossos pecados enfrentando ruas esburacadas, ônibus lotados, trens avariados, vans alucinadas, engarrafamentos monumentais e motoristas criminosos. Ou esse conjunto que acabei de destacar não faz parte do nosso dia a dia, do ‘modus vivendi carioca’?
     Essa bobagem não resiste a uma ação de advogado recém-formado.

(*) Todos nós sabemos que ele é do PMDB. Foi apenas uma alusão à 'consistência ideológica' do nosso ativo prefeito.