segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

O rosário da ministra

    A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, ao discursar ontem, na abertura da 16ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, disse, entre outras coisas, segundo O Globo, que "alianças estratégicas alimentaram o silêncio acerca de violações dos direitos humanos nos últimos anos". Tem toda a razão, ministra. Nos últimos oito anos, o Brasil - governado pelo mentor da atual presidente - defendeu ardorosamente ditaduras assassinas, como as do Irã, da própria Líbia e da China, sem falar no apoio emocionado a Hugo Chavez, o coronel de opereta e aprendiz de tirano que governa a Venezuela, e aos caquéticos irmãos Castro, inimigos declarados de homossexuais - que eram deportados aos barcos para Miami - e jornalistas independentes.
    Essas declarações - muito bem-vindas - talvez não tenham sido recebidas com tranquilidade num determinado apartamento de cobertura em São Bernardo, cujo dono é conhecido pela absoluta falta de polidez. Temo que a ministra seja obrigada a garantir que estava se referindo, apenas, ao apoio que outras nações prestavam ao Egito (por 'outras nações', entenda-se Israel e Estados Unidos) e à Colômbia.

Use e abuse do controle remoto

     Um velho e querido amigo ficou surpreso ao ler minhas considerações sobre televisão, programas e tudo o mais que surge nas telas, que já foram telinhas, num passado recente. Tem seus motivos. Ele sabe o quanto sou crítico e, eventualmente, intolerante, especialmente com a Rede Globo, pela responsabilidade que tem por ser a maior referência em informação e cultura - dois segmentos que se completam e se fundem - do povo brasileiro. Essas restrições, no entanto, não me impedem de reconhecer a qualidade de alguns programas de entretenimento, a dimensão do Jornal Nacional e a enorme capacidade de seus profissionais, em todas as áreas.
    A tevê aberta, entretanto, deixou de ser uma referência para mim há muitos anos. As melhores séries, programas de debates e culturais estão espalhados pelas dezenas de opções da NET, Sky etc. Não consigo me imaginar assistindo a filmes dublados, por exemplo. Ou ao futebol narrado por Galvão Bueno; comentado por Neto; e com lances duvidosos interpretados por um juiz com a carreira repleta de - digamos - incidentes. E vai aqui uma observação: lamento muito o fato de o rubro-negro Júnior, um excelente comentarista, não fazer parte da equipe da SporTV, por exemplo. E vocês sabem que sou um torcedor apaixonado do Vasco.


    A televisão, gostemos dela, ou não, está incorporada à nossa vida, talvez em definitivo. Essa certeza me acompanha há muito tempo e me levou a participar, em 1974, por exemplo, de um seminário justamente sobre técnica, teoria e prática de televisão (veja, acima, a reprodução do crachá), ministrado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). O segredo - tomo a liberdade de presumir - é saber como usar a tevê, extraindo o que de melhor ela nos apresenta, usando o controle remoto sem receio.
    É assim que eu passo sem traumas por mediocridades como os execráveis BBB, American's Top Model (o que é aquilo????) e similares. Datenas? Ratinhos? Não, nunca vi. Sei que existem - afinal, vivo no Brasil -, mas jamais perdi um segundo com essas coisas. Aliás, meus aparelhos de tevê têm um bloqueio cultural e sanitário que impede a sintonização do tal do BBB, da Bandeirantes do SBT e de outras menos votadas.

Historias de Júlia e Pedro

A descoberta dos palavrões

     Eu e Júlia estávamos a caminho da festa de aniversário de uma de suas coleguinhas. Seus pais e o irmão, Pedro, ficaram em outra festa, a dos 33 anos da "tia Fabiana". No percurso entre a Freguesia e Botafogo, fomos falando sobre vários assuntos, até que a conversa recaiu no Colégio Pedro II, onde ela estuda e eu estudei, há muitos e muitos anos (portanto, somos praticamente colegas).
    Falamos do uniforme das meninas - que ela adora -, do Hino do colégio, da Tabuada (grito de guerra que atravessa gerações e que ela sabe de ponta a ponta) e das músicas que nós, nos anos 60, entoávamos pelas ruas da cidade. Recitei uma, a da despedida dos alunos do antigo terceiro ano científico, e entoei outra, um misto de afirmação e provocação. Com uma ressalva:
    - A letra tem alguns palavrões, mas o vovô não vai dizer.
    E asim fiz. Na parte - digamos - mais pesada, a que rimava com 'cachorrada' - uma alusão aos alunos do Colégio Militar, nossos desafetos na época, apelidados, por nós, de 'cachorrinhos de madame' (CM) -, me saí com um "pontinho, pontinho, pontinho". Júlia tentou adivinhar: "É palmada, vovô?". Confessei que não, mas admiti que era uma coisa parecida.
    - Eu sei o que é, vovô. Posso soletrar?", desafiou.
    - Pode", assenti, já prevendo o que poderia acontecer.
    - P... O ... R ... R ... A ... D ... A", escandiu.
    Tentando conter o riso, perguntei como é que ela sabia essa palavra, já que evitamos explosões na frente das crianças. A resposta veio rápida, com o jeito moleque que só Júlia sabe ter:
    - Vovô, eu já conheço muitos palavrões.

(*) Júlia tem 7 anos e meio e representa um divisor nas nossas vidas. Foi a primeira filha da minha filha mais velha, a primeira neta dos dois casais de avós, a primeira sobrinha, a primeira afilhada. Pedro, um moleque 'boleiro' e carinhoso, tem três anos e meio e - assim como a irmã e mentora - muitas histórias para serem contadas. E que serão contadas a partir de hoje, conforme elas forem ganhando vida na minha memória.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Toda delação será premiada

     Não sei se é uma questão cultural, mas não consigo encarar a delação, nem os delatores, com naturalidade. Nada contra a verdade, ao contrário. Mas essa ‘lavagem de roupa suja’ oficial quase sempre embute algo não muito decente, uma oportunidade de ganhar alguma coisa à custa de outro.  No caso específico do projeto de lei assinado pelo governador do Rio de Janeiro, o ‘desaparecido-das-tevês’ Sérgio Cabral, envolvendo as polícias civil e militar, toda a deleção será premiada, o que – no meu entender – seria mais um estímulo ao comportamento inescrupuloso de agentes da lei.
     Pelo projeto, o delator, também criminoso, seria perdoado de suas falcatruas. Estaria aberto, com isso, o caminho para maus policiais denunciarem maus policiais, tornando-se, como por encanto, puros e honestos.  Em entrevista publicada no O Globo, o secretário de Segurança, José Maria Beltrame, acena com a possibilidade de levar pessoas “para o lado de bem”. 
     Na verdade, os delatores não estariam trocando de lado, apenas comprariam sua impunidade. O aparato policial do Rio seria muito mais justo com todos, em especial com as instituições, se ampliasse os mecanismos de controle sobre seus membros, exigindo um comportamento digno de quem recebe um distintivo e uma arma para defender a população.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Há política, além de tiriticas

     Muito já foi dito e escrito e ainda será escrito e dito sobre a indicação do deputado federal Tiririca para a Comissão de Educação e Cultura da Câmara. Vou me permitir discordar da generalização que condena os políticos, enfiando-os na mesma sacola de mensaleiros, embora admita que vivemos, há algum tempo, momentos muito difíceis em Brasília, especialmente.
     Há tiriricas e joões paulos, sim, mas existem também os que fazem da atuação política formal um meio de participar efetivamente na construção de um país mais decente e igualitário. É bem verdade que o grupo é reduzido, se comparado ao total, mas existe. A generalização é prejudicial ao país e inibe a renovação. Para nos fixarmos apenas na capital federal, é bom que lembremos que não só de ervas daninhas é composta a vegetação do Planalto

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

To... ne....lux!!!

    Está cada vez mais difícil, pelo menos para mim, fazer compras em supermercados e shoppings. Há algum tempo, ia direto nas marcas mais conhecidas, sem pensar muito. Hoje, não. Perco um tempo enorme escolhendo justamente o produto que não foi anunciada por um ex-BBB, um galã de telenovelas, algum ex-jogador, um cantor, ex-cantor em atividade ou humorista, a nova praga da publicidade. OIho cuidadosamente e vasculho a memória, para ter certeza que estou optando sem ter sido influenciado - mesmo vagamente - pelos garotos e garotas-propaganda modernos.
    É um exercício difícil, até por que praticamente não vejo ou escuto as propagandas veiculadas nos intervalos dos programas de tevê. A interrupção da atração geralmente é um sinal para eu acionar a tecla 'mute' e aproveitar aquele tempo com algo mais útil (normalmente, a releitura de algumas notícias do jornal folheado pela manhã) do que saber que a artista tal, que quase sempre nada entende do que está falando, recomenda um produto que ela jamais usou ou vai usar.
    Ontem, no entanto, apanhado de surpresa quando ainda estava envolvido pelas notícias sobre a enorme crise que se abateu na Líbia do ditador e terrorista Muamar Kadafi, demorei a reagir e acabei atropelado pelo novo reclame de uma montadora, no qual um senhor e seu filho (fiquei sabendo do parentesco ao bradar que não estava entendendo nada do se passava na tela, enquanto buscava, aflito o controle, perdido nos classificados) sugerem a compra do modelo do carro popular mais barato do mercado, com a sinceridade de um Delúbio Soares.
    E aí, confesso, senti saudades da Neide Aparecida.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Galileu Galilei do agreste

    Ao assistir ao Jornal Nacional, ontem, lembrei que há algum tempo não lembrava de meu sogro, mais exatamente desde a posse da atual presidente. Não, ele não era 'lulista', ou coisa que o valha.Tampouco fazia parte dos 5% que insistiam em não ver a luz. Para dizer a verdade, as consequências de um fortíssimo AVC impediram que ele tivesse vivido no país reinventado a partir de 2003.
    Seu Helba - era assim que todos os chamavam - era um homem de poucas palavras, grave, observador e quase sempre incisivo. Ouvia mais do que falava. Falava quase sempre na hora certa, alimentado pela experiência acumulada ao longo de décadas de trabalho, desde que deixou, ainda muito jovem, a - na época - pequena Barra do Itapemirim, no litoral do Espírito Santo. Certa vez, depois de andar muito tempo ao meu lado, no Fusca 69 que eu acabara de comprar - foi o meu primeiro carro -, disse, com calma, de uma maneira que o conselho não fosse confundido com uma crítica à minha maneira de - digamos - dirigir: "Você pode passar a quarta, se quiser".
    Não admitia malandragens, jeitinhos, mentiras, deboches, cinismo. Por isso deixava claro que jamais gostara do marido de uma sobrinha, a favorita entre todas. O tal 'sobrinho emprestado' fazia o tipo esperto, sorriso no canto da boca, cheio de trejeitos, meneios com as mãos, que usava  para enfatizar suas histórias quase sempre manipuladas. Corretor independente de anúncios classificados para pequenos jornais cariocas, se apresentava como jornalista aos incautos clientes suburbanos. E a todos dizia que iria conseguir "uma bonita nota" no jornal. Tinha sempre uma opinião sobre todos os assuntos. Sempre errada, distorcida, absolutamente vulgar. Mal completou o ensino fundamental - primário, naqueles tempos. Falava um português sofrível. Mas tinha lá seus adeptos.
    Lembrei que não lembrava do meu sogro justamente porque me dei conta que deixei de sofrer com a presença do ex-presidente nos jornais da tevê, inaugurando pedras fundamentais, lançando esboços de obras, batizando crianças em favelas, mentindo sobre o Mensalão, desvirtuando a história, reinventando as ciências (como se fora o Galileu Galilei do agreste), dando opiniões sem sentido sobre tudo e todos.
     Durante oito anos, a lembrança de seu Helba vinha naturalmente, a cada aparição de Lula, acompanhada da expressão que ele cunhou para definir o sobrinho renegado e que ficou famosa na família: "Trata-se de um analfabesta".

Entre a forca e o Caribe

     O cerco a Muamam Kadafi, um composto híbrido de ditador e terrorista arrependido que controla a Líbia há 42 anos, está cada vez mais estreito. Se há alguns anos ele era uma espécie de queridinho da extrema esquerda, pela posição de confronto com o Império, hoje se vê abandonado e perdido, como um vira-latas atirado pela janela de um carro.
     O apoio americano (e do Ocidente em geral) se foi, empurrado pelas cenas e relatos de violência praticados pelo ditador contra a população insurgente. O respaldo dos antigos parceiros de crime, como al-Qaeda - grupo que financiava, com os petrodólares -, a julgar pelas diatribes lançadas contra Osama bin Laden, também já era. Restam ao seu lado poucos seguidores.
     Por falta de informações mais objetivas, não se sabe se o time de voluptuosas 'guarda-costas' permanece à sua volta, no palácio cada vez mais cercado. Parece estar chegando a hora de Kadafi escolher entre dois caminhos: a forca ou o exílio ao lado do fanfarrão venezuelano.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Collor e Paim, tudo a ver

 
     Duas notícias são bem sintomáticas e expressam com clareza a natureza dos dias que estamos vivendo desde a reinauguração do Brasil, há pouco mais de dois mandatos presidenciais. Ambas, não por acaso, oriundas do Senado presidido por José Sarney, o amigo de todas as horas dos últimos presidentes. Para gáudio dos desmemoriados e farsantes, o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello, com o apoio entusiástico da bancada do PT, partido que o demonizou  e ajudou a tirar do poder (com toda a razão) num passado não tão remoto, acaba de ser conduzido à presidência da valorizada Comissão de Relações Exteriores do Senado.
     O outro chute na cara dos crédulos partiu - que novidade! - diretamento do Partido dos Trabalhadores (?). O senador Paulo Paim (PT-RS) - aquele que construiu sua 'história' culpando os neo-liberais por tudo de ruim que aconteceu aos assalariados, desde o início dos tempos - renegou tudo o que disse até ontem - como se fosse um Aloízio Mercadante - e saiu de um encontro com a sucessora de Lula apoiando o salário mínimo de R$ 545.
     Em compensação, garantiu que a presidente vai apoiar o fim do fator previdenciário e a valorização do aposentado. Como é esquecido esse senador ... Para acabar o fator previdenciário e corrigir as aposentadorias, basta - apenas - que a bancada de seu partido queira. Conversa com seus correligionários, senador.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O silêncio que cativa

     Sou obrigado a confessar que o comportamento da presidente Dilma Roussef tem, digamos, me conquistado. Não tanto pelo que tenha feito nesse começo de mandato - aliás, fez muito pouco e o pouco que fez não é lá essas coisas, a começar pelo apoio à reabilitação de personagens lamentáveis da nossa história política recente, como José Dirceu, Antônio Palocci e João Paulo Cunha. A conquista da minha tolerância se deve basicamente ao que ela não tem feito: aparecer diariamente nas tevês, às vezes várias vezes; falar bobagens com o ar beócio de quem está revelando os segredos da natureza; mentir; iludir; manipular. Em resumo: já consigo acompanhar as notícias palacianas justamente pelo que diferencia a presidente atual do seu (dela) guru e antecessor.

Devassa nos estacionamentos

    Em meio às discussões e expectativas sobre a transformação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, sob o comando da delegada Marta Rocha, tomo a liberdade de propor uma sugestão, que pode - deve! - ser ampliada à Polícia Militar: começar a triagem dos bons e maus policiais de uma maneira bem simples, nos estacionamentos de delegacias e batalhões. Chegou para trabalhar num carro de luxo - e quando eu digo luxo quero dizer algo em torno de R$ 50/60 mil -, cadeia direto. O carro é da mulher, do irmão, da avó? Tudo bem. Basta, apenas, o 'dono' provar como adquiriu o veículo, se ele está de acordo com a declaração de renda etc. Mais adiante, um mergulho nos endereços. Um policial decente não pode - embora mereça - morar em apartamento de luxo na Barra da Tijuca, ou outro bairro semelhante. Ou manter casas de veraneio em Angra ou Cabo Frio.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O terrorista e o bufão

    Os governos da Líbia e da Venezuela desmentiram há poucos minutos que o ditador Muammar Kadafi estivesse a caminho de Caracas, fugindo da revolta popular que exige sua destituição do poder que ocupa há 42 anos. Como não há imprensa livre no país, nem jornalistas estrangeiros, as notícias da mais sangrenta revolução desde o início das manifestações por liberdade, na Tunísia e no Egito, chegam ao mundo através de manifestantes, nem sempre confiáveis. Sendo verdadeiras, as mais recentes informações apontam para um rápido bota-fora do velho misto de presidente e terrorista. O país, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, já estaria sem governo. Face à ira dos manifestantes, é bem provável que o exílio imediato seja a única saída de Kadafi, candidatíssimo à forca. Na Venezuela, teria o prestígio que a maioria absoluta das nações certamente vai lhe negar, caso seja mesmo destituído. Afinal, ficaria ao lado de outro coronel de opereta, o bufão e aprendiz de ditador Hugo Chavez.

Flores mortas. Grama ressecada

     Antes que algum aventureiro comece a atirar pedras e colocar meu nome na lista de alguma milícia, quero declarar, sob juramento (poderia ser sob 'o' Juramento), que nasci na Saúde, talvez o mais carioca de todos os bairros dessa cidade, num sobrado da Rua Leôncio de Albuquerque, nada mais do que uma ligação entre as emblemáticas Ruas do Livramento e da Gamboa. Portanto, fico bem à vontade para lamentar, com pesar, que, a cada momento, mais fica visível - para quem quer ver - a existência de dois Rios, absolutamente distintos entre si.
    Um, o dos cartões postais, tema constante dos nossos colunistas, é o do mar; da Baía da Guanabara; do Pão de Açúcar e do Corcovado; de Copacabana, Ipanema e Leblon; do Jardim Botânico e da Gávea; da Lagoa Rodrigo de Freitas; e - vá lá - da Barra e do Recreio. Esse é o Rio próximo da perfeição, onde só há corpos sarados e bronzeados, restaurantes e bares que fazem a moda. Água de coco a R$ 4. Onde há ônibus, táxis e Metrô. Onde os serviços públicos estão sempre presentes. O Rio do "sabe com quem você está falando?".
    E há o outro Rio, que representa 90 por cento dessa cidade-município. É o Rio das ruas esburacadas; da escandalosa e criminosa falta de água nesse verão avassalador; da inexistência de esgoto sanitário (o despejo de grande parte da Zona Oeste é feito diretamente na Baía de Sepetiba, nos rios que desembocam na Baía da Guanabara e nas lagoas da Barra da Tijuca, sem tratamento, asqueroso, fétido).
    É o rio da desoladora Avenida Brasil, contraponto da Avenida Atlântica; de Realengo e Bangu; de Oswaldo Cruz e Bento Ribeiro, subúrbios lembrados apenas como acessórios das reportagens sobre carnaval e futebol. De Cordovil e Anchieta. Do calor absurdo; dos ônibus e trens superlotados; das vans e kombis criminosas. Do trânsito caótico e sempre engarrafado. Um Rio de paredes cinzentas ou de tijolo à vista; sem sombras, repleto de grandes e pequenas favelas (que um dia, logo logo, vão se torrnar grandes), excluídas do circuito cult, que inclui maltas de turistas ávidos pelo contato com esse terceiro mundo glamurizado, palco de ridículos safaris.
    Talvez seja o calor. As flores mortas. A grama ressecada.
   

domingo, 20 de fevereiro de 2011

As críticas a favor

    Pensamento que me ocorre ao ler os jornais de domingo, após ter visto alguns programas políticos na Globo News, sábado à noite: assim como a Linha Amarela, aqui no Rio, é o caminho mais rápido entre dois engarrafamentos, a coluna de notícias da página 2 de O Globo é um atalho certo e previsível para um lugarzinho nos governos do PT. Mudam os titulares, fica o 'vigoroso espírito crítico a favor', se é que isso é possível no jornalismo.

Às quartas, o melhor da tevê

     Na contramão do lixo televisivo (veja posts anteriores), entretanto, há algumas séries (na tevê paga, é evidente) instigantes e com ótimas tramas, como The Good Wife (Universal, com a excelente Julianna Margulies) e Desperate Housewives (Sony), ambas - infelizmente - no mesmo dia e no mesmo horário: quartas-feiras, às 22 horas. A concorrência já seria ruim para o público se ficasse limitada, 'apenas', às duas séries, o que não acontece: o futebol é a atração da Globo, no mesmo dia e horário. Resta ao espectador optar por uma atração e correr atrás das reprises, no caso das séries.
   Ainda em tempo (espero): O ar compungido e solene dos programas que anunciaram a aposentadoria de Ronaldo resvalou quase sempre no ridículo.

O tumor da tevê

     Ainda sobre tevês (leia post anterior). Não consegui definir - até por que me recuso a ver esse tipo de, digamos, atração - se os tais do American Idol e do Top Chef são comédias pastelão ou apenas baboseiras, mesmo. American Idol (Sony, sábados, às 20 horas), por exemplo, me parece - pelas chamadas que vejo, quando estou distraído e longe do controle remoto - uma espécie de concurso de calouros do Chacrinha piorado. No júri (?), excetuando a exuberância física de Jennifer Lopes, personagens que beiram a melancólico, como Steven Tyler, vocalista do Aerosmith, apresentado, num desses programas satíricos americanos (talvez no Saturday Nighr Live, não posso jurar) como a 'mãe da Jennifer'.
     Ao colocar esses realitys shows no rol do que há de pior na tevê, já ia cometendo um erro imperdoável. Não há nada mais execrável do que o BBB. Se American Idol e Top Chef são idiotices inofensivas, o BBB é um tumor que se alimenta do que há de mais deletério no ser humano.

Uma tradução imperdoável

    Traduzir é muito mais do que apenas ... traduzir. É uma verdadeira arte que, no caso da cultura de massa, torna filmes, séries e programas variados inteligíveis para a maioria dos mortais. Não me coloco entre os costumeiros detratores dos tradutores, aqueles chatos que esmiuçam legendas, comparando-as febrilmente com o áudio, para encontrar descaminhos ou desatinos. Mas há momentos em que eventuais falhas se tornam imperdoáveis, pelo que deixam de oferecer. A tradução da chamada para o programa Saturday Night Live (Sony, aos ... sábados, às 22 horas) - na qual a excelente Tina Fey comenta a presença, no espaço, ao mesmo tempo, de quatro mulheres astronautas - comete um daqueles pecados mortais. Quando Tina lembra que esse fato, hoje, é encarado normalmente, mas que há vinte anos isso só seria imaginável em "porn movies" (filmes pornográficos), na legenda lê-se, apenas, "filmes", reduzindo a zero a graça da observação. Como a chamada ainda está no ar, ainda daria tempo de corrigir, em respeito ao humor inteligente.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O temor de Chavez

    A preocupação do histriônico coronel Hugo Chavez em afastar qualquer possibilidade de a Venezuela ser contaminada pela onda de lutas pela democracia é sintomática. Ele sabe que basta um pequeno estopim para que o descontentamento popular, em especial da classe média, reacenda e detone seu governo. O exemplo do Oriente Médio é devastador. E demonstra que não há reservas de petróleo e controle da comunicação que resistam aos anseios por liberdade. Ditaduras - e a Venezuela vive uma ditadura, não há a menor dúvida - muito mais antigas e consolidadas do que a sua estão sendo minadas em praça pública. As redes sociais vêm superando a propaganda oficial, num processo que parece irreversível e atinge presidentes e reis, independentemente do matiz ideológico. Direita ou esquerda? Bobagem. A luta é por algo mais caro ao homem, sua independência, o direito à informação, ao controverso.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Uma afronta à história

A indicação do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) para presidir a Comissão de Costituição e Justiça da Câmara, ao menos, deve servir para calar os que ainda duvidavam da capacidade de o Partido dos Trabalhadores afrontar a coerência com o já distante passado e agredir as mais simples normas de decência política. O deputado é um dos principais réus do processo do Mensalão, que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Quando da farta distribuição de 'recursos não contabilizados' para comprar apoios e pagar compromissos de campanhas de petistas e aliados, a esposa do deputado foi flagrada em uma agência bancária de Brasília, usada para liberação do dinheiro. Segundo o noticiado, teria sacado R$ 50 mil, diretamente no caixa. Quando interpelado, o ex-presidente da Câmara apresentou algumas versões para o fato (entre elas, a de que sua mulher estaria pagando uma conta de tevê a cabo), todas desmoralizadas. É verdade que o líder petista ainda não foi condenado - o que o coloca na ambígua condição de inocente até que se prove o contrário; ou culpado até que se prove a inocência. As evidências, no entanto, recomendariam um mínimo de recato a ele e a seus pares. Mas isso, talvez, fosse pedir muito.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Vale-tudo político

Outra da série 'quem viu não esquecerá jamais': movido pela mais desenfreada busca de ampliar seu espaço político, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), virtual candidato à Presidência da República nas próximas eleições, fez questão de ser fotografado e filmado aos abraços e risos com ninguém menos do que o deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT-SP), presidente da central Força Sindical, aliado do PT e condenado, recentemente, pela Justiça Federal, a devolver R$ 235,5 mil aos cofres públicos, além de pagar multa de R$ 471 mil por irregularidades na gestão de R$ 40 milhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador para a execução do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador, em 2001. O motivo do encontro festivo - salário mínimo maior do que o proposto pelo Governo - até que era relevante. A promiscuidade, não.

Discurso sobre o nada

Quem viu, vai lembrar. Quem não viu, pode imaginar. O governador do Rio, Sérgio Cabral, que estava desaparecido desde o início do escândalo envolvendo a cúpula da polícia estadual, conseguiu, em uma entrevista compulsória, realizada em São Paulo, ontem, falar alguns minutos e não dizer absolutamente nada. Com a cara reservada a tragédias - expressão compungida, teoricamente séria, tentando passar algum sentimento, qualquer um -, repetiu, de formas diferentes, o mesmo discurso sobre o nada, mas com o cuidado de dividir as palavras e criar momentos de silêncio. Mais ou menos como se afirmasse, com convicção, como se estivesse revelando os segredos de Fátima: "Hoje é quarta-feira. É, hoje é quarta-feira. Quarta-feira, é hoje!". Segue, assim, a escola criada, desenvolvida e aprimorada por seu guru, o ex-presidente, capaz de esbravejar as maiores bobagens com a seriedade própria dos canastrões.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O futuro passa pelos quartéis

    A euforia com a eventual expansão do movimento popular que redundou na derrubada do ditador Hosni Mubarak (82 anos, há 30 no poder), ao que parece, refluiu no Irã - um dos países mais fechados do mundo, ao lado da Coreia do Norte, a campeã do arbítrio; China; e Cuba - e um dos primeiros a comemorar o que poderia ser o início do rompimento do Egito com Israel e Estados Unidos. Tudo por que a onda de liberdade que avança pelo Oriente Médio tem potencial para arrasar, além de outras ditaduras, também, com o regime imposto pelos aiatolás, responsáveis diretos pela transformação do país em um dos maiores exportadores de violência e intolerância do mundo. O Irã, de origem persa, sabe que é apenas tolerado pelos vizinhos árabes mais próximos, Arábia Saudita em especial, temerosos de um surto expansionista.
    Quanto ao futuro imediato do Egito, tudo indica que vai depender, como acontece há décadas, do respaldo dado pelos militares, que assumiram diretamente o poder nessa fase de transição. Os primeiros sinais dos governantes provisórios aliviaram, em parte, a tensão. Uma mudança radical de posição do Egito, que certamente levaria com ele a quase totalidade do mundo árabe, parece estar descartada. Aos poucos, o país volta à rotina, mas sem abandonar a vigilância, garantem os novos líderes nacionais. O caminho, sugerem os fatos mais recentes, vai levar a eleições livres e à volta da democracia, sem resvalar na perigosa aventura do fundamentalismo islâmico que caracteriza o Irã.

A vitória da impunidade

    Nossos jornais têm minimizado o problema provocado pela violência ensandecida das torcidas (até mesmo para que os vândalos não se sintam estimulados, pela divulgação), mas ele persiste e, a cada ano, assume novas proporções. Aqui no Rio, não há um jogo entre os grandes clubes que não resulte em lutas, ferimentos graves, baderna e agressão aos patrimônios público e privado. Em São Paulo, além de todos esses componentes, a imbecilidade das torcidas vem sendo direcionada, também, contra dirigentes e atletas. A atitude covarde de um grupo de corintianos, após a eliminação da Libertadores, foi emblemática e antecipou a saída de dois ex-campeões do mundo, Roberto Carlos - para a Rússia - e Ronaldo, para a aposentadoria. Mas não foi um fato isolado, nem exclusivo dos torcedores do time do Parque São Jorge. No domingo, vândalos travestidos de torcedores da Portuguesa de Desportos tentaram agredir jogadores, após a derrota (3 a 2) para o ... São Paulo. É isso mesmo: os 'torcedores' não admitiram perder para um dos grandes clubes brasileiro. E o que é mais grave: conselheiros do clube, com a conivência de seguranças, entraram no vestiário e investiram contra o meia Héverton, por ironia, o autor dos dois gols. Todos - corintianos e lusos - estão soltos e prontos para perpetrar novas barbaridades, alimentados pela certeza da impunidade.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A derrota da paixão

A lamentar, na decisão de Ronaldo de encerrar a carreira, apenas, o elemento deflagrador. Abatido por problemas físicos resultantes de duas cirurgias, completamente fora do peso e acuado, o artilheiro decidiu parar, aos 34 anos. É verdade que já não correspondia em campo. Mas o comportamento da torcida do Coríntians após a eliminação da Libertadores - que acelerou a ida de Roberto Carlos para o futebol russo - , foi criminoso, literalmente. O ataque ao ônibus dos jogadores, as ameaças à integridade física de alguns e o vandalismo generalizado são atos inconcebíveis. E que não podem passar impunes. Paixão é algo eventualmente saudável - e o futebol não sobrevive sem ela. A imbecilidade é repugnante.

Goleadas e danças

De uma hora para outra, o mundo ficou ainda mais longe de Pedra de Guaratiba. Por razões insondáveis - pelo menos para mim -, na madrugada de domingo, o Windows desapareceu do meu computador, que se recusava a realizar qualquer ação. E tome de 'Ctrl Alt Del'. Nada. O domingo passou em branco. E o exílio continuaria ainda hoje se não fosse a atuação de um desses personagens que esbarram conosco na vida. Com a calma que eu jamais tive, um jovem vizinho assumiu o controle da minha mesa e conseguiu que a luz resurgisse no meu monitor. E, com ela, todos os demais atalhos e a possibilidade de escrever, ainda que com atraso, sobre o fim de semana esportivo.
Os 9 a 0 do Vasco sobre o combalido América ainda estão bem vivos, principalmente pelo que essa 'alegoria' pode representar para o futuro imediato do clube de São Januário, abatido por um início de ano desastroso, daquele tipo que o torcedor quer esquecer. O adversário - uma das mais frágeis equipes da história do campeão carioca de 1960 - resistiu muito pouco, é verdade. Mas a ótima apresentação de alguns jogadores - como os laterais Fágner e Ramon; o zagueiro Dedé (mais uma vez); o armador Jéferson e o atacante Éder Luís - renovou as esperanças de um comportamento digno, daqui para a frente.
A outra goleada para não ser esquecida foi proporcionada pela Seleção Brasileira, sobre o Uruguai, no Sul-America do Peru. Nos 6 a 0, a constatação: nem só de Neymar depende o futuro do futebol brasileiro. O sãopaulino Lucas apresentou mais um belo recital de jogadas e lances objetivos. De negativo - ao menos para mim -, apenas aquelas dancinhas idiotas, que nada têm de naturais. É só olhar a comemoração de Rooney, o da vitória do Manchester United sobre o outro Manchester da cidade, depois de ter cometido um dos gols mais bonitos do futebol este ano.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sobre imperadores e príncipes

Já que estamos falado de história (leia o post abaixo), vou tomar a liberdade de reforçar algumas sugestões de leitura, para quem aprecia um texto inteligente, instigante e esclarecedor. Os dois livros do jornalista Laurentino Gomes - 1808 e 1822, ambos da Nova Fronteira, conseguem transformar em emoção algo que eventualmente poderia nos parecer insosso. Ambos são decisivos para o entender o processo que nos transformou na nação que somos hoje. E, para não perder o embalo, mais uma dica: O príncipe maldito, da historiadora Mary del Priore (Objetiva, 2006), que conta a saga de Pedro Alcântara Augusto Luís Maria Miguel Rafael Gonzaga de Bragança, neto 'favorito' de D Pedro II, filho da princesa Leopoldina, sobrinho da princesa Isabel. Alguém que esteve bem perto de ter se tornado nosso terceiro imperador.

A história da história

Recebi um desafio – ele chamou de repto – de um amigo de sempre, desde os bancos escolares da Escola Primária Evangelina Duarte Baptista, no subúrbio de Marechal Hermes, nos idos da segunda metade dos anos 50. Paulo Sérgio Moreira de Carvalho, coronel da reserva, da Artilharia - um dos oficiais mais brilhantes que passaram pelo Exército nos últimos anos -, divide comigo, além da paixão pelo Vasco,  a ojeriza à demagogia. Fala, Paulo:
“Estou terminando de ler um livro intitulado Guia politicamente incorreto da História do Brasil", de Leandro Narloch, um jovem jornalista que foi repórter da revista Veja e editor das revistas Superinteressante e Aventuras na História. O livro, que vem fazendo grande sucesso, trata de desmistificar a historiografia "politicamente correta", profundamente enraizada no meio escolar e resultante, quase sempre, de uma manipulação com fins ideológicos. O objetivo do autor, como ele próprio diz, é chocar e enfurecer com suas pesquisas históricas irritantes e desagradáveis, derrubando alguns desses mitos tomados hoje como verdades inquestionáveis. A verdade que emerge das pesquisas sérias mostra-se bem outra. Zumbi, por exemplo, tinha também seus escravos no quilombo dos Palmares, capturados em fazendas da região. Os escravos que vieram para o Brasil eram vendidos aos portugueses pelos próprios negros africanos, que tinham também os seus escravos. A Guerra do Paraguai - ou, como é politicamente correto chamar, "Guerra da Tríplice Aliança" - não foi um ato de agressão imperialista do Brasil, insuflado pela Inglaterra, contra uma potência emergente, mas resultou de um arroubo de grandeza, um erro de cálculo de um ditador vaidoso, cruel, louco e equivocado, de um país miserável. O Paraguai foi o agressor, não a vítima. Essas e outras ‘verdades’ que compõem essa história oficial revisada são mostradas no tal livro, que presta assim um inestimável serviço. Entendo que a cristalização dessas versões deturpadas da História - tomadas como inquestionáveis - propicie e justifique a adoção de políticas públicas equivocadas e interesseiras. Eis aí um repto que lanço: fale desse assunto em seu blog. Seja mais um a desmascarar essa falsa História impingida aos nossos netos nas escolas”. Desafio aceito.

Na esteira de Mubarak

Para todos os que acreditam na democracia, que lutaram por ela de alguma forma, como eu e grande parte da minha geração, a queda de um ditador sempre deve ser festejada, seja ele de direita, esquerda, azul, vermelho ou rosa. Mubarak já sai tarde, derrotado pela determinação do povo egípcio. A solução intermediária apresentada – os militares seriam os gestores da transição – talvez seja a possível no momento, mas não é, certamente, a desejada. Hosni Mubarak, é preciso não esquecer, era coronel quando assumiu o poder. Aliás, tradicionalmente, o poder no Egito vem sendo exercido por militares, mais ou menos sintonizados com os anseios da população. Que a ele, Mubarak, se juntem, em breve, ditadores carcomidos, como os irmãos cubanos, ou  simplesmente ridículos (embora perigosos), como o coronelzinho venezuelano, que ficam aqui, bem perto do nosso quintal.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A herança bendita

Já era esperado. Faltava, apenas, a oportunidade. E ela veio ontem, quando o PT festejou seus 31 anos. Já integrado de fato, e há algum tempo, ao grupo que vem comandando o país, o ex-ministro José Dirceu aproveitou a festividade – ao lado da atual presidente e do ex - para formalizar seu desejo – e desejo de Dirceu é praticamente uma ordem - de ser reabilitado, de direito. O Mensalão (esquema espúrio que usava dinheiro público para comprar o voto de parlamentares, no primeiro governo Lula), garante o PT, não existiu. É uma invenção da mídia reacionária, aliada à direita perversa. Era, no máximo, um caixa 2, com recursos não contabilizados. Nada demais. Uma prática consolidada na história brasileira. “Todo mudo fez”, bradam os desmoralizados arautos da decência política. A mulher do deputado João Paulo Cunha também não foi a um banco, em Brasília, pegar seus caraminguás, como mostra um vídeo de segurança apresentado na época. Foi pagar o telefone, quitar a conta da tevê a cabo etc etc. E os R$ 50 mil recebidos por ela? Sei lá ... Alguma herança bendita. A aposta, mais uma vez, é na enorme capacidade de esquecimento da população brasileira e na manipulação dos fatos, facilitadas pela distância no tempo.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Um petardo nos ouvidos


Eu estava com as melhores das intenções. Sentei na saleta de tevê e mudei de canal, para ver o Fluminense, exatamente - que azar! - na hora em que um locutor lembrava que o tricolor “teve” muito perto de conquistar a Libertadores. Não resisti ao petardo. Temendo ser atingido por novas conjugações de um improvável e onipresente verbo ‘tar’, mudei, na hora, para Desperate Housewives (Sony, quartas-feiras, às 22 horas). Nos intervalos da novelona, voltava ao jogo, mas com o cuidado de manter a tecla mute acionada. Nessas idas e vindas, vi que o time de Murici deu sorte, quando o juiz não confirmou um gol dos argentinos (para mim, a bola ultrapassou totalmente a. linha), mas não merecia perder. É melhor – um dos melhores do país, seguramente - e tem mais banco. Só não pode se dar ao luxo de levar dois gols de cabeça, da forma que levou.

Cobrança expressa


 Já que enveredamos pelo caminho das cobranças abusivas (veja postagem abaixo), não posso deixar de me referir ao acintoso pedágio da Linha Amarela, contra o qual não vejo movimentação na nossa Câmara, repleta de ‘combativos’ vereadores. A obra, fundamental para a movimentação da cidade, já se pagou há muito tempo. E mesmo que não estivesse paga. Melhorar as condições da circulação nas cidades é uma obrigação dos governos, no caso, da Prefeitura. É para isso que pagamos impostos. O valor cobrado para um deslocamento de poucos metros – de um bairro a outro - é absurdo, num evidente cerceamento da liberdade de ir e vir. O argumento de que a passagem pela via expressa é opcional é, no mínimo, indecoroso. Nas rodovias que cruzam os estados, interligando municípios, a cobrança de pedágio tem lá suas justificativas. No meio de uma cidade engarrafada, confusa e extremamente populosa, não. Que seus defensores tentem ir de Jacarepaguá para Piedade, por exemplo, pelos caminhos alternativos. Na verdade, o pedágio da Linha Amarela – na maior parte do dia, o caminho mais rápido entre dois engarrafamentos – é um grande negócio para a Prefeitura e, em especial, para o consórcio que a administra (a contrapartida é feita com base em números subestimados). Dinheiro vivo, na hora, sem conferência, como no jogo do bicho e ainda é – em parte - nos ônibus. Do bolso do consumidor para o cofre, sem intermediários (?). 

Flanelinhas de casaca


A luta contra os preços abusivos cobrados pelos estacionamentos dos shoppings é absolutamente justa e deveria ser encampada pela população em geral. Não há justificativa para os valores que estão sendo praticados, especialmente porque não houve qualquer justificativa para sua adoção – investimentos em conforto e segurança dos clientes, por exemplo. Sem esquecer que os shoppings, sem os clientes, perdem a sua razão de ser. Os estacionamentos, antes de representarem comodidade para compradores, são a garantia de que haverá consumidores.
Ninguém contestaria a existência de uma taxa básica, voltada para a manutenção da área. Um preço justo, que obedecesse às normas, tendo por base o valor cobrado pela Prefeitura, nas suas áreas. É só. O que está sendo praticado no Rio se aproxima muito do que poderíamos chamar de extorsão, não muito diferente do que é feito pelos famigerados flanelinhas.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Crescer é preciso


Há, pelo menos, duas perguntas que, acredito, devem ser respondidas sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, antes que sejam tomadas posições, quase sempre emocionais. Vamos a elas:
- O país precisa aumentar sua capacidade de geração de energia, para garantir que não haja interrupção no seu crescimento?
- Quais as opções, reais, às hidrelétricas?
Não há a menor dúvida – e os recentes e repetidos apagões estão aí para provar – que o crescimento sustentado está atrelado inexoravelmente à capacidade de geração de energia. A grande questão é dimensionar o preço justo a pagar por esse crescimento. A natureza intocada é uma proposta utópica. Toda atividade humana - seja ela qual for - gera agressões ao ambiente, maiores ou menores, mais importantes ou pouco significativas.
O problema não está na construção de Belo Monte, mas nas medidas paralelas, que assegurem o menor grau de agressão possível, entre elas a garantia de que não surgirá, na região, mais uma enorme favela-cidade, povoada pelas legiões que serão atraídas pela obra.
Como crítico rigoroso dos governos passado e atual, fico bem à vontade para dar um crédito de confiança, em especial aos responsáveis pela área ambiental. Os exemplos anteriores, de projetos semelhantes, estão aí, bem vivos, para mostrar o que não deve ser feito.
 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Dia dos Cegos

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Crime e castigo


A Suécia, de um momento para outro, deixou de ser uma referência de civilização para ser olhada com desconfiança. De país extremamente liberal e modelar, passou a ser apontado como uma espécie de ‘nação-laranja’ dos Estados Unidos. “Se Daniel Assange for extraditado (o pedido de extradição está sendo julgado em Londres), corre o risco de não ter um julgamento justo ou ser mandado para os EUA”, apregoam defensores do fundador do site WikiLeaks, com o beneplácito de parte de uma imprensa que se diz progressista. O tal julgamento – citado de passagem, muitas vezes – não tem a menor relação com o vazamento de informações secretas da diplomacia americana. Assange é acusado, na Suécia, de crimes sexuais, por duas mulheres de sua própria equipe, em tese, acima de qualquer suspeita. A acusação: ter forçado a realização de sexo sem proteção. A não ser que fossem espiãs plantadas pelos demônios americanos, com o objetivo de desmoralizar o chefe, as duas merecem a reparação que é exigida em casos similares, em qualquer parte do mundo. O resto é proselitismo.

Não haverá desfile na Serra Fluminense


São fatos diferentes, cada um com sua dramaticidade, com suas consequências, seus reflexos no dia-a-dia, na economia. Mas, convenhamos, carnaval é carnaval. Como diz a marchinha antiga, “são três dias de folia e brincadeiras”. Não há – felizmente - vítimas a lamentar no incêndio na Cidade do Samba. O prejuízo financeiro foi grande, é verdade. A qualidade do desfile já está irremediavelmente comprometida. Mas outros desfiles virão, dando chances ao brilho de Grande Rio, Portela e Ilha do Governador.
Na Serra Fluminense, não. A chance que se adivinha é a de novos desastres. Hoje quase um mês passado da tragédia, foram contabilizadas 880 mortes e ainda  há algo em torno de 400 pessoas ‘desaparecidas’. É isso mesmo: 400 pessoas desaparecidas, presumivelmente soterradas, presas em fundos de rios. Imaginemos, por um momento, o sofrimento dos que não têm certeza sobre o que aconteceu, de fato, com pais, irmãos, filhos, maridos, mulheres e amigos. A vida é dinâmica, sabemos – e precisa ser assim, para que consigamos vivê-la -, mas a memória pública, em especial, a cada dia se torna mais curta.

À luz dos holofotes


Lula, O Incorrigível, chutou as canelas das centrais sindicais, que lutam para aumentar o valor do salário mínimo. Segundo ele, os companheiros  sindicalistas estariam sendo irresponsáveis, por não respeitarem acordos anteriores etc etc. Levou um ‘chega pra lá’ ainda respeitoso, mas bem parecido com o pito passado pelo rei Juan Carlos em Hugo Chavez, O falastrão. Duas ou três bobagens em apenas um dia sob os holofotes. A média ainda é pequena, se comparada aos dias de glória. O grande problema é que outras virão, com certeza.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O rei das 'boutades'


Na Folha, a notícia sobre a última (?) bobagem dita pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo Bernardo Mello Franco - enviado especial a Dacar, para a cobertura do Fórum Social Mundial -, Lula, O Incorrigível, autor da teoria sobre as vantagens que a Terra teria se fosse plana, teria dito à secretária-geral do Partido Socialista francês, Martine Aubry, candidata nas próximas eleições, que gostaria de ver uma mulher na presidência da França. Saudoso do tempo em que cometia impropriedades diárias, nem lembrou que o atual presidente francês, Nicolas Sarkozy, é candidato à reeleição. Ou, se lembrou, optou pela frase fácil e sem a menor relevância. Ainda não percebeu que não está mais cercado pelo bando que gargalhava e aplaudia cada uma de suas ‘boutades’.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A caminhada dos caranguejos

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, como se fosse um mero espectador - e não o atual ator principal dessa comédia-desastre que é a saúde pública brasileira -, advertiu, no Rio, para a expectativa de um novo surto de dengue no país, durante uma inócua caminhada ‘contra a doença’ (como se alguém pudesse ser a favor!). No município, o número de ocorrências, em 2011, já é 60% maior do que no ano passado. Advertiu e continuou em frente, talvez para aproveitar o sol de verão nas praias da Zona Sul.  No seu – dele – caso, já não dá para simplesmente culpar governos anteriores (municipal, estadual e federal) por uma eventual herança maldita. Estão todos juntos, no mesmo saco, há muitos e muitos anos.

O talo de mamão


Deixei de ir aos estádios, apesar da minha paixão pelo futebol. A distância – talvez o único grande defeito da ainda bucólica  Pedra de Guaratiba – de São Januário e do Engenhão, em tempos de Maracanã fechado, e a comodidade dos pacotes oferecidos pelas tevês pagas certamente são as maiores responsáveis por essa rendição ao futebol sem o calor da torcida. Mas não são as únicas.
A violência quase incontrolável de grupos de baderneiros vem me assustando há algum tempo.Uma violência que extrapola os arredores dos estádios, congestiona ruas e invade até mesmo shoppings. Usar a camisa de clube, dependendo das circunstâncias, pode ser fatal – aliás, vem sendo, com uma regularidade assustadora. Os que um dia foram adversários, hoje são inimigos em uma guerra insana. Bons tempos em que eu, ainda jovem, vibrava com os – digamos – acordes emitidos pelo talo de mamão empunhado pelo vascaíno Ramalho, um dos torcedores que simbolizaram uma época mais risonha e franca.

Um chute certeiro


Em todos os sites, jornais e tevês, um dos assuntos dominantes do domingo é a luta realizada ontem à noite, entre dois brasileiros, pelo cinturão mundial da categoria médio do UFC. Pelo que se lê, o lutador Anderson Silva arrasou o adversário, Vítor Belfort, ainda no primeiro round, com um “chute certeiro no rosto”.
Confesso que passei longe do canal que transmitiu o combate, até mesmo para preservar minha integridade física e mental. Nada contra os lutadores, que ganham a vida com a dignidade e as armas que a vida lhes proporcionou. O mal está na essência do espetáculo em si, na busca pela destruição física do oponente; na extrema violência glamurizada; nos irremediáveis riscos à saúde num futuro não muito distante.
Sempre que vejo o destaque dado a esse tipo de espetáculo lembro de uma posição corajosa assumida pela editoria de Esportes do velho Jornal do Brasil, nos idos de 1982/1983. Depois da terceira morte seguida de lutadores de boxe, o excelente João Areosa, nosso editor de então (morto prematuramente há pouco tempo), ainda festejando o Prêmio Esso que acabáramos de receber, pelo trabalho no Mundial da Espanha, baniu a cobertura do ‘esporte dos reis’ das nossas páginas. “Só vamos noticiar as mortes, para mostrar que violência não é esporte”, decretou, ele mesmo um doce praticante de artes marciais. E estávamos lidando com o boxe, que permite ‘apenas’ socos, e com as mãos guarnecidas por luvas.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Uma mistura explosiva


Explosão de gasoduto, tentativa de assassinato do vice-presidente, invasão de museus, destruição de peças do acervo histórico, roubo. O movimento oposicionista egípcio, como um todo, não parece ser tão pacífico quanto apregoa o noticiário. E o que é pior. Esses atos, misto de terrorismo e vandalismo, prejudicam claramente a saudável e amplamente apoiada luta por mudanças que devolvam a liberdade ao país. E certamente não contam com a aprovação do povo egípcio.

Artes do jornalismo


Fazer jornalismo também é exercer, com arte, o dom de manipular, sem mentir. Um exemplo emblemático dessa técnica foi apresentado ontem, no fim da noite, no Jornal da Globo News. Para avaliar as causas do recente apagão – mais um - que atingiu e paralisou o Nordeste, tema da reportagem principal, o jornal convidou quatro especialistas no assunto. Três deles condenaram ampla (sem trocadilhos) e claramente o governo. No título da matéria (na parte inferior do vídeo), no entanto, lia-se que especialistas “discordavam” quanto à responsabilidade pelo acidente. Mentira? Não. Afinal, houve uma voz discordante, em quatro. Transformando essa relação em percentual, teríamos 75% condenando e 25% absolvendo. No ‘placar’ da Globo News, no entanto, houve um empate técnico.    

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Um tal de verbo 'tar'

Para encerrar, por hoje, vou tocar num tema que mexe comigo há algum tempo: o desrespeito à língua portuguesa, especialmente na televisão, mas que está se espalhando por outras - digamos - mídias. Confesso que não consigo mais ouvir conjugarem o tal do verbo ‘tar’. E não estou falando do uso indiscriminado do ‘tá’, forma sintetizada (não é bem o conceito de apócope) de ‘está’. Eu me refiro aos absurdos ‘teja’ (no lugar de esteja, e com sentido de TER); ‘tiveram’ (substituindo estiveram) e assemelhados. Sem falar na praga do “pra mim” fazer, comer ou outra ação qualquer, como se 'mim' fizesse alguma coisa.

Humor inteligente na TV

Não me proponho a ser o que poderíamos chamar de um especialista em séries de televisão. Mas acompanho algumas, duas ou três com muito prazer. Entre essas últimas, destaque para ‘30 Rock’, da badalada Tina Fey, uma das responsáveis pelo sucesso de Saturday Night Live, programa que jamais me conquistou. A série, transmitida pela Sony (reprises diárias e novos episódios às quintas-feiras, às 22 horas), retrata o dia-a-dia da produção de um programa fictício da NBC, o TGS with Tracy Jordan, chefiado pela quarentona Liz Lemon (Tina), viciada em trabalho. A série é tão boa que se dá ao luxo de reunir, no mesmo elenco, os excelentes Tracy Morgan, Alec Baldwin e Jane Krakowski. Vale conferir. Humor inteligente. Coisa rara por aqui.

Lembranças que puxam lembranças

Marco, boa noite.
 " Parabéns pelo blog. Vá em frente com os posts, que estão ótimos.
Em relação ao seu histórico profissional, quando comentou a tragédia do elevado da Paulo de Frontin, posso dizer que também marcou-me muito, pois estava em um ônibus (o 238) logo atrás do acidentado (o 415). Vi tudo na hora e quando dei por mim estava sob o elevado, ao lado do ônibus acidentado, com parte do elevado esmagando sua estrutura.
Quanto ao episódio do trem da Central do Brasil eu presumo, salvo engano da memória a esta altura com muito zoom out no tempo, que devia tratar-se do 23 (direto) porque o parador tinha "apenas" 6 vagões."
Abraços. Gilberto Fialho.

Razão e emoção

Não posso me furtar a falar sobre o jogo de ontem à noite, do Vasco, com o Volta Redonda, em São Januário. O resultado (0 a 0), muito ruim, talvez tenha sido o menos importante. Houve, sim, uma mudança de comportamento. Os jogadores, embora visivelmente pressionados pelo péssimo retrospecto, em momento algum deixaram de tentar a vitória, de tentar mostrar aos torcedores que eles também estão incomodados com a situação. A reação do jovem lateral-esquerdo Ramon, ao ser substituído por Márcio Careca, logo após ter cometido um erro de marcação, foi sintomática. Ele, que brigou com o Internacional para ficar no Vasco e que era, há pouco tempo, um das referências da equipe, assumiu a falha, o mau momento e pediu desculpas à torcida, tocando o coração. Emoção, apenas, não ganha jogos. Mas pode ser o combustível que falta para um recomeço (com Carlos Alberto na equipe, espero), agora sob o comando do técnico Ricardo Gomes.

O enigma egípcio: democracia ou obscurantismo


Toda reação a ditadores faz bem e não engorda. Logo, a deposição do presidente do Egito, Hosni Mubarak, há 30 anos no poder, tende a ser boa para a população. A indefinição fica por conta dos eventuais sucessores. Um possível governo movido pelo ódio a Israel, em especial, que venha a se alinhar com o Irã, pode ser ainda mais danoso ao mundo. Hoje, os jornais já destacam o discurso do líder maior do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, congratulando-se com os povos egípcio e tunisiano (a revolução muçulmana explodiu com mais força na Tunísia, derrubando o governo há alguns dias) pelo que classificou de  “movimento islâmico de libertação”. Khamenei pregou, ainda, a união contra o Ocidente, o que nos incluiria nessa cruzada obscurantista.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre ídolos e paixões

Roberto, o grande ídolo de várias gerações de torcedores (Flávia, minha filha mais velha - e  mais vascaína do que Fabiana, a irmã mais nova -, aos dois anos, gritava gols de Roberto pela casa), parece não ter compreendido a importância da missão que recebeu ao ser eleito presidente do Vasco. Missão muito mais delicada e importante do que os  títulos e mais de 700 gols que comemorou com a ‘nossa’ camisa.
Sua eleição representou não apenas a vitória de um grupo de oposição. Mas a possibilidade de recuperar a imagem e a dignidade do clube com a mais bela história do futebol brasileiro, abaladas  por desencontros e descaminhos.
E tinha – talvez ainda tenha, espero – tudo para isso, graças, principalmente, às duas décadas exemplares como atleta e símbolo do clube. A ele foi perdoado, até, o impensável rebaixamento à segunda divisão, creditado à diretoria anterior, que teria dilapidado, literalmente, o patrimônio de São Januário.
A volta à elite – na verdade, uma obrigação –, alimentada pela paixão da torcida, mostrou que havia potencial para a esperada e determinante retomada de rumo, para o chamamento aos torcedores-símbolos, aproveitando, inclusive, o fato de o governador do Estado e o prefeito do Rio alinharem-se entre apaixonados pelo clube.
O momento passou, e Roberto não viu. A coalizão que ajudou a elegê-lo dissipou-se. Muitos saíram acusando, denunciando. Os que apenas esperavam a oportunidade de participar de um projeto maior, desprovidos de vaidades e interesses pessoais, se recolheram. O ano passado foi medíocre. Cada vez mais isolado, Roberto começou 2011 da pior maneira possível, dando mais gás à crise que já estava inflada ao máximo.
A discussão com Carlos Alberto não tem desculpas. Um presidente, especialmente um que já viveu momentos difíceis em campo, não vai ao vestiário da equipe cobrar resultados logo após mais uma derrota desmoralizante. Para isso existem os executivos profissionais. A demissão do técnico, poucas horas depois de ter sido garantido no cargo, e o pacote de recusas de eventuais substitutos, um deles anunciado como certo, beiraram o pastelão.
Roberto, pela história como atleta, não merecia ter dado esse tiro no pé. O Vasco, pelos quase 113 anos de conquistas, muito menos.

Do OJ ao JB


Meu desafio é ser absolutamente fiel aos conceitos que venho carregando comigo há seis décadas, quatro delas dedicadas a transformar em textos o momento que estava vivendo em três grandes redações cariocas: na do extinto e praticamente esquecido ‘O Jornal’, à época (final dos anos 1960 e começo dos anos 70), ainda o “órgão líder dos Diários Associados”; na brilhante redação do ‘O Globo’ dos anos 1970; e no sexto andar do prédio da Avenida Brasil, onde vibrava e fazia história o recém-sepultado ‘Jornal do Brasil’.
Vem do período romântico de jovem repórter do O Jornal a primeira sensação real de estar construindo alguma coisa até certo ponto transcendental, ao  penetrar – mesmo que por breves minutos – na vida de uma pessoa absolutamente estranha. Foi num trem da Central do Brasil,  a caminho de casa, no distante subúrbio de Marechal Hermes.
Ao meu lado, em um dos bancos de madeira do penúltimo dos nove vagões da composição destinada a Deodoro (não lembro se era o 13, parador, ou o 23, direto), alguém mergulhava num texto produzido por mim. Um texto simples, banal, mas que, naquele momento, ajudava alguém a discutir consigo mesmo um fato do seu dia-a-dia, da sua cidade.   
Esse espaço que estou inaugurando, estimulado por parentes, amigos e – não seria justo omitir – pela pretensão de ter idéias que mereçam ser debatidas, se dispõe a oferecer não apenas a oportunidade de apresentar textos para um consumo à distância, unilateral, de via única, mas um lugar ao meu lado.  Desta vez, com direito ao mais saudável dos exercícios democráticos: o debate.