segunda-feira, 30 de abril de 2012

A farra do governador

     As novas imagens postadas pelo deputado federal Anthony Garotinho, no seu blog, certamente aumentaram o 'desconforto' do governador Sérgio Cabral. Elas exibem o governador participando de um show do U2, em Paris, na pista, ao lado do empresário Fernando Cavendish e de secretários de estado. Cenas de enlevo, exibindo os casais (todos estavam acompanhados por suas mulheres) dançando, namorando.
     Essas imagens compõem a terceira leva de publicações. Antes, já tínhamos sido brindados com fotos ridículas e cenas deploráveis de um jantar. Não teríamos nada com isso se não fosse por um 'pequeno' detalhe: Cabral, segundo o próprio Palácio Guanabara, estava viajando em "missão oficial à França". Isso quer dizer que suas despesas e a de seus acompanhantes estariam sendo pagas pelo contribuinte, o que seria desastroso; ou pelo então presidente da construtora Delta. Nos dois casos, em qualquer lugar do mundo, o governador estaria seriamente ameaçado de perder o cargo.
     A estreita relação com o empresário, por si só, já é motivo de suspeição. A participação da Delta nas obras realizadas no Rio de Janeiro, ficamos sabendo todos, cresceu escandalosamente durante o governo de Sérgio Cabral. O mesmo aconteceu em relação às obras do tal PAC. A marca da empresa está espalhada pelas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. E em todos os lugares seus contratos estão cercados de desconfiança, denúncias de sobrepreços, propinas, financiamento de campanhas.
     Não importa que as cenas tenham sido divulgadas por um inimigo do governador e que existam intenções eleitoreiras por trás das denúncias. Mesmo quando partem de criminosos, delações - se sólidas -, têm peso e importância inquestionáveis. O governador terá que enfrentar as suspeitas que recaem sobre ele, em algum momento.

     (*) Uma questão vem me incomodando: quem terá 'vazado' as tais imagens? Só pode ser alguém com acesso aos envolvidos. Alguém que esteja se sentindo traído, abandonado. Alguém que esteja lembrando que tem muito a revelar, não apenas cenas de uma farra inescrupulosa.

PDT volta ao ninho

     A notícia dentro da notícia: o presidente do PDT, Carlos Lupi, passou uma hora e meia sentado ao lado da presidente Dilma Rousseff, hoje pela manhã, tratando da indicação do deputado federal Brizola Neto (PDT-RJ) para o cargo de ministro do Trabalho. É isso mesmo. Aquele ex-ministro que desafiou a presidente, fez declarações de amor e acabou demitido, soterrado por denúncias de todos os calibres, continua tendo livre acesso ao Palácio do Planalto e merecendo - como nos conta O Globo, os "agradecimentos" por sua passagem desastrosa pela pasta.
     Essa promiscuidade, para mim, é muito mais importante do que a notícia da escolha do novo ministro, um agrado ao PDT, que domina esse feudo. Com essa escolha, o Governo consegue apaziguar parte de sua 'base ideológica' e, ao mesmo tempo, garantir mais alguns minutos de tevê, nas composições para escolha dos novos prefeitos, em outubro.
     "Isso é política, estúpido", poderia alguém dizer, parodiando frase célebre do ex-presiddnte americano Richard Nixon, ao referir-se à importância da economia no quadro político. Eu sei, é claro. Nunca duvidei. A turma que está no poder é que afirmava o contrário, ao desfilar a fantasia de moralidade que vem sendo rasgada diariamente a partir da revelação do Mensalão do Governo Lula, o maior escândalo da nossa história republicana.
     Brizola Neto vinha sendo apontado desde a crise que envolveu o Ministério do Trabalho, mas as reações ao seu nome - dentro do próprio PDT - postergaram a nomeação. A pasta vinha sendo dirigida por um interino, Paulo Roberto Pinto, que não era considerado como da cota do partido. Para evitar confrontos futuros, em votações no Congresso e na própria CPMI que apura o envolvimento de políticos em geral com o contraventor Carlinhos Cachoeira, o Governo decidiu pela mudança, garantindo apoio.
     É assim que anda o Brasil. O resto é a mais simples vigarice publicitária.

domingo, 29 de abril de 2012

Os palavrões do Cunha

     Plagiando a receita de alguns vendedores para sensibilizar seus clientes: eu poderia estar escrevendo, agora, sobre esses personagens deletérios que infestam a vida pública nos governos, legislativos e empresas. Há sempre 'inspiração' para um número infindável de textos. Mas vou dar um descanso ao meu fígado e lembrar uma passagem inesquecível do meu dia a dia com meus vizinhos e parceiros de sueca da carvoaria que funcionava na rua onde eu morava, a Capitão Rubens, em Marechal Hermesm, naqueles idos do início dos anos 1960.
     Aprendi os segredos desse jogo com eles, observando, primeiro. Depois, dividindo a mesa e bancos improvisados com caixotes de madeira, quase sempre à sombra de um enorme ficus que ficava na calçada oposta, justamente em frente ao 'conjunto comercial' da nossa quadra: a padaria, a loja de instrumentos musicais e a carvoaria.
     Era ali que normalmente nos reuníamos para conversas fiadas, discutir futebol e jogar cartas. A sueca exige duas duplas e parceiros que entendam as 'mensagens' trocadas durante cada 'mão'. Dois contra dois. Permanecia na mesa a dupla que conseguisse vencer quatro mãos. Não havia apostas - nunca houve. Apenas a alegria de vencer, de dar uma 'bandeira' (conseguir todos os 120 pontos em jogo e todas as cartas); uma 'cara de gato' (quatro a zero).
     Zulmiro e Zeca, os donos da carvoaria, só conseguiam jogar aos domingos, único dia de relativa folga, ou quando chovia e o movimento caía a zero. Nos temporais, usávamos a proteção da cobertura dos galões de querosene, também vendido ali. Dona Maria, mulher de Zulmiro, praguejava de longe, sempre que via o marido "a folgar", torcendo para um freguês chegar e interromper a jogatina.
     Antônio Vassoureiro, irmão de Dona Maria, era figura constante, pois só apregoava seus produtos, de bicicleta, na parte da manhã. Já 'Seu' Antônio garrafeiro não tinha folga, exceto aos domingos. Carregava sacos e sacos de garrafas e jornais velhos das sete da manhã às cinco da tarde. Cunha - sócio de um caminhão - limitava-se a olhar, enquanto esperava a chegada de 'Zé Pequeno', seu companheiro, enorme, quase dois metros, que morava um pouco distante, anunciada por uma buzinada.
     Em uma tarde de janeiro (férias escolares), eu e mais dois amantes do jogo disseminado por portugueses preparamos os caixotes e ficamos na expectativa de mais um jogador, para completar os quatro necessários. Cunha estava por ali, ao nosso lado, mas não aceitou o convite. Ele sabia que Zé Pequeno poderia chegar a qualquer momento, embora ainda faltasse algum tempo para a hora combinada entre eles.
     Tanto insistimos que ele resolveu sentar para completar a mesa, com evidente alegria. Definimos as duplas (por sorteio, como sempre) e coube a mim sortear o trunfo e distribuir as cartas, dez para cada um. Cunha pegou seu bolo de cartas e estava se preparando para abrir quando Zé Pequeno dobrou a esquina, mão na buzina. Acabara de almoçar mais cedo e resolveu antecipar a saída em algo em torno de 15 minutos.
     A reação do Cunha passou ao anedotário local. De uma só vez, num fôlego só, conseguiu formar uma frase absolutamente compreensível usando apenas e tão-somente palavrões. Uma torrente de palavrões - cinco, seis diferente, unidos de uma maneira tão perfeita que exprimiram tudo o que ele estava sentindo. Ato contínuo, atirou as cartas que não chegou a ver no caixote e subiu na cabine do caminhão, sem olhar para trás.
    
 

'Filme' cubano

     O Estadão nos revela hoje mais uma fuga cinematográfica - de fato e de direito - da ilha dos irmãos Castro, aquele paraíso caribenho que existe apenas no mundo de fantasias da chamada 'esquerda', seja lá o que isso ainda for. Um jovem casal - protagonista de um filme justamente sobre a aventura de adolescentes tentando escapar de Cuba - aproveitou a participação em um festival de cinema nos Estados Unidos e saiu de cena.
     Na escala em Miami, do voo que os levaria a Nova Iorque, para o Festival de Tribeca, os dois jovens aproveitaram uma distração dos seus acompanhantes e desapareceram. O rapaz, sequer foi receber o prêmio de melhor ator a que tinha direito. Preferiu ficar fora do palco, mas a salvo.
     Dez dias depois de desaparecer, o casal surgiu em um programa de televisão, contando sua aventura. A fuga já vinha sendo planejada há algum tempo. Faltava, apenas, a oportunidade, e ela surgiu com o festival. O único senão, segundo o Estadão, que reproduz material da BBC Brasil, é o medo que o jovem tem de represálias contra a mãe, que ficou para trás.
     Essa é a realidade de Cuba, após cinco décadas de ditadura. Quem está por lá - jovens em especial - quer sair. A liberdade - ainda bem - é uma atração irresistível.

Histórias de Júlia e Pedro (44)




Esse desenho, feito há quase quatro anos, adorna uma de nossas portas. Na visão de Júlia, representava a casa da Pedra, com passarinhos, e seu carinho por nós. 


Júlia e a 'bisa'

     Júlia fica mais doce a cada semana. Há alguns anos - uns dois - limitava meus beijos a cinco por dia, sabendo que eu iria pedir muitos mais. Na última vez em que esteve aqui na Pedra, saiu do carro dos pais diretamente para meu colo.
     Na verdade, carreguei os dois, ela e Pedro, um em cada braço, como já não fazia há um bom termpo (viva a competição entre netos!!!). A coluna reagiu, é claro, mas o coração compensou, com sobras, o 'esforço' de levá-los da garagem à varanda. E há sempre um estoque de comprimidos de Dorflex à mão, para eventualidades.
     Na semana que acaba de passar, ela aproveitou um tarde livre para sair à toa com a mãe. Tomaram sorvete, olharam vitrines, usaram o metrô. Na rua, durante uma conversa daquelas entre mãe e filha, Flávia disse a ela que pediria à vovó Isis para fazer um ajuste qualquer (não entendo bem dessas coisas) em uma de suas calças compridas, a que está reagindo melhor ao seu desenvolvimento.
     - Mamãe, a vovó resolve todas essas coisas, não é?
     - É Júlia, mas eu acho que a 'vovó Flávia' não vai saber resolver ...
     A resposta, com aquele sorriso que é só dela, veio na forma de uma declaração de amor:
     - A 'bisa Isis' resolve, mamãe.
    
     (*) Júlia teve a alegria de conviver com minha mãe, a "bisa Dalva", por quase cinco anos.

sábado, 28 de abril de 2012

Greves nos 'paraísos' petistas

     Vamos lá. Ganha uma cartilha do MEC, recheada de 'nós vai' e 'a gente vamos', quem errar a resposta à seguinte pergunta: "Qual o ParTido político dos governadores da Bahia, Sergipe e Distrito Federal, cujas aulas estão paralisadas em função de greves de professores por salários menos indignos?"
     Pois é. Creio que todos os que têm paciência de ler meus textos acertaram ao optar pelo mais óbvio exemplar de proselitismo e vigarice ideológica a povoar nossa vida política. É algo indesculpável. Tudo o que essa gente prometeu, promete e ainda tem a coragem de prometer escorre diariamente pelo ralo, pelo esgoto. Nada sobrevive ao exercício do poder, à ânsia de se perpetuar.
     A virulência das campanhas promovidas pela companheirada da CUT para desestabilizar governos adversários criou, em muitos segmentos, a falsa ilusão de que havia algo de verdadeiro nas pregações. Assim como aconteceu com o ex-presidente Lula, envolvido inexoravelmente com uma seleção de momentos escandalosos, a turma petista não resiste à confrontação com a obrigação de fazer algo além de mentir, deturpar.
     A desilusão, em especial dos professores, vem se traduzindo em movimentos grevistas. Aos três estados citados, podemos somar, sem medo de errar, o Rio Grande do Sul, onde Tarso Genro, outro petista da tropa de choque, já antecipou que não vai cumprir a lei que majora os vencimentos dos professores e é alvo da revolta do magistério. "Não há recursos", lamenta-se, esquecido de tudo o que prometeu.
     Ontem, a greve nesses três estados foi notícia no Jornal Nacional. Por acaso (quero acreditar...), em nenhum momento os repórteres e/ou apresentadores lembraram que os três eram governados pelo PT. Tomo a liberdade de fazer essa ressalva.

Cabral, pede para sair ...

     Por onde anda o governador fluminense Sérgio Cabral, do onipresente PMDB? Vai repetir o providencial sumiço a que se submete, a cada notícia ruim, a cada escândalo, a cada denúncia? É o que eu imagino. Cabral segue à risca as recomendações de seu guru, o ex-presidente Lula. Desaparece de cena e torce para o assunto desagradável esfriar, sair das manchetes. Ou, quando aparece, exibe aquela expressão de paisagem atingida por uma tormenta.
     No caso atual - suas estreitíssimas relações com o empresário Fernando Cavendish, da empreiteira Delta, a queridinha do PAC -, vai ser difícil escapar, deixando o vice no seu lugar. As fotos e o vídeo divulgados por seu desafeto, o ex-governador Anthony Garotinho, são absolutamente desabonadores, deprimentes, vergonhosos, incompatíveis com a liturgia do cargo de governador.
     As cenas da festança em Paris, em comemoração ao aniversário da primeira-dama, em 2009, remetem à mais total mediocridade, a uma promiscuidade inaceitável entre o governador , vários secretários e um empresário (Cavendish) com altíssimos interesses no Estado. Não há desculpas. E não adianta alegar que fotos e vídeo partiram de um inimigo político. Esse fato não modifica o conteúdo, as 'brincadeirinhas', a risadaria, pagos com dinheiro público. Mesmo que esse dinheiro tenha saído da conta da Delta. A fonte é a mesma.

Collor e o PT, tudo a ver

     Não li, até agora, qualquer manifestação das nossas entidades de classe e companheiros em geral, qualquer manifestação contra os impropérios proferidos pelo senador alagoano Fernando Collor, do PTB, contra jornais e jornalistas, uns "rabiscadores", segundo sua avaliação. O ex-presidente, cassado por corrupção, demonstra, sempre que pode, seu ódio à liberdade de imprensa, uma das responsáveis por sua queda escandalosa.
     Fico imaginando se esses ataques tivessem partido de algum político da Oposição. Haveria, certamente, uma grita generalizada, manifestos de repúdio, pedradas, passeatas embandeiradas.
     Como ele há algum tempo faz parte da tropa aliada ao PT (é unha e carne com o ex-presidente Lula, com quem se parece muito em comportamento político), talvez esteja aí a explicação para tanta condescendência. O senador, um dos integrantes da CPI que investiga Carlinhos Cachoeira, pode ter sido um dos motivos das gargalhadas do contraventor, ao saber o nome dos seus 'algozes'.
     Já a estreita ligação do senador com os governos da Era Lula não tem a menor graça. Adversários históricos - Collor foi linchado, merecidamente, pelo PT, quando ainda presidente -, hoje são arautos das mesmas causas, comensais das mesmas mesas, idênticos em tudo, parceiros de todas as horas. Trocam elogios, sucedâneos de elegias.
     Collor e o PT - como diria Leonel Brizolla, se vivo fosse - são 'farinha do mesmo saco'. A mesma arrogância; a mesma petulância; a mesma luta para cercear a liberdade de expressão; as mesmas encenações; os mesmos discuros demagógicos; os mesmos escândalos; o mesmo e desmoralizado combate aos poderosos, os 'marajás'. A prática vem mostrando o quanto eles são idênticos, sua afinidade 'ideológica'.

Minha frase da semana

     "A tal 'bancada ruralista', em sua imensa maioria, está sentada à mão direita da presidente Dilma. A comoção presidencial, na verdade, não passa de proselitismo, algo para consumo político, como a imagem de intransigência com os malfeitos, essa, sim, uma das obras de maior sucesso do atual governo".
     Extraída do texto 'O problema está na base', de quinta-feira, 26 de abril.

A alegria do palhaço

     A normalmente bem-informada Mônica Bérgamo, da Folha , é a responsável por uma notícia que, grosso modo, exibe o pouco respeito que o Congresso provoca na sociedade, até mesmo nos seus párias. Segundo ela, um dos interlocutores do contraventor Carlinhos Cachoeira (que é tratado no texto apenas como 'empresário', não entendi bem o motivo) disse que ele, Carlinhos, "caiu na gargalhada" ao saber quem participaria da CPI aberta para investigá-lo.
     Bons motivos deve ter para se dar a esse tipo de desfrute. A CPI, sabemos todos, é composta por uma esmagadora maioria apavorada de governistas e uma minoria oposicionista afogada pelos delitos de seus representantes, em especial o ainda ministro Demóstenes Torres (ele é do DEM, sim) e o governador Marconi Perillo, do PSDB.
     Se, por um lado, PSDB, DEM e PPS tentam mostrar que não admitem os malfeitos de seus pares (não há outro meio de escapar ao atropelamento); por outro, petistas e assemelhados perdem o sono só em imaginar o que pode vir por aí, quando as investigações avançarem - e têm que avançar - nas relações da construtora Delta com os governos Federal e estadual do Rio de Janeiro, em especial.
     Tudo aponta para um escândalo proporcional ao Mensalão, menos canalha, mas ainda assim nojento. Não há, hoje, uma obra sequer do PAC - essa fantasia arquitetada pelos marqueteiros do Planalto - que não esteja sob suspeição. A roubalheira que se adivinha é absurda, ampla, total, irrestrita. E roubalheira em obras públicas é sinônimo de financiamento de campanhas políticas.
     Cachoeira tem bons motivos para dar gargalhadas. Ele parece saber que ninguém quer que o circo pegue fogo.

Vitória da segregação

     A página de cartas de O Globo, hoje, é uma demonstração bem clara do repúdio do leitor médio brasileiro à aprovação do sistema de cotas nas universidades. Não há uma, sequer, no entanto, que possa ser considerada racista, segregacionista ou elitista. Treze leitores expõem com objetividade a sensação de que o Supremo Tribunal Federal ignorou o princípio básico da Constituição - todos são iguais perante a Lei - e instituiu, oficialmente, o apartheid no país.
     Uma amiga querida e a quem respeito muito intelectualmente, lembrou, em conversa recente, que, infelizmente, há muitos que são 'mais iguais', o que justificaria a adoção de salvaguardas, de tratamento diferenciado para negros e seus descendentes. Concordo com a tese, mas não com o resultado. Ao institucionalizar o tratamento diferenciado, em função da cor da pele, nossa mais alta corte perpetuou, ao meu ver, o estigma, sem exigir o cumprimento da Lei maior: igualdade de oportunidades para todos.
     O que deveria estar em discussão - a enorme segregação social - passou ao largo dos debates no STF, pontilhados, como sempre, pela colossal tendência ao vedetismo dos ministro, egos superinflados, togas jogadas 'casualmente' sobre os ombros, cabelos (os que os têm) gelificados.
     Nossos seguidos governos - por 10 a 0 - foram absolvidos do abandono a que relegaram o ensino fundamental, mergulhado num atoleiro há algumas décadas. A responsabilidade pela segregação foi atribuída à sociedade branca, e não à histórica desídia dos governantes (não podemos esquecer que o sistema de escravidão não é exclusividade de brancos). É como se o STF estivesse dizendo: "Não é preciso lutar por investimentos sérios na educação de base. O diploma de doutor está garantido".
     A decisão oficializa, agora sim, a discriminação. Cada negro que entrar em uma universidade será olhado de maneira diferente, avaliado pela cor, não pela capacidade. É um retrocesso na luta pela igualdade, que passa inapelavelmente pelo acesso a uma educação de qualidade, a única forma de reduzir o abismo que marca nossa sociedade. Acho que foi uma vitória da segregação.
     Mas foi uma decisão democrática e, como tal, deve ser respeitada por todos. Sem discriminação.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Uma festa em Paris

     É como se fosse um filme só com malfeitores, sem mocinhos que salvam a heroína ou evitam um desastre global. Mas, inegavelmente, temperam muito o momento político. Estou me referindo às fotos publicadas pelo ex-governador e atual deputado federal Anthony Garotinho, revelando uma festança em Paris protagonizada pelo governador Sérgio Cabral, diversos secretários e o empresário Fernando Cavendish, da Delta, a empreiteira de nove entre dez obras estaduais e federais.     
     A farra, segundo divulgado, foi realizada em 2009, no luxuoso e exclusivo Hotel Ritz, para comemorar o aniversário da primeira dama do Rio. Quem pagou? Não ficou claro. Certamente não foi o governador, cujo salário não comporta essas extravagâncias.
     Embora resultado de uma briga politiqueira, entre o ex e o atual governador, a divulgação adiciona novos ingredientes às recentemente descobertas relações íntimas entre a Delta, a filha pródiga do PAC (neta da presidente Dilma, a prevalecer a alcunha 'Mãe do PAC', que recebeu de seu antecessor), e o contraventor Carlinhos Cachoeira. Se a sujeirada já ameaçava o pescoço dos governadores de Goiás (Marconi Perillo- PSDB), Distrito Federal (Agnelo Queiroz, do PT) e Tocantins (Siqueira Campos, do PSDB), começa a afogar o governador fluminense, grande - talvez o maior - aliado do ex-presidente Lula.
     As fotos estão na Veja e chegam a ser deprimentes. Garotinho promete outras.

Agora vaza ...

     Uma boa notícia para todos os que temem a manipulação do trabalho da CPI Mista criada para apurar o escandaloso relacionamento do contraventor Carlinhos Cachoeira com governos Federal e estaduais, políticos de todos matizes e empresas, em especial a Delta, a favorita do PAC: o ministro Ricardo Lewandowski liberou - para deputados e senadores - o inquérito que investiga o ainda senador Demóstenes Torres, o ex-queridinho do DEM.
     É verdade que ele ressalvou - segundo O Globo - que as informações do tal processo devem ser mantidas em sigilo. Como se isso fosse acontecer. A partir de agora, as chances de a lama escorrer cresceram exponencialmente. Historicamente, não houve uma CPI importante que conseguisse manter as informações em sigilo. Há sempre alguém querendo atingir alguém, um ressentimento, um projeto eleitoreiro.
     Basta algum interesse ser atingido para que o lado 'afetado' revele tudo, no escurinho de uma sala do Congresso, contando com a garantia da preservação da fonte. Como vários interesses serão afetados, podemos esperar uma torrente de vazamentos, o que será muito bom para a verdade.
     Com a divulgação de toda a sujeirada, a tropa de choque do Governo terá dificuldades em blindar luminares da República e o próprio Governo. A promiscuidade no relacionamento com a Delta vai aflorar com intensidade, de um momento para outro. O que já se adivinha - corrupção, comissões, roubalheira - vai surgir naturalmente, ao lado das bandalheiras já divulgadas.
     As próximas manchetes dos jornais diários e, principalmente, capas de Veja vão orientar os trabalhos da CPI, não tenho a menor dúvida. Imagino o pavor que deve estar tomando conta de alguns palácios. Agora, os vazamentos vão atingir a cambada toda, não apenas os inimigos do ex-presidente Lula, como vinha acontecendo em maior intensidade.

Cinco dias de fantasia

     Já está decidido: será feriado no município do Rio de Janeiro nos dias 20, 21 e 22 de junho (de quarta a sexta), durante a Rio+20. Somando-se ao fim de semana, a cidade vai ficar parada exatos cinco dias. Faz quem pode; quem tem dinheiro sobrando e não precisa produzir. E quem não tem o menor pudor de usar artifícios medíocres para mascarar a tristíssima realidade das nossas ruas e avenidas, engarrafas e inseguras durante a maior parte dos dias.
     É a mais explícita confissão de incapacidade em gerir uma cidade que extrapolou seu limites de crescimento em determinadas áreas e que vem sendo remendada por seguidas e desastrosas administrações, sempre de olho nos votos, no eleitor que responde a benefícios imediatistas, e não a projetos de longo alcance.
     Com os feriados, o prefeito espera deixar os caminhos livres para a passagem das delegações internacionais, que viveriam um momento de fantasia, afastado da realidade que é imposta a todos os que são obrigados a se deslocar entre engarrafamentos já históricos e não resolvidos.
     Por quase uma semana, a Avenida Brasil deixará de ser o inferno diário que é; a Linha Amarela já não será o caminho mais rápido entre dois congestionamentos absurdos; a Lagoa não ficará parada a qualquer hora; a Avenida das Américas terá um fluxo normal. Talvez seja a oportunidade para nosso alcaide bater o martelo na derrubada da Perimetral. Basta fotografar a pista nesses dias e mostrá-la vazia. Seria a 'evidência' que ela, portanto, não vai fazer falta.
     Seria bom, no entanto, que a Prefeitura combinasse tudo com os cariocas, com antecedência. O feriadão pode geral um fluxo incontrolável de saídas da cidade, por terra e pelo ar. E se todo mundo resolver viajar na hora da chegada das delegações? Outra possibilidade que me surgiu agora: para evitar essas corridas comuns nesse tipo de folgão, o Rio poderia inovar e decretar um eterno feriado.
     Não haveria necessidade de todos saírem e voltarem no mesmo dia. A folgança ficaria diluída. E, melhor: acabaríamos, de vez, com as mazelas do trânsito. Fica a sugestão: fechar o Rio para balanço, deixando-o adormecido em berço esplêndido.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Um cardápio de 'amenidades'

    A notícia abaixo, publicada em O Globo, poderia até servir de base a um esquete cômico de programa de tevê. A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (uma espécie prêmio pela fidelidade dos colunistas que passam pela página 2) garantiu, em nota oficial - vejam bem!!! - que a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, seu mentor e antecessor no cargo, não discutiram a CPMI destinada a apurar as vergonhosas relações entre o contraventor Carlinhos Cachoeira, governos, políticos em geral e empresas queridinhas do PAC.
     A nota vai além e afirma que a "presidente lamenta as versões em contrário divulgadas por veículos da imprensa". Acho que - ao citar os tais 'veículos' - a nota está se referindo a jornais e revistas, e não aos carros que transportam repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Mas nunca se sabe. A turma do Planalto inaugurou, há onze anos, uma nova linguagem, um idioma parecido com o português.
     De qualquer modo, ficamos sabendo que Lula passou quatro horas com a presidente, alguns ministros da 'casa' (Aloízio Mercadante, da Educação (?); Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral (aquele que "morreria por Lula" e transportava, segundo denúncias, a propina que empresas de ônibus enviavam ao PT paulista); Guido Mantega, da Fazenda) e com o ex-ministro Franklin Martins, aquele mesmo que foi demitido da Rede Globo e passou a criar factoides no governo passado.
     Nessas quatro horas de um "encontro reservado", segundo Gilberto Carvalho, a conversa "foi muito boa". Imagino. Os participantes devem ter falado do novo penteado do Neymar, trocado receitas de doces, mostrado fotos de filhos e netos, contado uma piada ou outra. Amenidades. CPI? Não. Como controlar a Comissão e evitar que a lama se derrame sobre o Governo, como vai se derramar, inevitavelmente? Bobagem. Era um encontro de velhos amigos em torno de uma boa mesa, mais nada.
     Não podemos esquecer que a presidente já garantira que não se mete em problemas do Congresso. 'Pantaleão', personagem de Chico Anísio, perguntaria: 'É mentira, Terta?". 'É não", responderia a mulher.

Direitos e obrigações

     A notícia está em destaque na Folha: " A 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que um morador de rua tem o direito de circular a qualquer momento na cracolândia (região central de SP) sem ser abordado pela PM". Mais bem fariam os desembargadores, certamente, se ordenassem aos poderes públicos que garantissem, a todos, o direito a uma moradia digna e combatessem esse tumor social que é o crack    
     Os direitos do homem são inalienáveis, eu sei. Não seria admissível qualquer segregação ou restrição ao uso livre das áreas comuns. Mas não aceito, de modo algum, os argumentos favoráveis ao direito à degradação física e moral decorrente da imersão no mundo das drogas, o crack em especial, pela sua letalidade.
     Em tese, sou contra a intervenção estatal em todos os setores da vida humana. Quanto menor o tamanho do Estado, melhor, acredito. Governo inchado é sinônimo de mais corrupção, como estamos vendo há onze anos. Mas há exceções, especialmente em setores fundamentais, como saúde, educação e segurança.
     Assistir, passivamente, a legiões de pessoas caminhando para um fim trágico, deprimente, sob qualquer alegação, é algo, no mínimo, irresponsável. Um país que se propõe decente não pode conviver com o estigma do 'morador de rua'.
     No caso específico da decisão judicial, acena-se com o respeito aos direitos individuais, ao mesmo tempo em que abre-se mão de prover o bem-estar do cidadão. Como costumo escrever, pura vigarice ideológica.

O problema está na base

     Ainda há quem acredite - até sinceramente, admito - que alguma coisa é aprovada no Congresso brasileiro sem a impressão digital do PT, da 'base aliada' e, por extensão, do Governo. A maioria governamental é estrondosa, graças ao adesismo, principal característica 'ideológica' dos nossos partidos políticos. Sendo assim, a aprovação do Código Florestal, como se deu, deve ser cobrada do Governo, dos seus aliados fraternos.
     Se essa tal base não corresponde aos 'anseios' políticos do Governo, isso deve ficar bem claro. Nossa presidente, para ser coerente e dar uma resposta eficaz aos que ainda se iludem com o marketing palaciano, deveria vir a público, denunciar o atentado ao nosso meio ambiente e vetar, com toda a pompa, tudo o que seus companheiros de toda a hora aprovaram.
     Pelo que me consta, o deputado mineiro Paulo Piau, autor do texto aprovado ontem, pertence ao PMDB, partido do vice-presidente da República e de uma penca de ministros, diretores, assessores e apadrinhados. Ele faz parte da tropa oficial, sempre a postos para abafar escândalos, esvaziar comissões parlamentares de inquérito, pleitear um vaga comissionada.
     A tal 'bancada ruralista', em sua imensa maioria, está sentada à mão direita da presidente Dilma. A comoção presidencial, na verdade, não passa de proselitismo, algo para consumo político, como a imagem de intransigência com os malfeitos, essa, sim, uma das obras de maior sucesso do atual governo.
     Não pode haver nada de mais distante da verdade do que uma frase publcada hoje, por exemplo, no Estadão: "O governo foi derrotado ontem, quando o plenário da Câmara aprovou por 274 votos a 184 o texto do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), que atende a interesses da bancada ruralista". 
     
     O Governo, na atual configuração do Congresso, nunca é derrotado. Ao contrário. Nada é aprovado - perdoem-me pela insistência - sem a adesão de sua base de apoio. O resto é apenas uma fantasia disseminada pelos criadores de imagem oficiais e divulgada pela companheirada.

Uma noite de boçalidades

     O tema não é novo. Na verdade, é recorrente. Surge invariavelmente a cada edição da Taça Libertadores da América, a maior e mais importante competição sul-americana. Não poderia ser outro: a conivência da arbitragem com a estupidez dos adversários das equipes brasileiras. Ontem, no jogo em que o Santos foi derrotado pelo inexpressivo Bolivar (2 a 1), o sujeito que deveria zelar pela integridade dos jogadores e do espetáculo passou os 94 minutos da partida ignorando a boçalidade dos bolivianos, em campo e nas arquibancadas.
     É verdade que Neymar, eventualmente (menos hoje do que ontem), exagera nas quedas, valoriza faltas recebidas. Mas essa constatação não pode ser considerada quando se assiste a uma verdadeira caçada, na qual ele é o alvo de botinadas, cotoveladas, socos e, até, de uma pedrada vinda da arquibancada. Já nem falo nas provocações racistas. Neymar está acima delas. O problema maior está nas agressões.
     E o árbitro - a nacionalidade não importa muito, pois são todos iguais em mediocridade e parcialidade - nada fez para coibir a sequência de hostilidades. A pedra que acertou o rosto de Neymar é o símbolo mais acabado das dificuldades enfrentadas historicamente pelos clubes brasileiros, quando jogam fora de casa. Para cobrar um simples escanteio, os jogadores do Santos, ontem, precisavam da proteção dos escudos da polícia. Em campo, ignorados pelo bando responsável pela arbitragem, os zagueiros bolivianos (um deles nascido na Argentina) distribuíam socos e pontapés impunemente. Isso, definitivamente, não é futebol.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

As ameaças à CPMI

     A dignidade do país - que poderia ser recuperada, em parte, pela CPMI que investiga as relações escandalosas do contraventor Carlinhos Cachoeira com governos e políticos de todos os partidos e matizes - voltou a ser atingida em cheio. A indecorosa interferência da presidente Dilma Rousseff no processo de escolha do relator é um sintoma claro do interesse do Governo em controlar as investigações, mantendo-as longe dos intestinos do Poder.
     O deputado mineiro Odair Cunha, um militante "fiel" do PT, certamente está pronto para cumprir mais uma 'tarefa', facilitada pelo massacre numérico da base aliada. A esperança de quem anseia pela investigação profunda está calcada, apenas, na eventual força da pressão da sociedade, a única capaz de impedir que um tema tão doloroso para o país seja tratado com a falta de respeito que se adivinha.
     Para agravar esse quadro de descrença, o Brasil ficou sabendo que o ex-presidente Lula foi a Brasília, num jatinho fretado, para uma reunião com Dilma. A prevalecerem as notícias, Lula ainda não desistiu do propósito de usar a CPMI para atacar a Oposição, desviar as atenções e conseguir, no Supremo Tribunal Federal, a absolvição de seus companheiros, a tal quadrilha do Mensalão que assaltou os cofres públicos durante seu primeiro governo.
     Lula e Dilma querem, cada um a seu modo, decidir o futuro da Comissão. Interferem, manipulam, indicam, rejeitam. É o retrato do país que surgiu nessa nefasta era que começou há onze anos.

Morte na estrada

     Ainda estou abalado com a morte estúpida dos cinco jovens universitários em um acidente de carro no Sul da Bahia. Viajei - e ainda viajo - muito - por todo o Brasil e América do Sul, sempre de carro, grande parte a trabalho. O carro foi uma parte fundamental da minha vida especialmente nas décadas de 1990 e 2000.
     Obrigado a me reeducar, até para poder editar, com seriedade, o caderno de automóveis do antigo Jornal do Brasil, fui descobrindo, progressivamente, o quanto nossos motoristas - e eu me incluo (incluía?) entre eles - são irresponsáveis ao volante e ignoram um fator fundamental: os limites que devem ser obedecidos são os do motorista, e não os do veículo.
     O fato de um carro 'popular' atingir com relativa facilidade mais de 150 quilômetros por hora não quer dizer que haja segurança a essa velocidade. Um simples descuido provoca, sim, acidentes irreparáveis. Um animal que atravessa a pista, um dos milhares de buracos escavados pela ganância dos empreiteiros, um cochilo de frações de segundo.
     De um companheiro de viagens inesquecíveis a lugares tão distantes quanto a Patagônia e Caracas, ouvi uma frase que repetíamos sempre aos que nos acompanhavam nas aventuras: errou uma entrada, uma pista, não tenta consertar. Vá à frente, faça o retorno, com calma.
     A morte desses jovens me remeteu a um acidente, também fatal, ao qual assisti e socorri. Aconteceu em uma recente viagem ao Jalapão, meu destino favorito no Brasil. Estávamos - eu e meu genro, Guilherme, companheiro de muitas jornadas - trafegando pela BR-040, ainda em Minas Gerais.
     O dia estava claro, seco e estávamos em uma grande reta. Como o carro oferecia segurança, viajávamos a algo em torno de 110 km/h, acima do permitido, reconheço. De repente, um brilho no retrovisor me alertou para um veículo que pedia passagem, ainda ao longe. Cheguei a comentar com Guilherme: "Vem um cara voando aí atrás".
     Encostei o máximo possível e abri passagem. Lembrem-se: eu estava a 110 quilômetros por hora. O tal carro passou de passagem, a uns 150 km/h. Vinte segundos depois derrapou, capotou várias vezes e parou no meio de um campo. Paramos e corremos para prestar socorro. O motorista, um jovem - soubemos depois que era um médico -, saiu das ferragens gritando, desesperado.
     Sua acompanhante - uma senhora de uns 75 anos, sua avó - não conseguiu. Morreu ali, na nossa frente. Estupidamente. O causador do acidente havia acabado de retirar o carro de uma concessionária e estava testando os limites do veículo, esquecido dos seus.

O estigma das cotas

     Sou absolutamente contrário à adoção de cotas raciais, especialmente no ensino superior, que deve ser - antes de qualquer coisa - meritório. E fico muito à vontade para expressar minha opinião. Já escrevi aqui, algumas vezes, que minha bisavó materna - negra - nasceu em uma senzala. Já lembrei, também, que minha mulher descende, pelo lado paterno, de indigenas. Eu mesmo sou neto de emigrantes camponeses quase analfabetos.
     As cotas, na vinha visão, absolvem o país da culpa pela péssima qualidade do ensino, que relega as classes mais pobres - independentemente da 'cor' da pele - a um segundo plano. As melhores universidades, por óbvio, são historicamente ocupadas pelas classes mais abastadas, que conseguem colocar seus filhos em escolas particulares, infinitamente mais bem equipadas do que as públicas.
     Não é, portanto, uma questão de raça, mas, sim, de poder econômico. Quem pode pagar e oferecer apoio paralelo (estímulo à leitura, acompanhamento da vida escolar etc) pavimenta o futuro dos filhos. Cabe ao Estado eliminar essa evidente injustiça social - e não racial.
     As cotas apenas estigmatizam e condenam os menos favorecidos à eterna mediocridade, além de servirem de desculpa para a falta de investimentos reais. A democratização do ensino - em especial o universitário - não pode ser um ato impositivo, mas o resultado de um processo eficiente de valorização da escola, do apoio à infância, da formação mais adequeda e da valorização dos professores. A solução está no combate determinado à segregação social.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Mais um 'traído' por Demóstenes

     O senador Aécio Neves (PSDB), virtual candidato à sucessão da presidente Dilma Rousseff, resolveu falare, espremido pela divulgação de que intercedeu pela nomeação de uma prima do contraventor Carlinhos Cachoeira no Governo de Minas, atendendo a um pedido do ainda senador Demóstenes Torres. Entre outras abobrinhas, Aécio se disse "traído" pelo ex-arauto da dignidade e tentou justificar seu ato, como nos conta a Folha:
     - Nem eu, nem ninguém no Brasil, há um ano sabia das ligações do senador Demóstenes".
     E daí? Não mudou em nada o fato de ter contribuído para essa forma vigarista de aparelhar o estado com indicados e 'afilhados', avançando nos cofres públicos, sempre abertos para a classe política.
     À Folha, o senador disse que setrá mais cauteloso daqui para a frente:
     - O cuidado é ainda maior. Na época essa indicação foi comunicada ao presidente do DEM. Essa ligação mostra a minha correção e lisura."
     Quer dizer que vai continuar indicando, como se os cargos não fossem pessoais, e não do estado. A única diferença é que vai mandar alguém pesquisar o histórico familiar dos agraciados. Lamentável. Tanto quanto suas desculpas esfarrapadas quando foi parado no Rio em uma operação da Lei Seca.

Indícios de pilantragem

     O Brasil consegue me surpreender a cada dia. Com enorme alvoroço - ajulgar pela repercussão no noticiário -, estamos festejando a decisão da Comissão de Reforma do Código Penal de propor que o enriquecimento ILÍCITO de políticos, juízes e servidores públicos em geral passe a ser considerado crime, sujeito a oito anos e meio de prisão e perda dos bens advindos da ilegalidade. E houve quem reagisse, considerando a abertura de precedentes legais, inversão do ônus da prova etc.

     Eu não consigo entender, sequer, a necessidade da discussão. Se enriqueceu de maneira ilícita, cadeia com o pilantra, seja ele um porteiro de ministério ou um chefe de gabinete. E não tão é difícil vislumbrar o crime. Vou dar um exemplo bem simples: olhar o estacionamento. O sujeito que vive apenas de salário não pode ser dono de uma Ferrari.

     Ou checar os registros imobiliários de paraísos turísticos, como Angra dos Reis, ou dos lagos brasilienses, por exemplo. Coberturas no Leblon e na Barra também são bons indícios de pilantragem.

A retórica do Poder

     Tento não deixar passar sem registro uma prática usada ao extremo pela turma do Poder: o diversionismo retórico - algo muito semelhante a vigarice -, alimentado pelo império da adulteração de fatos instituído pelo ex-ministro da Comunicação do Governo Lula, Franklin Martins, um especialista em manipular notícias, criar manchetes que se mostrariam mentirosas, desviar a atenção.
     A técnica, grosso modo, consiste em transformar um fato teoricamente negativo em uma favorável, através do retrabalho da noticia. Os exemplos mais recentes e marcantes do sucesso dessa prática puderam ser vistos nos lamentáveis episódios que terminaram com a demissão, no ano passado, de sete ministros por envolvimento em denúncias de corrupção.
     A notícia que ficou marcada no inconsciente da população, entretanto, não foi a repetição de fatos criminosos no Governo, mas uma suposta intransigência da presidente Dilma com os tais 'malfeitos', como se ela nada tivesse a ver com eles. De chefe de um bando de acusados por corrupção, a presidente virou símbolo da luta contra a corrupção. Puro Goebbels (*).
     Tivemos, hoje, mais um exemplo dessa tática diversionista. Segundo O Globo, o ministro da Aviação Civil, Wagner Bittencourt (o conhecido 'quem?'), garantiu que todos os aeroportos brasileiros, nos próximos dois anos, estarão "dentro do processo de modernização do setor". Isso quer dizer o seguinte: a privatização será acelerada, para evitar um vexame muito grande durante o Mundial de 2014.
     Mas estamos em ano eleitoral e o verbo 'privatizar' não pode ser usado. Afinal, o PT passou os últimos anos execrando as privatizações, anunciadas ao público como atos de entrega do patrimônio público. O jeito, então, é dizer sem dizer, sair pela tangente, como manda o manual da falta de caráter ideológica.

     (*) Joseph Goebbels foi o ministro da Propaganda do regime nazista.

Pagando para ver

     Vocês convidariam para jantar nas suas casas - hoje - algum dirigente da empreiteira Delta? Certamente a resposta será um sonoro não, tendo em vista as ligações escusas da empresa com contraventores e contravenções que vêm sendo expostas nas gravações realizadas pela Polícia Federal. Mas o Governo Federal não está nem aí para os fatos e/ou aparências.
     Segundo nos conta O Globo, a ONG Contas Abertas acaba de divulgar que a empreiteira queridinha do PAC recebeu, sexta-feira passada, quando todo o país já estava cansado de saber do seu envolvimento (dela, Delta) com o contraventor Carlinhos Cachoeira, R$ 5,1 milhões, uma pequena parcela dos R$ 151,6 milhões que o impoluto Governo Dilma - através do tal Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) - repassou este ano.
     "O dinheiro era devido, por obras já realizadas", alguém poderia argumentar. E daí? Parece bem claro que todos os contratos com os governos Federal, estaduais e municipais firmados com a Delta estão sob suspeição, por, no mínimo, 'sobrepreço', um eufemismo para designar roubo de dinheiro público. E se há dúvidas, nesses casos, jamais 'pro réu'.
     E há muitas 'dúvidas'. A maior parte desse monte de dinheiro - por exemplo - foi paga para obras em Goiás, do envolvidíssimo governador Marconi Perillo (PSDB).

O direito à informação

     O assanhamento dos inimigos da revista Veja chega a ser constrangedor, especialmente por partir de jornalistas. Nunca, jamais, em tempo algum, assisti a tantos jornalistas lutarem tão bravamente contra a liberdade de imprensa, como nos últimos anos. A notícia das ligações telefônicas entre repórteres da revista e o contraventor Carlinhos Cachoeira incendiou a turma que segue as orientações do comitê central do PT e assemelhados.
     Em casos muito raros - jornalistas que jamais pisarem em uma redação, ou o fizeram apenas para distribuir releases -, entende-se. Eles nunca participaram de uma reportagem investigativa ou tiveram fontes de informação. A maioria, no entanto - e eu lamento o fato -, cumpre apenas um papel ideológico, desvirtuado, como militante, mesmo informal, do partido que dá sustentação ao Governo.
     Ligar para um bandido para saber notícias de outros bandidos passou a ser considerado um crime, e não uma forma legítima de buscar a notícia. Um bom repórter tem suas fontes, sim, e eventualmente ela não reúne qualidades de caráter ideais. O problema não é a fonte, mas o modo de utilizar as informações. E Veja vem fazendo isso com uma invejável capacidade, pautando toda a imprensa a cada edição, com matérias exclusivas, provocando o ódio de pessoas que coonestam as indignidades protagonizadas nessa infindável e deplorável Era Lula, a mais medíocre e indigente de toda a nossa história.
     Todas - e não estou exagerando - as denúncias de Veja foram confirmadas, de algum modo. Do Mensalão, o maior assalto formal aos cofres públicos, obra e graça do Governo Lula - às recentes denúncias que envolvem políticos, empresários e governos (federal, estaduais e municipais) nessa torrente de lama que vai começar - esperamos - a ser exposto publicamente a partir de amanhã, no Congresso.
     Essa mesma turma que saltita a cada capa de Veja, defende ardorosamente os mais indignos ditadores mundiais, campeões do ataque à liberdade de imprensa, e cultua jornais como o Granma, da ilha da fantasia oprimida pelos irmãos Castro, cuja maior serventia é ser usado como substituto do papel higiênico que praticamente inexiste em Cuba.
     Os sindicatos e federação de jornalistas brasileiros, sempre tão diligentes ao apontar o dedo para os veículos que ousam denunciar as pilantragens oficiais, calaram-se covardemente nos episódios de perseguição ocorridos na Argentina e na Venezuela. Eu sei que quase todos são filiados à CUT, esse braço do PT, e cumprem uma função partidária. Lamentável.
     E não custa lembrar um - digamos - 'pequeno' detalhe: os esgares e beicinhos só aparecem quando os resultados (as matérias) apontam para a turma ligada ao Planalto. Jamais li uma restrição, por menor que fosse, ao uso de 'fontes' do Governo para alimentar colunas com notícias favoráveis ao esquema de Poder ou contra dirigentes da Oposição. A notícia plantada pelo ex-ministro José Dirceu, apontado como chefe da quadrilha que assaltou os cofres públicos no Mensalão, não sofre patrulhamento. A informação de Carlinhos Cachoeira, sim. Qual é a diferença entre as fontes?
     É verdade, uma ainda não está na cadeia.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Minha frase da semana

"A pirataria argentina contra propriedades privadas é mais uma demonstração do mergulho nas trevas que vem sendo dado pelo país, que já teve alguma importância no mundo e que hoje é uma caricatura de si mesmo".

Extraída do texto 'Cristina e Hugo, um casal que se merece', de 17 de abril.

A mudez dos governadores

     Acho que li - ou ouvi, não sei bem - essa observação há alguns dias. Leio, escuto e vejo tantos jornais e revistas que às vezes as informações se cruzam e a autoria se dilui. De qualquer modo, é um tema que não teve, ainda, a repercussão que merece e que deverá ganhar a partir do início das investigações sobre a promiscuidade entre o contraventor Carlinhos Cachoeira, políticos dos mais variados partidos e matizes e a construtora Delta, a queridinha do PAC.
     Estou me referindo ao eloquente silêncio dos governadores dos estados atingidos pela rede de corrupção montada em torno das obras públicas e que tem, como ponto referência, a Delta. Já nem falo dos governadores de Goiás e Tocantins, respectivamente Marcoli Perillo e Siqueira Campos, ambos do PSDB, e o petista Agnelo Queiroz, do Distrito Federal, citados em gravações realizadas pela Polícia Federal. Esses, por razões óbvias, preferem distância dos holofotes. Se pudessem, certamente enfiariam a cabeça num buraco e só levantariam no improvável dia em que tudo estivesse esquecido.
     Os demais, da área mais atingida pelo esquema do contraventos (Regiões Centro-Oeste, Sudestes, Sul e parte do Nordeste), destaque para Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, ignoram o noticiário. No Rio, a Delta, que pertence a um amigo dileto e fraterno do governador, registrou um crescimento digno de um 'PACdoEAP' - Programa de Aceleração do Crescimento das Empresas Amigas dos Poderosos.
     Cabral, assim como em todas as ocasiões em que o noticiário não lhe era favorável, sumiu, seguindo uma estratégia desenvolvida ao extremo pelo ex-presidente Lula, o eterno ausente das crises. A prevalecer, no entanto, a determinação dos partidos de Oposição (seja lá o que isso ainda for), a Delta estará no centro das atenções, lado a lado com Demóstenes Torres e companhia. Em algum momento os emudecidos governadores serão obrigados a vir a público.

Histórias de Júlia e Pedro (43)

Desculpas entre os dentes

     Vinha relutando em contar mais essa história protagonizada por Pedro. Flávia, a mãe, ponderou, com alguma razão, sou obrigado a reconhecer, que não é das mais - digamos - edificantes, pois poderia ser encarada como uma certa conivência com uma daquelas má-criações que ela repreende sempre. O que não é verdade. Embora doce, Flávia não transige, assim como não transigíamos com ela e Fabiana (especialmente!!!), embora os risos disfarçados.
     Tentei - e o tempo passado entre o ato e esse texto (duas semanas) é a maior testemunha. Mas acabei cedendo, até por que eu acho que o moleque não teve - de fato - a intenção que lhe foi atribuída. Para mim, apesar de todas as evidências relatadas pelas testemunhas, houve uma espécie de 'movimento involuntário da mão' que acabou no braço da babá, e não um ... tapa ou algo parecido. Dito tudo isso, vamos à história.
     Pedro já estava atrasado para tomar banho e mudar a roupa para ir à escola. Ele normalmente vai com prazer. Gosta dos amigos, das brincadeiras, da professora. Mas, nesse dia, estava ligado em uma brincadeira qualquer e ignorava as chamadas do misto de babá e avó precoce, a mesma que ajudou a criar Júlia e que ajuda a embalá-lo desde que ele nasceu.
     A babá chamava, a mãe falava e o moleque sentado, ignorando. Até que Sônia resolveu pegá-lo no colo, para levar para o banho. Foi nessa hora que a mão 'pulou' e acertou seu - dela, babá - braço. A bronca foi imediata, promessa de castigo e a exigência, feita pela mãe, de que ele pedisse desculpas.
      Depois de algum tempo, o pedido saiu, meio entre os dentes, olhando para o teto, mas saiu:
      - ... culp...".
      Não foi suficiente. Ele precisava completar com uma promessa: não faria mais isso. E, aí, criou-se um complicador. Sério, com a cara fechada, Pedro, com a maturidade dos seus quatro anos, ponderou:
     - E se eu esquecer?
     - Você não vai esquecer, Pedro", decidiu a mãe. - Você é um menino inteligente e não esquece essas coisas. Então, prometa que não vai repetir isso.
     - Mas mamãe, eu posso esquecer ...".
     Tomou banho, mudo, trocou a roupa e saiu. Ainda no elevador, olhou com um olhar atravessado para a babá - a quem adora e que revelou essa parte rindo, encantada com a travessura - e disparou:
     - Idiota.
     E mais não disse até chegar na porta da escola, a 15 minutos de caminhada.

Radiografia do Brasil

     A cada nova rodada de pesquisas sobre as preferências políticas do distinto público, mais eu perco as esperanças de ver, a médio prazo, o Brasil se livrar da mediocridade ideológica e comportamental em que se meteu há onze anos. Os escândalos e roubalheiras do dinheiro público soterram (ou afogam, o que estaria mais de acordo com os tempos modernos) qualquer resquício de dignidade administrativa, mas deixam de fora - de maneira incompreensível - as cabeças do ex-presidente Lula e de sua sucessora no Poder.
     Lula - o maior beneficiário do Mensalão e de outras atividades ilícitas ao longo de oito anos de mandato - mantém-se impávido colosso no imaginário de quem vota no PT. A presidente Dilma, apesar de sete ministros demitidos por corrupção dois na marca do pênalti e todo o Governo prestes a ser atingido pelas investigações da CPMI do Cachoeira, a cada dia é mais bem avaliada, sem que tenha feito qualquer coisa de aproveitável.
     Seu primeiro ano de governo praticamente não existiu, imerso em escândalos seguidos. O segundo tem todos os ingredientes para repetir o anterior. Sem falar na mais absoluta falta de norte administrativo. Não houve avanço em um projeto de reforma sequer. O Governo tropeça, mês a mês, em medidas homeopáticas, tentando tratar uma inflamação ou outra, sem jamais atacar as causas.
     Confrontado pela maior crise na indústria dos últimos tempos, reduz os juros aqui, desvaloriza o real ali e vai tocando, ao sabor do ritmo de crescimento chinês, nossa tábua de salvação. E para não perder o hábito, compra umas briguinhas retóricas com algumas potências, como Estados Unidos e Alemanha, posando de independente. Se fosse espremido, como uma laranja, o governo Dilma resultaria num fiapo de suco passado.
     Seria difícil, mesmo, conseguir administrar com um mínimo de eficiência tendo os auxiliares diretos que escolheu (alguns) ou foram impingidos pelo seu mentor (grande parte) e a tal base aliada. Um governo que coloca suas 'relações institucionais' (seja lá o que isso for, e não me parece ser coisa boa) nas mãos da ex-senadora Ideli Salvatti; seu 'desenvolvimento' a cargo de Fernando Pimentel (homem que inventou a palestra telepática); e sua educação sob a tutela de Aloísio Mercadante não pode ser levado a sério. Os dois primeiros estão envolvidos até à medula em denúncias de vigarices recentes. O último, era o chefe do chefe dos 'aloprados'.
     E há mais, muito mais. Há citados em casos criminais, como o Gilberto Carvalho, apontado no processo que apura o assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel, como o homem que carregava, no seu Fusca, propina de empresas de ônibus para o PT; a militante Maria do Rosário, dos 'Direitos Humanos', responsável direta pela mais forte crise institucional dos últimos tempos, ao defender o atropelo da Lei da Anistia; e a turma da cota dos 'aliados ideológicos', como PMDB, PRB, PTB, PP, PDT e semelhantes.

domingo, 22 de abril de 2012

Da carvoaria à padaria

     Vou me permitir continuar imerso nas lembranças da Rua Capitão Rubens, em Marechal Hermes, onde passei infância, adolescência e início da fase adulta. As fotos que publiquei em um dos textos de ontem, mostram, um tanto apagados, três locais que fizeram parte desse período que chegou a 20 anos: a carvoaria que abastecia a redondeza; a loja de instrumentos musicais 'O Violão de Ouro'; e a padaria do 'seu' Aníbal.
     A carvoaria, reduto de uma penca de portugueses mal-chegados ao Brasil, naqueles idos de 1950, era uma referência. Era lá que um enorme contingente se abastecia de carvão e querosene para alimentar seus fogões, em uma época que o fogão a gás ainda não fazia parte da vida das camadas mais pobres da população. Eu ainda lembro de minha mãe preparando nossas refeições em pequenos fogareiros a carvão.
     Foi lá, também, que mergulhei nos segredos da sueca, um jogo de cartas instigante. Aos 10 anos já participava, formando dupla com algum dos meus 'patrícios' (na verdade, nasci no Rio, na Saúde, meu pai era português) das movimentadas disputas em torno de um caixote de madeira. E foi lá que conheci personagens que marcaram nossos subúrbios. Além de Zulmiro e Zeca, irmãos e donos da carvoaria, convivi com dois Antônios, o garrafeiro e o vassoureiro.
     Um deles saía todas as manhã com um saco de aniagem às costas, comprando garrafas vazias - nessa época, garrafas de vidro tinham valor no mercado - e jornais velhos. O outro, carregava sua bicicleta com vassouras, espanadores e afins e percorria o bairro, religiosamente, apregoando os produtos. Já falei, certa vez, nesse vassoureiro. Era cunhado do principal dono da carvoaria e torcedor do Flamengo, para horror de todos nós, vascaínos. Todos nós jogavámos sueca, com direito a socos no caixote que servia de mesa.
     Na loja de instrumentos musicais vivia um artista, de verdade - Dario Pacheco - ,um jovem acordeonista que aos 15 anos já era maestro e se apresentava na tevê. Quando estava de bom humor, enchia a rua com os sons de sua música. Era uma atração.
     E havia a padaria do 'seu' Aníbal, também português, pai de um dos meus melhores amigos. Perdi a conta das tardes em que fiquei no balcão, ajudando no funcionamento, vendendo bisnagas, fazendo troco. Era algo natural. Tudo para ajudar meu amigo a se sair bem da rotina de trabalho a que era obrigado. De bicicleta, percorria, com ele, a freguesia da padaria - pequenas biroscas mais afastadas que revendiam os pães.
     Quando surgiu uma nova padaria na nossa rua (*), mais moderna, ao lado da Igreja, passei a viver um dilema. O pão era melhor, mais saboroso, do que o produzido ao lado de casa. Para não constranger meu amigo, eu me obrigava a dar a volta no quarteirão nos dias em que decidia comprar o produto do concorrente. Demorava quatro vezes mais para ir e voltar, mas preservava a amizade.

(*) Não consigo lembrar o nome da padaria do pai de meu amigo. Mas não esqueço o da concorrente, talvez em função da consciência ainda pesada: Padaria Lenita.

Um governo assassino

     O Estadão traz, hoje, um texto emocionante da repórter Lisandra Paraguassu, enviada especial à Coreia do Norte, para cobrir os festejos pelo centenário de Kin-Il-Sung, avô do atual ditador. A realidade que surge na matéria agride a quem lembra que os ditadores de plantão investem em mísseis e bombas e deixam a população passando fome.
     O relato desce a detalhes que mostram o quanto um regime medieval como o coreano do norte pode ser repugnante. Para não macular a capital, Pyongyang - controladamente acessível a pouquíssimos estrangeiros -, deficientes físicos não podem andar pelas suas ruas, ocupadas pela pequena parcela da população que, de algum modo, se beneficia do regime. Se não forem todos, pelo menos a maioria deve pertencer ao partido comunista, historicamente responsável por genocídios, em diversos pontos do mundo.
     Outra revelação do horror provocado pelos criminosos que vêm ocupando o Governo há três gerações: um em cada três coreanos tem deficiências física e mental, provocadas pela fome. As crianças em idade escolar, nos conta Lisandra, têm direito a um ovo por mês e outro no dia do aniversário. A dieta diária da população é composta por 400 gramas de grãos, menos da metade do mínimo considerado ideal.
     E essa gente do governo tem a desfaçatez de testar novas armas e chantagear o mundo. Apesar de seu exército ter sido obrigado reduzir a altura mínima para o alistamento no serviço militar obrigatório de sete anos: 1,45 metro. Uma tropa de pigmeus subalimentados e torturados pelo governo mais fechado do planeta. Um governo assassino e mentiroso.

Manhã de fogos, dia de ócio

     Já sei, hoje, que serei acordado amanhã, antes das seis horas, com uma tonitroante salva de fogos, uma alvorada festiva, em homenagem a São Jorge ou a Ogum, não sei bem. Dizem por aí que os dois personagens do absurdo feriado municipal são a mesma pessoa. O nome invocado depende, apenas, do terreiro onde ele, o Jorge da Capadócia, é reverenciado.
     Não tenho restrição alguma às religiões, seitas e afins. Não sou religioso, mas passei minha infância indo a missas, estimulado por minha mãe, católica. Em tese, elas - as religiões - pregam o bem, ajudam a transformar e recuperar pessoas. Mas não posso deixar de registrar a incoerência de mais esse dia de folgança, restrito a essa cidade que já foi bem mais maravilhosa. Afinal, vivemos, ou não, em um Estado laico? A tradição de muitos séculos e nossos componentes históricos até podem explicar alguns outros feriados religiosos. Mas já não justificam.
     A Semana Santa, por exemplo, transformou-se há muito tempo num aguardado período de viagens festivas que nada tem a ver com sua - digamos - proposta. O recato que ainda existia há quarenta, cinquenta anos, desapareceu, atropelado pelo século 21. Ficou apenas a certeza de mais um período de ócio, churrascada, cervejada, engarrafamentos munumentais nas estradas e uma centena de mortes em acidentes, esse, um verdadeiro calvário.
     No caso específico do feriado de amanhã, nossos vereadores aprovaram apenas um festival pirotécnico, de olho nas urnas. Não sei bem quantos santos existem (há, pelo menos, um para cada dia do ano, com certeza). Já imaginaram - apenas num exercício - se todos fossem agraciados com um feriado?
     Esse tipo de comemoração, embora discutível, a meu ver, ainda tem lá suas razões. Já os que serão decretados em junho, durante a realização da 'Rio +20', são apenas a confissão da incompetência do município do Rio de Janeiro. Para evitar a vergonha do caos nosso de cada dia, a Prefeitura vai tirar, metaforicamente, o sofá da sala: sem aulas e trabalho, nossas ruas e avenidas ficarão vazias, livres e desimpedidas para a passagem das delegações de vários países e chefes de estado.
     É um artifício, no mínimo, maroto. O mesmo que já está sendo programado para os dias de jogos da Copa do Mundo de 2014. No Rio, a desordem urbana é tratada com decretos.

sábado, 21 de abril de 2012

O jeito é negar, ministro, até o fim

     A torrente de lama gerada pelas relações indecorosas do contraventor Carlinhos Cacheira com políticos de todos os partidos começa a arrastar a turma do Governo, mais diretamente, como era esperado. Hoje, segundo O Globo, foi a vez de o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, negar que o conteúdo de uma gravação que o incrimina seja verdadeiro. E ainda usou a estupidez de um de seus guarda-costas para evitar o assédio dos repórteres, que tentavam entrevistá-lo durante um evento da campanha de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo.
     É assim mesmo: acusação nas 'costas' dos outros sempre foi refresco para a turma do PT, que viveu desse artifício por muitos anos, até o advento do Mensalão, o assalto aos cofres públicos que soterrou a demagogia e as mentiras dos, até então, arautos da dignidade. Esse posto foi assumido, nessa época, por um grupo liderado pelo ainda senador Demóstenes Torres. E deu no que deu.
     Padilha é apontado, diretamente, em conversa telefônica gravada, como intermediário de mais uma das muitas vigarices ocorridas na área de saúde nos últimos tempos. Vai negar, sempre, mesmo que as gravações exibam marcas indeléveis. Faz parte do enredo, como o ex-presidente Lula recomenda. Negar, sob qualquer circunstância. Se não houver jeito, a saída é dizer, candidamente, que "não sabia de nada".
     E a CPMI ainda não começou. Podemos imaginar o que virá pela frente, quando as comportas das relações entre a empresa Delta e governos Federal e estaduais forem abertas.

Sabotagem nos transportes

     Conhecendo os militantes do PT e de siglas assemelhadas (especialistas em promover badernas, invasões, quebra-quebras e agressões variadas), não duvido que haja um fundo de relativa verdade nas suspeitas da direção da Companhia de Trens Metropolitanos de São Paulo, após mais duas panes no sistema, a 16ª nos últimos três meses. Hoje, ao verificar o motivo dos problemas, a CPTM - segundo noticiário da Veja - confirmou que, no mais grave, uma caixa do sistema de sinalização foi quebrada e teve os fios arrancados.
     É evidente que caixas não quebram sozinhas e que o tumulto no transporte favorece à propaganda do PT no município de São Paulo. A suspeita é antiga. Há alguns anos, nas proximidades da eleição passada, coincidentemente, diversos veículos antigos apresentavam defeito em pontos estratégicos, nos horários dos já desesperantes picos do de movimento. Os engarrafamentos monstruosos eram usados para irritar ainda mais a população.
     Teoria da conspiração? Tem tudo para não ser. Na primeira das panes de hoje, nada foi levado da tal caixa destruída, o que poderia caracterizar roubo. Houve apenas o propósito de criar confusão, assim como no outro incidente: uma calça jeans foi enrolada no pantógrafo, impedindo a ligação com a rede elétrica. Pura sabotagem. Calças não se amarram por si mesmas.
     Não é necessário ser um grande analista para imaginar quem se beneficia com o caos, que pode, até, não ser uma orientação oficial. As investigações podem definir.

O sábado é de Marechal Hermes, outra vez

                                  





A tropa, saindo da igreja (ao fundo, ao centro) e passando pela Capitão Rubens, rua de terra, com sua carvoaria, a casa de instrumentos musicais Violão e Ouro e a padaria, do 'seu' Aníbal, com suas portas altas. Nossa 'aquelá' à frente.

     Sábado, já disse algumas vezes, rima com Marechal Hermes, subúrbio onde vivi dos dois aos 22 anos e para onde voltei alguns anos depois, para uma breve estada. Foi lá que Flávia nasceu (Fabiana é 'da Taquara'). Mexendo em fotos antigas, encontrei alguns flagrantes que resgatam um pouco das minhas memórias, especialmente da rua em que eu me criei, a Capitão Rubens. Marechal Hermes, o primeiro subúrbio planejado de fato, tem vária ruas e avenidas que homegeiam militares - não podemos esquecer que fica ao lado da Vila Militar e sofre a influência dos muitos quartéis da região e do Campo dos Afonsos.
     As fotos foram feitas por uma tia, Judith, irmã de meu pai, em uma das visitas que fez à nossa casa. Naquela época, máquina fotográfica não era exatamente um bem à disposição de todos. Essa minha tia era uma exceção. Devo a ela os poucos registros da minha infância.
    Estávamos em um domingo e ela se preparou para fotografar um desfile que acontecia sempre após a missa das 9 horas, acompanhada na Igreja de Nossa Senhora de Fátima (onde casei e minhas filhas foram batizadas, para atender a um rito familiar), obrigatória para toda a tropa de escoteiros que ocupava uma área cedida pelo antigo União Futebol Clube, da segunda divisão do futebol carioca nos anos 1950, atual centro de treinamentos do Botafogo (Estádio Mané Garrincha).
     Íamos e voltávamos da missa cruzando toda a Capitão Rubens, quando ela ainda era de terra batida e com valas junto ao meio-fio, desde a atual Xavier Curado (onde ficava nossa sede) até o encontro com as avenidas Marechal Oswaldo Cordeiro de Faria e General Savaget. Dali em diante, por mais um quarteirão, já havia asfalto. É onde se localiza até hoje a matriz de Nossa Senhora, que aparece em um das fotos que ilustram esse texto, ao lado do Teatro Armando Gonzaga, projetado por Oscar Niemeyer.

A caminho da sede, tendo, à direita, parte da lateral do Hospital Carlos Chagas. À esquerda, o mato que crescia junto ao meio-fio e que éramos obrigados a driblar nas peladas diárias. 
     Do lado direito da segunda foto, onde há muito anos existe um anexo do Hospital Carlos Chagas, um muro (vejam, à direita)) separava a rua do velho pátio onde ficavam as ambulâncias. Os ficus que enfeitavam nosso quarteirão (eles também aparecem nas fotos) e que eram escalados pela garotada foram sacrificados. A tropa de escoteiros também foi sacrificada pelos novos tempos. Dela, tenho, também, algumas boas lembranças, uma delas bem curiosa. Vamos a ela.
     Não sei bem os motivos, mas o nosso 'chefe' descobriu que eu tinha habilidade para dominar a linguagem semafórica (comunicação através de bandeiras, muito usada entre navios). Em pouco tempo eu já sabia o alfabeto de cor e enviava e decodificava mensagens curtas. Cheguei, até, a participar de um campeonato entre tropas.
     Nessa época, nossa 'aquelá' (a bandeirante que coordenava a garotada mais nova), filha do chefão, namorava um militar que servia em um quartel bem próximo ao antigo campo do União e também conhecia a comunicação por bandeiras. Nos domingos em que ele estava de serviço, eu era escalado por ela para intermediar as mensagens do casal. Ela se declarava e eu transformava suas frases em bandeiradas. Ele respondia e eu decifrava aquela combinação de sinais.
     Até hoje, com um pouco de esforço, sou capaz de produzir, acenando bandeiras, uma ou outra frase menos complicada.     
     Marechal Hermes, nos anos 1950, era assim.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A presidente, suas 'coisas' e o 'achismo'

     Ao ler as últimas declarações da presidente Dilma Rousseff sobre os mais recentes escândalos dessa infeliz República - a promiscuidade das relações do contraventor Carlinhos Cachoeira com governadores, senadores, deputados e funcionários públicos em geral -, fiquei na dúvida entre rir e dizer um palavrão, em surdina.
     Nossa presidente - segundo destaca a edição on line de O Globo -, com aquela fluência verbal de estudante do primeiro grau que já conhecemos, "acha que todas as coisas têm que ser apuradas". Ela "acha", o Brasil decente tem certeza. E não são "coisas", presidente. Estamos convivendo com corrupção, bandalheira, compra de políticos e partidos, sobrepreço em obras, comissões etc que jogam no mesmo saco de imundícies oposicionistas e a turma do seu governo.
     A presidente, que estava participando da solenidade de graduação de 108 novos diplomatas, no Palácio do Itamaraty, também fez 'questão' de dizer que não se manifesta sobre CPI e que "o governo federal tem uma posição absolutamente de respeito ao Congresso", como se pudesse ser diferente e ela anunciasse sua ojeriza à Câmara e ao Senado.
     O diversionismo retórico da presidente não parou por aí. Em tom de quem estava mostrando toda uma 'malandragem' acumulada em décadas, ainda fez um questionamento aos repórteres, em tom de blague, naquela idioma parecido com o português e que é muito usado por ela e seu mentor, em especial: "Vocês acreditam mesmo que eu vou me manifestar sobre as questões de um outro Poder, além das minhas múltiplas atividades, que eu tenho que lidar todo dia, eu vou me manifestar na questão de outro Poder?"
     Como se o Governo não estivesse atropelando tudo e a todos para evitar ser afogado por mais esse escândalo.
     Optei pelo riso sarcástico.

A corrupção é abrangente e 'ecumênica'

     Os governadores goiano Marconi Perillo e tocantinense Siqueira Campos (ambos do PSDB), ao que indica a divulgação de novas gravações realizadas pela Polícia Federal, estão sendo tragados pela mesma torrente de vigarices que atinge o governador do Distrito Federal, o petista Agnelo Queiroz, o senador Demóstenes Torres, deputados de vários partidos e altos funcionários dos governos estaduais e federal.
     Todos foram flagrados em relações no mínimo inadequadas com o contraventor Carlinhos Cachoeira, preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. A rede de influência e corrupção estendida por Cachoeira, a cada dia, mostra sua abrangência e ecumenismo, ao abrigar representantes da oposição e da situação, sem distinção. Tudo pela causa maior: encher o bolso com o dinheiro público - desviado de obras superfaturadas - e as urnas de votos.
     A sujeirada, pelo mapa que vem sendo traçado, não se limita à área do antigo estado de Goiás, dividido geograficamente e administrativamente em dois, mas 'governado' por um homem apenas. Ao contrário. Com a divulgação da estreita ligação entre o contraventor e a construtora Delta, a queridinha dos governos Federal e do Rio de Janeiro, em especial (é a síntese da 'afinidade ideológica' entre o PT e o PMDB), podemos antever que essa pilantragem não respeita formalidades e ultrapassa todas as barreiras formais e informais, atingindo as Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
     A história que se pode adivinhar promete ser devastadora, caso a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (Câmara e Senado) consiga driblar a influência nefasta e deplorável do ex-presidente Lula, o grande beneficário do Mensalão, que pretendia usar o Congresso para desviar a atenção do julgamento que vai acontecer no STF. A CPMI, se tiver forças e fôlego para mergulhar nessa torrente de esgotos, fará um inestimável bem ao país, afogando corruptos e corruptores.
     Infelizmente - e digo isso com pesar -, pela mobilização que vem sendo articulada de modo clamoroso pelo ex-presidente mais medíocre que esse país já teve, temo pelos resultados da CPMI. Um Demóstenes aqui, um Queiroz ali, sem que o país possa se aprofundar no maior de todos os seus tumorea: a corrupção que atinge todos os níveis e que se tornou incontrolável com o beneplácito dessa Era Lula.

Deputado agride a honestidade

     Assim como o ainda senador Demóstenes Torres (do DEM, sim ...), o ainda deputado federal João Paulo Cunha, do PT de São Paulo, ousa agredir a inteligência e a dignidade do país afirmando, em carta ao jornal O Globo, entre outras coisas, que tem 30 anos de vida pública "transparente e honesta". O motivo da reação do (pasmem!!!) presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara foi uma reportagem de ontem, sobre suas andanças por gabinetes de ministros do STF, às vésperas do julgamento do Mensalão do Governo Lula, no qual ele é um dos 38 réus.
     João Paulo alega que visitou ministros para entregar um relatório formal sobre as atividades da sua Comissão em 2011. Por caso - e essa observação é minha - isso aconteceu agora, quase quatro meses depois do encerramento do ano legislativo e pouco antes - esperamos - do início julgamento mais aguardado da nossa história recente. Por acaso, também, o preclaro deputado - que presidia a Câmara quando sua mulher foi flagrada em uma agência do Banco Rural, de Brasília, sacando R$ 50 mil em dinheiro, provenientes de propina que teria chegado a R$ 200 mil - procurou se encontrar, em primeiro lugar, com o ministro José Antônio Dias Toffoli, egresso diretamente das trincheiras do PT, onde militou ardorosamente, inclusive no gabinete do ex-ministro da Casa Civil, José Dirtceu, e que tende a se dizer impedido de votar.
     Juntando esses 'acasos' com notícias que circulam por jornais, colunas e corredores de Brasília, sobre a pressão que o PT estaria fazendo para que Toffoli votasse, sim, com a 'consciência' de militante da causa, vemos que o encontro entre os dois petistas (advogado e ministro) nada teve de transparente ou, no mínimo, de oportuno. Outro complicador nessas relações: a mulher do ministro, também advogada, defendeu José Dirceu, o "chefe da quadrilha que assaltou ops cofres públicos", segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República.
     Essa é a transparência do PT, de seus mais lídimos representantes.

Briga no STF gera insegurança jurídica

     A 'picuinha', agora pública e notória, entre o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, e o futuro presidente (tomará posse em dezembro, após a saída de Ayres Brito, que assumiu ontem), ministro Joaquim Barbosa, tem todos os ingredientes para se tornar uma ameaça à ordem jurídica do país, fato que não foi observado na estridência das manchetes. Entre outras acusações - ou reações às críticas feitas pelo agora aposentado Peluso -, Barbosa afirma que seu desafeto manipulou resultados de julgamentos na mais alta corte do país. Até que ponto? Como se seu deu essa manipulação? Em que matérias? Quais os beneficiados ou prejudicados?
     Sem a definição exata do que teria sido essa "manipulação", Joaquim Barbosa criou, talvez sem imaginar os desdobramentos, um complicador a mais nessa fase já tão nefasta ddo Poder Judiciário, envolvido em denúncias, brigas entre órgãos, acusações e uma enorme exibição de agos inflados.
     Entre as várias opções possíveis, manipular é sinônimo de forjar, engendrar. Se julgamentos e decisões foram forjados, como denunciado, todo o ordenamento jurídico pode ter sido maculado. Em uma interpretação mais simples, a acusação poderia dar chances a uma enxurrada de recursos, apelações etc. Afinal, quem manuipula um julgamento, pode ter manipulado centenas.
     Compreensivelmente ofendido - foi citado de forma pejorativa e injustificável pelo ex-presidente do STF -, Barbosa também extrapolou na resposta, destilando um complexo e intrincado sentimento em relação ao seu detrator e à própria instituição, em si.
     Além disso, ao levar a discussão, que desmerece o STF, para o terreno da discriminação racial, ambos prestam um enorme desserviço ao país. Mais um lamentável episódio envolvendo nossa corte mais relevante.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Irã - como eu imaginava - defende diplomata degenerado

     Vamos esperar para ver, de fato, o que vai acontecer no caso do diplomata e canalha iraniano que assediou crianças que estavam brincando na piscina de um clube de Brasília. O Ministro das relações Exteriores, Antônio Patriota - segundo O Globo - anunciou o envio, ainda hoje, de um pedido formal de explicações à Embaixada do Irã. Como o abuso, amplamente divulgado, aconteceu no sábado, perdemos um tempo muito grande. Tão grande que teria permitido ao salafrário fugir do país.
     Se depender, apenas, do governo iraniano, o assédio será enterrado. A Embaixada, em nota oficial, já mostrou que vai defender o vigarista, alegando que tudo não passou de um "mal entendido" provocado pela falta de conhecimento das "diferenças entre as culturas". Naquela linguagem vagabunda que tenta desmentir um fato irreversível, os iranianos tentam nos impingir uma versão absurda para o caso.
     Não há desvãos 'culturais' que justifiquem um pilantra adulto molestar crianças, nem mesmo em um país terrorista e atolado no atraso como é o Irã, repudiado mundialmente (pelo menos no mundo que presta) por apedrejar mulheres consideradas adúlteras e condenar homossexuais á morte.
     Essa é a diferença cultural que existe entre uma nação enfurnada nas trevas e no banditismo e a os países livres e decentes. Em todos os lugares há degenerados. Mas apenas em alguns - como o Irã - eles são defendidos pelo Governo. Nos demais eles são execrados e punidos, como os agentes americanos flagrados em orgias em Goiânia.

A extorsão é amarela

     É mais forte do que a minha lógica manda. Quando passo, como hoje, pela Linha Amarela - obrigado, não por opção - não consigo resistir ao impulso de escrever, mais uma vez, que a cobrança de pedágio entre bairros de uma mesma cidade é um escárnio. Não há gastos com manutenção que justifiquem esse absurdo, essa sobretaxa que a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro nos empurra goela abaixo.
     A obra, em si, foi paga com o nosso dinheiro, o dinheiro que saiu dos nossos impostos. E não foi um presente, e sim uma imposição do crescimento da cidade, desordenado e caótico por culpa exclusiva dos péssimos gestores que se sucederam nas últimas décadas, mais preocupados com o voto fruto da demagogia do que com a dignidade. Chegou tarde, foi mal-dimensionada e já está saturada.
     Pagar quase R$ 10 por dia para ter o direito de ir e vir ao trabalho, à escola ou tratar de assuntos na região atingida pela Linha Amarela é um assalto legalizado. Principalmente quando sabemos que o que deveria ser uma via expressa nada mais é - há muito tempo - do que o caminho mais rápido entre dois engarrafamentos degradantes, poluentes e caros.
     Por trás dessa vergonha urbana, um acordo sombrio com a empresa que opera a via. O governo - como se falasse em nosso nome, e não fala, nesse caso - cobra sua parte de um movimento estimado (sempre por baixo, muito por baixo, mesmo) e a empresa fica com essa loteria acumulada diariamente. Em dinheiro vivo, como no jogo do bicho. Um dinheiro que ninguém sabe o montante exato.
     E o que é pior: seremos extorquidos em novas vias que estão sendo construídas, como a TransOeste e a TransOlímpica.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Os desafios do ainda senador

     A desfaçatez com que o ainda senador goiano Demóstenes Torres vem agindo - esteve hoje, mais uma vez, no Senado e reiterou a decisão de se defender e "provar sua inocência" - é sintomática. No lugar daquele político 'abalado', cabisbaixo que vimos quando o escândalo estourou, surgiu alguém confiante no futuro, arrogante, até, no enfrentamento do seus pares e do país.
     Ou ele é completamente psicopata - o que não parece o caso -, ou teve a confiança renovada graças ao - digamos - 'desenrolar dos fatos'. De único e maior acusado pelo relacionamento bandido com o contraventor Carlinhos Cachoeira, passou a ser, apenas - se é que isso é possível -, mais um entre os inúmeros grampeados pela Polícia Federal, destaque, até agora, para os ainda governadores Marconi Perillo, do PSDB de Goiás, e Agnelo Queiroz, do PT do Distrito Federal, para o impoluto deputado federal Stepan Nercessian (PCdoB-RJ) e para a construtora Delta, a queridinha do Planalto e do Palácio Guanabara.
     Sua - do ainda senador - estreita relação com o contraventor permite algumas elocubrações. Imaginemos, por exemplo, que ele tenha tido acesso a informações ainda não divulgadas e que comprometeriam representantes de todas as esferas dessa infeliz República. Talvez - e só talvez - isso explique a relutância de companheiros da Casa em participar das investigações sobre seu comportamente vergonhoso e, ao mesmo tempo, dê ao senador trunfos inimaginados e segurança para se sentir inatingível, apesar de todas as evidências irrefutáveis.
     A CPMI que deve ser aberta semana que vem também promete desdobramentos bem interessantes, se o PT e o PMDB deixarem, é claro. Os dois partidos, pelo que lemos e ouvimos, andam tramando para dominar a Comissão e levar as investigações a contento ... do Governo.

Tiros com pólvora seca

     O ainda presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso (vai transmitir o cargo ao vascaíno Ayres Brito amanhã), optou por uma saída teoricamente triunfal e - segundo nos conta a Folha - deu entrevista criticando a presidente Dilma Rousseff; a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon; alguns de seus colegas, como Joaquim Barbosa; e políticos, como o senador Francisco Dornelles, do PP do Rio de Janeiro.
     Embora concorde - grosso modo - com todas as suas críticas, gostaria que elas tivessem sido feitas antes, quando os fatos geradores aconteceram. A essência da reclamação contra a presidente remete à independência entre os Poderes da República - Dilma ignorou decisão do STF e não incluiu os reajustes do Judiciário na propostas orçamentária, no que fez muito bem. Não deveria ter ignorado, mas endossar o tal aumento seria um escárnio.
     Também acredito, como ele, que há uma preocupante tendência do STF em votar de olho (ou ouvidos) no clamor público. A Justiça, como se põe, não pode se submeter às variações de humor da população, ou às pressões políticas e dos meios de comunicação. Se for possível aliar segurança jurídica e vontade popular, ótimo. Se não for possível, que prevaleça a essência da Lei, sempre.
     Escrevi, antes, que a corregedora Eliana Calmon extrapolou na generalização que fez ao acusar desvios de conduta no Judiciário. Disparou as baterias, sem designar os alvos. Como resultado, abateu genericamente parte da aura necessária à confiança da população nos seus juízes. Peluso também tocou num ponto nebuloso (mais um ...) da nossa política, ao acusar o senador Dornelles de representar os interesses das grandes corporações.
     Ao optar, no entanto, pelo desabafo às vésperas da aposentadoria, o presidente do STF perdeu a chance de dar mais estofo às suas convicções. Agiu como alguns comandantes militares, recentemente, que foram para a reserva disparando armas municiadas com pólvora seca.

Relações promíscuas

      O Globo nos conta hoje que o deputado federal João Paulo Cunha, do PT de São Paulo, um dos 38 acusados no processo do Mensalão - o maior (até agora) assalto oficial aos cofres públicos, realizado no primeiro governo Lula -, andou circulando por gabinetes de ministros do Supremo Tribunal Federal, às vésperas do início do julgamento de seus crimes.     
     Não há justificativa moral para esse procedimento, que lança - de algum modo - uma torrente de desconfianças no desfecho do caso. Por princípio, tendo a acreditar na dignidade dos integrantes da nossa mais alta corte de justiça. Mas sou humano o suficiente para temer as consequência dessa intervenção, especialmente quando ficamos sabendo que um dos ministros visitados, José Antônio Dias Toffoli, é egresso das fileiras do PT e teve envolvimento funcional direto com o ex-ministro da casa Civil, José Dirceu, apontado pelas Procuradoria Geral da República como o "chefe da quadrilha" que roubou o país.
     Esses encontros - dois ou três confirmados e outros tantos solicitados - ferem os princípios exigidos em situações semelhantes e reavivam as desconfianças - humanas, repito - sobre a isenção de magistrados indicados diretamente por um governo interessado claramente em abafar o maior escândalo vivido pelo partido que lhe dá sustentação. Especula-se - e a reportagem nos lembra isso - que o ministro Dias Toffoli pode se declarar impedido, justamente por suas estreitas ligações com a maior parte dos acusados.
     Particularmente, prefiro que ele exiba, no julgamento, suas convicções jurídicas, fundamente seu voto, seja ele qual for. O Brasil não merece dúvidas quanto à lisura dos seus mais destacados magistrados. Assim como não merece que esse tipo de encontro seja realizado.

     PS: Para avivar a memória. João Paulo Cunha, quando ainda era presidente da Câmara, foi apanhado com as duas mãos enterradas no lamaçal do Mensalão. Sua mulher foi flagrada recebendo R$ 50 mil, em diheiro, em uma agência do Banco Rural de Brasília. Compelido a se explicar, João Paulo alegou, entre outras coisas mirabolantes, que a esposa tinha ido à agência pagar a assinatura da tevê. Desmentido, enredou-se em outras versões.
     Em depoimento à Polícia Federal, na época, uma diretora do grupo do publicitário mineiro Marcos Valério (acusado de ser o operador do Mensalão) afirmou que o deputado recebera uma ajuda total de R$ 200 mil. João Paulo, contando com a cumplicidade de seus pares, foi absolvido do processo de cassação de seu mandato e conseguiu se reeleger pelo PT. Por mais absurdo que pareça, apesar do peso das acusações, ele é o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Um aniversário


     Eu e 'Dona' Dalva, há quase 64 anos (eu tinha um mês de vida), na varanda da casa de meus avós, na Saúde

     'Dona' Dalva de Souza Soares Ribeiro, minha mãe, se estivesse viva, faria, hoje, 93 anos. Já não está entre nós há pouco mais de três anos, mas sua presença ainda é absolutamente marcante. Viúva aos 44 anos, enfrentou com determinação o desafio de acabar de criar - sozinha, no longínquo subúrbio de Marechal Hermes, sem qualquer apoio externo - dois filhos que mal haviam entrado na adolescência. Fez muito mais do que se poderia exigir de alguém, naquelas circunstâncias.
     O ano de 1963 estava acabando e ela precisou se reinventar, para vencer a solidão e encaminhar os filhos. Se mais não conseguiu, a culpa certamente não foi dela. Felizmente teve, até o fim da vida (totalmente lúcida e participativa), a alegria do amor incondicional das netas e o encanto de ser bisavó de duas crianças adoráveis. Júlia, quando ficou sabendo da morte da 'bisa', perguntou à mãe: "Ela virou uma estrela?". Virou, sim, Júlia.

Um crime real

     Aproveitando as referências à Espanha, não custa lembrar o deplorável envolvimento do rei Juan Carlos em caçadas, só descoberto graças a um acidente em que ele fraturou o quadril e voltou ao seu país, para uma cirurgia de emergência. Juan Carlos deu, certamente, um irreversível tiro no pé, ao ser flagrado quando se dedicava a matar elefantes, em Botswana, na África.
     E não importa o fato de a caça ser permitida no país escolhido como destino de férias. Importa, sim, o aspecto moral. O representante de um país desenvolvido, atrelado às causas mundiais, não tem o direito de ofender tão gravemente a consciência do mundo. Com um agravante: ainda faz parte de uma fundação de defesa da vida senvagem, a WWF.
     É, portanto, mais do que natural a revolta dos seus 'súditos'. Assassinar animais, por conta própria, já seria por si só algo absolutamente condenável. Às expensas do Governo, então, é uma atitude indesculpável e que pode, até, ter um desdobramento inesperado, em função do desgaste de 'Sua Majestade', especialmente em um momento tão conturbado da vida nacional.

Cristina e Hugo, um casal que se merece

     Vejam como eles se parecem, em tudo. Na mediocridade pessoal, na demagogia, na vigarice ideológica. Como era de se esperar, o bufão venezuelano, o 'coronel' de opereta Hugo Chávez, com a falta de dignidade política que lhe é natural, saudou efusivamente - como está em O Globo - a arbitrariedade de sua camarada argentina, a presidente Cristina Kirchner, ao expropriar mais da metade da petroleira YPF, do grupo espanhol Repsol.
     Não satisfeito com mais essa demonstração de desrespeito às normas internacionais que deveriam nortear as relações entre governos dignos - os argentino e venezuelano não são -, o aprendiz de ditador da Venezuela, em comunicado oficial, "convocou as nações irmãs do continente para acompanhar a Argentina no exercício dos direitos soberanos". Como se atitudes como essas fizessem parte de qualquer pacote de direitos.
     Com aquele tom bravateiro de quem se sabe insignificante mundialmente, Hugo Chávez "rechaçou as ameças ou tentativas de intimidação que têm sido formuladas na Europa contra a República Argentina". Por "intimidação", devemos ler a justa revolta das nações que prezam o respeito às relações decentes.
     A pirataria argentina contra propriedades privadas é mais uma demonstração do mergulho nas trevas que vem sendo dado pelo país, que já teve alguma importância no mundo e que hoje é um caricatura de si mesmo. Atolado em dívidas e mentiras, vendo o apoio popular desabar dia a dia, o Governo decidiu apelar para as fórmulas mais simplórias e desclassificadas.
     De maneira oportunista, tentou reeditar de modo burlesco a guerra com a Inglaterra, pela posse das ilhas Falklands (que os conterrâneos de Maradona e os brasileiros insistem em chamar de Malvinas). Levou um 'chega-para-lá' dos ingleses e não conseguiu, como pretendia, o apoio ostensivo do Brasil à sua causa. Acuada, Cristina Kirchner virou as baterias contra a Espanha, teoricamente mais fraca, contando com a irracionalidade de um sentimento pueril contra os 'colonizadores imperialistas'.
     Em 1982, o cruzador General Belgrano, atingido pelo submarino britânico HSM Conqueror, afundou, matou 322 marinheiros, encerrou a pantomima militar e ajudou a afogar um período de trevas. Trinta anos depois, a Argentina corre o risco de ser soterrada pelo repúdio do mundo que interessa e ser obrigada a se contentar com as esmolas que recebe da Venezuela.
     Um futuro deprimente para um país que, há 100 anos, era um exemplo de desenvolvimento.