quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O despertar da paixão. Ou 'À mestra, com carinho'

     Não posso jurar que ela era tão bonita quanto a atriz Paola de Oliveira, que representa uma jovem professora que desperta no aluno-menino a primeira paixão ('Uma professora maluquinha', filmado em Minas Gerais). Talvez não fosse tão alta, tão definida fisicamente. Tão' exuberante'. Eram outros tempos, outros padrões. 
     Mas ainda lembro que era muito jovem, absoluta e totalmente doce, encantadora e, aos meus olhos, a mulher mais linda do mundo. Aos nove anos, me descobri perdidamente apaixonado por ela. Uma paixão daqueles tempos, segunda metade da década de 1950. Pura e total. De garoto que começa a se descobrir homem.
     Tão devotado eu era, que cheguei a adoecer de paixão. De um dia para o outro, Dona Maria Augusta - "é Augusta e é Maria, nomes santos", declamei para ela, na festa que a direção da Escola Municipal Evangelina Duarte Batista, em Marechal Hermes, preparou no dia do seu aniversário - não mais me olhou com os olhos que me encantavam e faziam meu coração disparar, sem que eu soubesse bem o motivo.
     Estava claramente distante, monossilábica - eu ainda não sabia bem o que seria isso, mas já sentia os efeitos da secura dos 'sins' e dos 'nãos'. "O que será que eu fiz?", me consumia, tentando descobrir um ato ou uma palavra que tivesse causado aquele corte brusco, aquele rompimento. 
     Fiquei abatido, não comia direito, relutava em sair de casa para ir à escola. Foram dias de intenso sofrimento para um menino avassaladoramente apaixonado. A dor era tão grande e devastadora que minha mãe, preocupada, quis saber o que estava acontecendo. Desabafei, não a paixão (por timidez, ou por não ter a noção exata do que sentia), mas o sofrimento que o distanciamento compulsório estava me causando. 
     Dona Dalva não pensou duas vezes. Seu filho estava sofrendo, ela sentia. Trocou de roupa e cruzou os cinco ou seis quarteirões que separavam nossa casa da escola. Pediu para conversar com minha professora. Tinha uns assuntos para resolver. Maria Augusta não negou que estivesse aborrecida comigo. Ao contrário. Estava, sim. Um aborrecimento que vinha do que ela classificou como decepção por uma atitude que eu teria tomado, dias antes.
     Confrontado, com o restante da garotada da turma, após uma demonstração de bagunça generalizada num período em que ela saíra de sala, eu teria negado ter feito alguma coisa que ela pressupunha que eu fizera (acho que era pular por cima das carteiras, ou algo parecido). Ela esperava que eu - assim como outros fizeram - confirmasse o delito, enfrentasse as consequências dos meus atos. Especialmente eu, o primeiro aluno da classe, peito repleto das medalhas que nessa época eram distribuídas mensalmente, no começo de cada mês, na frente de todos os alunos e pais, no pátio interno da escola. Ficou claro que eu não havia atendido às suas expectativas e isso a magoara muito.
     Até hoje, passados quase 60 anos, não sei se me omiti. Não sei se tive medo de enfrentar o castigo, a cobrança. Ainda não consigo - ao 'recuperar' as imagens daquele dia específico - me ver pulando em cima de uma carteira, o que seria absolutamente normal, em se tratando de crianças. Certamente participei da bagunça, mas não daquele modo específico. Volto no tempo e ainda não me vejo culpado. Não menti, quero continuar acreditando.
     Aos poucos, Maria Augusta deu sinais de me ter perdoado. Aos meus olhos, seus olhos diziam que tudo havia voltado ao normal entre nós. Eu já podia sonhar que era, de novo, correspondido. Naquele momento, não havia dúvidas quanto à essência dos últimos versos do tal poema que declamei no seu aniversário: "Seria um doce encanto, com ela, a vida toda aprender".