Não posso jurar que ela era tão
bonita quanto a atriz Paola de Oliveira, que representa uma jovem professora
que desperta no aluno-menino a primeira paixão ('Uma professora maluquinha',
filmado em Minas Gerais). Talvez não fosse tão
alta, tão definida fisicamente. Tão' exuberante'. Eram outros tempos, outros
padrões.
Mas ainda lembro que era muito
jovem, absoluta e totalmente doce, encantadora e, aos meus olhos, a mulher mais
linda do mundo. Aos nove anos, me descobri perdidamente apaixonado por ela. Uma
paixão daqueles tempos, segunda metade da década de 1950. Pura e total. De
garoto que começa a se descobrir homem.
Tão devotado eu era, que
cheguei a adoecer de paixão. De um dia para o outro, Dona Maria Augusta -
"é Augusta e é Maria, nomes santos", declamei para ela, na festa que
a direção da Escola Municipal Evangelina Duarte Batista, em Marechal Hermes,
preparou no dia do seu aniversário - não mais me olhou com os olhos que me
encantavam e faziam meu coração disparar, sem que eu soubesse bem o motivo.
Estava claramente distante,
monossilábica - eu ainda não sabia bem o que seria isso, mas já sentia os
efeitos da secura dos 'sins' e dos 'nãos'. "O que será que eu fiz?", me
consumia, tentando descobrir um ato ou uma palavra que tivesse causado aquele
corte brusco, aquele rompimento.
Fiquei abatido, não comia
direito, relutava em sair de casa para ir à escola. Foram dias de intenso
sofrimento para um menino avassaladoramente apaixonado. A dor era tão grande e
devastadora que minha mãe, preocupada, quis saber o que estava acontecendo.
Desabafei, não a paixão (por timidez, ou por não ter a noção exata do que
sentia), mas o sofrimento que o distanciamento compulsório estava me causando.
Dona Dalva não pensou duas
vezes. Seu filho estava sofrendo, ela sentia. Trocou de roupa e cruzou os cinco
ou seis quarteirões que separavam nossa casa da escola. Pediu para conversar
com minha professora. Tinha uns assuntos para resolver. Maria Augusta não negou
que estivesse aborrecida comigo. Ao contrário. Estava, sim. Um aborrecimento
que vinha do que ela classificou como decepção por uma atitude que eu teria
tomado, dias antes.
Confrontado, com o restante da
garotada da turma, após uma demonstração de bagunça generalizada num período em
que ela saíra de sala, eu teria negado ter feito alguma coisa que ela
pressupunha que eu fizera (acho que era pular por cima das carteiras, ou algo
parecido). Ela esperava que eu - assim como outros fizeram - confirmasse o
delito, enfrentasse as consequências dos meus atos. Especialmente eu, o
primeiro aluno da classe, peito repleto das medalhas que nessa época eram
distribuídas mensalmente, no começo de cada mês, na frente de todos os alunos e
pais, no pátio interno da escola. Ficou claro que eu não havia
atendido às suas expectativas e isso a magoara muito.
Até hoje, passados quase 60 anos,
não sei se me omiti. Não sei se tive medo de enfrentar o castigo, a cobrança.
Ainda não consigo - ao 'recuperar' as imagens daquele dia específico - me ver
pulando em cima de uma carteira, o que seria absolutamente normal, em se
tratando de crianças. Certamente participei da bagunça, mas não daquele modo
específico. Volto no tempo e ainda não me vejo culpado. Não menti, quero
continuar acreditando.
Aos poucos, Maria Augusta deu
sinais de me ter perdoado. Aos meus olhos, seus olhos diziam que tudo havia
voltado ao normal entre nós. Eu já podia sonhar que era, de novo,
correspondido. Naquele momento, não havia dúvidas quanto à essência dos últimos
versos do tal poema que declamei no seu aniversário: "Seria um doce
encanto, com ela, a vida toda aprender".