domingo, 25 de dezembro de 2011

'Oba, é Monark'

     Júlia e Pedro ganharam bicicletas, hoje, Dia de Natal. Presentes do 'Papai-Noel'. A de Júlia, aro 24, substitui a antiga, pequena, já imprópria para uma menina que está ficando 'crescida', como ela mesma diz. A de Pedro é a primeira de - presume-se - uma série. Afinal, ele tem apenas quatro anos e muito tombos pela frente.
     Olho a alegria dos dois e me remeto, como ontem, à minha primeira bicicleta, ganha naquele Natal de 1959, o mais feliz de toda a minha infância, certamente. Foi um sonho, mesmo, que consumiu alguns anos. E superou minhas mais elevadas expectativas. Naquela época, uma bicleta Monark aro 28 (de adulto ...) era o máximo de consumo que minha geração de garotos de subúrbio podia desejar.
     Lembro que fiquei deslumbrado ao acordar e encontrar aquela 'magrela' ao lado da porta da nossa casa de vila, em Marechal Hermes. Preta, reluzente, com compainha. Era tudo que uma criança de 11 anos poderia querer da vida. Imagino, hoje, o sacrifício que meus pais foram obrigados a fazer.
     Foram anos de intensa relação. Nós jamais tivemos carro e ela - minha Monark - representava a liberdade de ir e vir. Era nela que eu ia aos sábados e domingos para os campos do Navarro (hoje ocupado por uma guarnição do Exército) e do União, clube da terceira divisão que já não mais existe, cuja área foi cedida há muito tempo ao Botafogo. Foi nela que me desloquei de casa para a escola, no meu último ano na Evangelina Duarte Baptista (o antigo admissão).
     Era nela que eu, alguns anos mais tarde e por muito tempo, levava minha primeira afilhada (Cláudia, a quem batizei quando tinha apenas 13 anos) - nascida em uma das oito casas da avenida onde morei 20 anos - para passear pelas ruas arborizadas e sem trânsito do subúrbio. Foi nela que, certa vez, já adolescente, fui ao Méier - subúrbio distante, a meio caminho do Centro -, ao lado de um amigo, pegar uma bola de futebol que ganhara num álbum de figurinhas. Minha mãe jamais soube dessa aventura. A pelada de rua não podia esperar.
     A relação de um menino com sua bicicleta - naquele fim dos anos 1950 - transcendia. Não tínhamos televisão, artigo de luxo inacessível para minha família por algum tempo. A praia ficava em outra dimensão. Nosso mundo girava em torno do futebol (sempre), das pipas (nas férias de fim de ano) e das disputas com bolas de gude (jogo de triângulo) e pião. A bicicleta - a minha - foi o passaporte para a ousadia.

4 comentários:

  1. Curiosa, Marco, a relação que você faz entre a bicicleta e a ousadia. Acaba de me ocorrer que as muitas "ousadias" que ao longo da vida não "ousei" cometer se devem à falta de bicicleta. Nunca tive uma (na verdade, sequer desejei); nunca aprendi a me equilibrar sobre uma. Deve ser por isso que nunca "ousei" nadar, andar de moto e dirigir automóvel. Ou seja, só consigo me locomover em cima das minhas próprias pernas. Uma limitação evidente. Ou então pagando a alguém para me transportar. Outra limitação evidente.

    Que falta faz uma bicicleta na hora certa da infância...

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  2. A bicicleta, Terezinha, representou, para mim, uma espécie de passaporte para as tais ousadias que continuo exercitando, nas minhas seguidas viagens pelo Brasil, como as seis que fiz ao Jalapão, de carro, em odisseias pelas estradas do país. Ela - a bicicleta - me dava a independência que eu precisava, para expandir meu mundo, limitado, àquela época, à minha rua (Capitão Rubens), ainda de terra batida e às vizinhanças bem próximas.

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  3. Reproduzo, abaixo, comentário de um velho e querido amigo, sempre presente no Blog, qualificando meus textos:

    "Não me recordo exatamente, Marco, quando ganhei minha primeira bicicleta. Foi, disso me lembro, também num Natal e, provavelmente, à mesma época em que você ganhou a sua. Era uma Merkswiss (não sei se ainda existe essa marca) verde, aro 28, um pouco grande para as minhas pernas curtas. Maurício e Teresa ganharam também as suas naquele mesmo Natal, que, por conta disso, foi também para nós um dos melhores da nossa infância. Naquela fase das nossas vidas de crianças de subúrbio, uma bicicleta era o maior dos sonhos de consumo, e esse seu texto me trouxe de volta velhas lembranças daquele tempo e das aventuras vivividas sobre a minha "merda suíça", como, por maldade e talvez um pouco de inveja, chamavam os outros moleques.
    Dois reparos, se me permite, à sua saborosa história. O Navarro sempre pertenceu ao Exército, que tolerava a invasão da área por peladeiros como nós. Os campos do União e o da Escola Mauá -- cujo acesso era complicado, pois tínhamos que pular o muro -- eram os outros gramados em que as peladas sempre rolavam.
    Entre suas diversões de menino, a pipa, ao que me parece, ocupou um lugar tão importante quanto o futebol. Embora você tenha sido, assim como eu, o que chamavam à época um "cdf", sempre encontrava tempo, durante todo o ano, para subir naquele telhado da Capitão Rubens e envolver-se aguerridamente nos "cruzas", num céu coalhado de pipas.
    Hoje, é claro, as diversões dos meninos de onze anos são bem diferentes, mesmo lá em Marechal Hermes.
    Bons tempos, amigo. Saudade!
    Abraços do Paulo."

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  4. Paulo lembrou bem: o Navarro ficava em uma área que pertencia ao Exército. E pulávamos, sim, o muro da antiga Escola Técnica Visconde de Mauá, para nossas peladas de fim de semana, quando não havia aula e o campo ficava à disposição dos que se dispunham a esse pequeno delito.

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