sábado, 17 de dezembro de 2011

Uma história familiar - tributo a meu pai

 Os bombeiros de Ponte de Lima formaram, em 1938, para agradecer o presente levado por meu pai (primeiro à esquerda), sentado ao lado de meu bisavô, meu meio-irmão mais velho, um dirigente local e um de meus tios-avôs. Ao fundo, à esquerda, uma das duas torres que restaram da muralha que protegia a cidade. Ao centro, o busto do poeta Antônio Feijó, nascido na cidade, que homenageou com um poema, transcrito em parte nas laterais do monumento

     Meu pai - Antonio Gonçalves Ribeiro Filho - teria feito 100 anos neste 2011 que está acabando. Viveu pouco mais do que a metade desse período, vítima de uma infecção fulminante, aos 52 anos, no dia 16 de dezembro de 1963, às vésperas de um Natal que não houve para nós - eu, minha mãe e meu irmão. Recém-aposentado, após 36 anos de trabalho - começou ainda menino, no Cais do Porto, empregado da antiga e extinta Companhia de Navegação Costeira -, não teve tempo de desfrutar sequer a maior parte da adolescência dos dois filhos mais novos (tivera outros dois filhos, em um primeiro casamento).
     Era português de Ponte de Lima, uma vila ao norte (a mais antiga do país), na região do Minho, histórica, com sua referência arquitetônica do domínio dos romanos, como a bela ponte que lhe dá nome e que ainda liga as duas margens do Rio Lima. Veio para o Brasil ainda pequeno, pouco mais de um ano de idade apenas, mas jamais se naturalizou. Foi uma vez, apenas, a Portugal, em 1938, acertar sua situação militar e entregar um presente de toda a família para a cidade onde nasceu: uma viatura completa para o Corpo de Bombeiros.
     Explicou, certa vez, quando questionei essa decisão, que era, de fato, brasileiro, mas que não se sentiria bem, àquela altura, aderindo à dupla cidadania. Por esses acasos que a vida apresenta, tornou-se, de um dia para outro, sem ser brasileiro de direito, funcionário público.
     Aconteceu em 1942, quando o presidente Getúlio Vargas decidiu encampar a Costeira (que fazia parte de um grande pacote de empresas da poderosa e rica família Lage), transformando-a em uma autarquia. Isso aconteceu logo depois de um navio da empresa, o Itagiba (a 20ª embarcação brasileira), ter sido afundado por submarinos alemães, no dia 19 de agosto. Cinco dias depois o Brasil declarou guerra à Alemanha e à Itália.
     Os estrangeiros que lá trabalhavam, naquele ano, como meu pai e meu avô, foram mantidos e seus direitos preservados. Nasceu, aí, uma identificação natural da família com o 'Varguismo' e, mais tarde, com seus sucessores, João Goulart e Leonel Brizola. Acompanhei, embora bem pequeno, o 'luto' familiar, quando do suicídio de Vargas, em agosto de 54. 'Odiava' Carlos Lacerda, o "assassino de Getúlio", com todas as forças. Usei, nas roupas infantis - meu pai não votava, nem fazia política ostensivamente, por não ser natural - a 'espada' do marechal Lott, na eleição perdida para a vassoura de Jânio Quadros.
     Em 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros e a tentativa de impedir a posse do vice, João Goulart, que estava fora do país, em visita à China, ele me estimulou a participar da vigília cívica que tomou conta do país, a 'Cadeia da Legalidade', comandada, do Rio Grande do Sul, pelo então governador Leonel Brizola. Foi meu primeiro contato direto com a - digamos - política. Uma espécie de batismo em uma religião que adotei para sempre.
     Morávamos em Marechal Hermes, subúrbio do Rio que se mobilizou. Fui, moleque de 13 anos, para a Praça Montese, em frente à estação de trem, onde fora montado uma aparelhagem de som que transmitia os discursos de Brizola. Nunca mais deixei de me interessar por política, de acompanhar, vivenciar. Festejei a posse de Jango. Lamentei sua derrubada, em março de 1964. Meu pai já não estava conosco. Morreu - há exatos 48 anos - sem saber que o país que o adotou passaria por tantas mudanças em tão pouco tempo.
     Mas essa é uma história que ainda está sendo contada.

Um comentário:

  1. O comentário abaixo é de um primo conquistado pela afinidade (casado com uma prima). Fiz questão de transcrevê-lo, pelo que acrescenta.

    "Velhos tempos, em que as pessoas começavam a trabalhar ainda crianças ... Os meninos a pegar no pesado, como se dizia, e as meninas nos serviços de casa. Curiosidades: os irmãos Lage - Henrique, casado com a famosa cantora lírica italiana Gabriela Besanzoni, era o principal empreendedor. Sua residência hoje se transformou no Parque Lage, no Jardim Botânico. Ele era proprietário da Costeira (aquela dos navios que começavam sempre com as letras ITA), do porto de Imbituba (foi o fundador da Cia. Docas de Imbituba, cuja concessão existe até hoje), de estaleiro no RJ e também de salinas (ex-salina na praia do Peró, em Cabo Frio) e no RN (do sal ITA, olhas as letrinhas aí de novo)".
    Gilberto Fialho

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