quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Do fim dos fumódromos ao JB

     Uma das vantagens de quem tem algumas décadas de vida (pouco mais de seis, para ser mais exato) e escreve diariamente - se é que elas, as vantagens, existem, de fato - é poder, quase sempre, rechear alguns comentários atuais com experiências e histórias passadas, como agora.
     Ao me deparar, na Folha, com a notícia sobre a proibição total do fumo em ambientes fechados - sem a opção de fumódromos -, lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff, fui remetido diretamente na redação do velho Jornal do Brasil, na Avenida Brasil, 500.
     Fumava-se muito em todas as redações dos jornais onde trabalhei. Cigarro e café de garrafas térmicas - que ficavam, quase sempre, num canto, sobre mesas manchadas pelo descuido e pressa dos usuários - impulsionavam minha geração de jornalistas, desde o O Jornal ao Jornal do Brasil, passando pelo O Globo.
     Em O Globo, nos anos 1970, usufruí do tempo em que, ao fim das tardes, um copeiro circulava entre as mesas, com um carrinho de café menos morno e envelhecido. No JB, também havia a passagem do cafezinho, distribuído por um funcionário da lanchonete. Mas, acima de tudo, havia a fumaça dos cigarros, em uma época em que seus malefícios não eram levados a sério, ou simplesmente ignorados, em nome do prazer.
     A tecnologia ajudou a erradicar a fumaça das redações. Com a chegada dos computadores, nos anos 1980, era necessário manter as janelas fechadas, a temperatura controlada e evitar os danos que - alegava-se - o cigarro causava ao funcionamento das máquinas. Com isso, os fumantes, em O Globo, foram empurrados obrigatoriamente para as escadarias, isolados. Sem discussões. Eu já estava no JB, mas acompanhava as notícias, de longe.
     Lá na Avenida Brasil não foi bem assim. O clima mais libertário da redação impedia medidas drásticas. A solução foi realizar um plebiscito, para decidir pela construção, ou não, de um fumódromo. Nessa época (anos 1990) eu já não fumava há muito tempo e desenvolvera uma enorme ojeriza à fumaça, responsável por uma rinite que foi crônica. Não suportava, mas aceitava, já que não havia restrições. Ao meu lado, capitaneando as ponderações contra o fumo, o excelente Jamari França, crítico de música e redator da Internacional.
     E veio o plebiscito. Os favoráveis à proibição do fumo e à criação do fumódromo deram uma goleada: 70% da redação, incluindo, nesse número, dezenas de fumantes que concordavam com o direito de os não-fumantes não serem contaminados. A direção topou o desafio e rapidamente instalou um fumódrono, com direito a poltronas, café e uma bela vista da Baía da Guanabara, ali do nosso sexto andar.
     No começo, a adesão era total. Depois de alguns dias, começou o relaxamento. Um grupo insistia em fumar, apostando na bonomia dos companheiros. Eu e Jamari não abríamos mão, e exigíamos que o cigarro fosse apagado, ou que o fumante fosse para o lugar indicado e democraticmente instituído. Com o tempo, me transformei no terror dos fumantes. Eu apontava no corredor e via, ao longe, os movimentos que denotavam cigarros sendo esmagados no piso, já com carpete.
     Eu cobrava e exigia respeito à decisão da maioria, sem distinguir cargos. Entrava na redação e já ia falando, alto: "Vamos apagar esses cigarros!!!". Ficou algo meio folclórico, reconheço. Sei que aborreci muita gente. Mas a causa era boa. Se fosse hoje, não haveria necessidade desse embate. Não há mais espaços, no Brasil inteiro, sequer, para fumódromos. Bom para todos.

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