segunda-feira, 16 de abril de 2012

Uma comissão engajada

     Tenho escrito, ao longo de toda a polêmica sobre a Comissão da Verdade, que, por formação, sou a favor dos fatos. Não vejo, portanto, motivos para que o país seja privado de conhecer e discutir seu passado, para que possa entender o presente e projetar o futuro. Não admito, no entanto - e também for formação -, que a busca pela compreensão da nossa história recente seja desviada pela trilha da vingança, do revanchismo, como será, não tenho dúvida.
     Apesar do ardor com que os defensores sinceros de uma revisão dos fatos (e eles existem, eu sei) enaltecem os propósitos da Comissão, sob a alegação de que não há espírito revanchista nem punitivo, os acontecimentos atropelam essa convicção. Hoje mesmo, em O Globo, lemos que a presidente Dilma Rousseff deve definir os sete integrantes do grupo até o fim do mês e que um dos nomes mais cotados é o do ex-ministro dos Direitos Humanos do Governo Lula, Nilmário Miranda, segundo o jornal, "um militante histórico que foi perseguido e preso pela ditadura", preside uma fundação vinculada ao PT e é suplente de deputado federal pelo partido.
     Haveria, ainda, uma lista de indicados ao posto, entre eles um procurador de São Paulo que trabalha em processos contra militares e um ex-advogado de "perseguidos", além da viúva do jornalista Vladimir Herzog e da filha do ex-deputado Rubens Paiva. Não há, ao menos não me consta, indicação de algum parente ou amigo de uma pessoa sequer entre as 120 assassinadas pelos movimentos de esquerda (segundo os dados do grupo Tortura Nunca Mais, houve algo em torno de 350 assassinatos de adversários do regime).
     E nem poderia haver. Como nos lembra o mesmo O Globo, a Lei proíbe a participação, na Comissão da Verdade, de quem "exerça cargo executivo em agremiação partidária" e de "quem não tenha condições e atuar com imparcialidade", além de outros impedimentos morais. Alguém acredita, de fato, que uma pessoa com o perfil dos citados acima pode agir com independência de sentimentos; ou chamará para depor algum ex-militante dos movimentos que lutavam não apenas contra o governo militar, mas principalmente pela instituição do regime comunista no Brasil? Sabemos que não.
     Embora proibida formalmente de se transformar em um tribunal - a Lei da Anistia impede qualquer punição -, a Comissão vai, sim, condenar os legalmente inimputáveis. Mas apenas os de um dos lados dos acontecimento.
     Como exemplo de uma história que também precisaria ser contada - e que será ignorada, certamente -, reproduzo abaixo, para reflexão, o texto de uma reportagem da revista IstoÉ, de 5 de agosto de 1987, que me foi enviada por um militar da reserva - um profissional exemplar, que jamais esteve sequer perto de acontecimentos desabonadores -, inconformado com os rumos da Comissão. Crimes como os que estão relatados - embora tão nauseantes quanto os patrocinados pela ditadura - também foram perdoados, sem que tenham sido julgados.

     "Como matei o Chinês

     À distância, ele parece o mais inofensivo dos homens. Com 1.75 metro de altura, sua figura esguia e pálida aparenta um tipo tímido e retraído. Visto de perto, explodem as diferenças. Verborrágico e incisivo, por exemplo, costuma agredir o interlocutor com argumentos que sempre lhe parecem irrefutáveis. É, contudo, na intimidade de uma confissão que surge o maior contraste. Aos 39 anos, A.C. - um professor que, egresso da guerrilha de esquerda da década de 70, até hoje só admite falar ocultando-se sob o codinome Vila - guarda um grande terrível segredo do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário ( PCBR) : a execução do militante Salatiel Teixeira Rolim, o 'Chinês' no interior do antigo bar Escorrega, no Rio de Janeiro.
     Na semana passada, Vila finalmente contou a Isto É como e por que ajudou a matar Salatiel. Eis o seu depoimento:
     - Salatiel provocou prejuízos incalculáveis para nós. Ele apanhou 2 milhões por extenso do Bom Burguês, mas só entregou 300 mil para o PCBR. Com esse dinheiro comprou o bar Escorrega, no Leblon, local onde hoje funciona um açougue. Além disso, foi responsável pela queda do Mário Alves . Por tudo isso, eu, o Tomás e o Vaqueiro fizemos justiça.
     - Houve uma rigorosa apuração de todas as suspeitas. Não sei quantas pessoas fizeram esse trabalho, mas houve inclusive colaboração de outros partidos e organizações. Só foram contra os que estavam no exterior. O Apolônio ( Apolônio de Carvalho, ex-dirigente do PCBR), até hoje diz que foi um erro, mas ele estava exilado. Não conhecia nossa realidade.
     - Para executar a sentença, foram escolhidos os quadros que atuavam militarmente dentro da organização. Eu estava com 25 anos na época e lembro que discutimos exaustivamente os aspectos psicológicos, a maturidade dos militantes. É mórbido falar disso, mas a verdade é que o remorso não faz parte de uma concepção de luta de classes. Ao contrário, o ódio de classe é uma coisa que nos mantém com o coração quente e a cabeça fria para executar qualquer coisa. Isso não quer dizer fôssemos desumanos. Foi justamente por amor à humanidade que o fizemos.
     - Não foi nada difícil executar a sentença. Tudo já estava certo há alguns dias. Chegamos ao Escorrega por volta das seis e meia da manhã. O Salatiel estava sozinho, arrumando o bar. Ele nos reconheceu, mas não desconfiou de nada. Até ficou feliz. Depois nos serviu 3 batidas. Em seguida sacamos os revólveres e aí informamos que ele seria justiçado por trair o PCBR. Ele não teve tempo de falar nada. Todos disparamos e o corpo caiu atrás do balcão. Ainda tivemos tempo de espalhar os panfletos do partido assumindo a autoria da ação , pichar as paredes com tinta spray e só depois sair.
     - Esse não foi o único justiçamento feito pelo PCBR. Nós íamos acabar com o Cabo Anselmo porque sabíamos que era um traidor. Mas a DVP ( Dissidência da Var-Palmares ) divulgou o plano e ele fugiu. Esse continua nos devendo. Outro foi o Otavinho ( Otavio Moreira, delegado do DOPS paulista, fuzilado na rua República do Peru, em Copacabana, num ação conjunta da Frente de Esquerda Revolucionária - FER) . Esse torturador sádico nós abatemos apenas com um tiro de calibre 12. Pegamos o Otavinho, mas muitos outros estão por aí, vivendo tranquilamente.
     Eles são elementos que historicamente estão sempre sobre a mira da revolução. Nunca serão perdoados.
     - Nossas ações armadas sempre foram espetaculares."

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