domingo, 22 de abril de 2012

Da carvoaria à padaria

     Vou me permitir continuar imerso nas lembranças da Rua Capitão Rubens, em Marechal Hermes, onde passei infância, adolescência e início da fase adulta. As fotos que publiquei em um dos textos de ontem, mostram, um tanto apagados, três locais que fizeram parte desse período que chegou a 20 anos: a carvoaria que abastecia a redondeza; a loja de instrumentos musicais 'O Violão de Ouro'; e a padaria do 'seu' Aníbal.
     A carvoaria, reduto de uma penca de portugueses mal-chegados ao Brasil, naqueles idos de 1950, era uma referência. Era lá que um enorme contingente se abastecia de carvão e querosene para alimentar seus fogões, em uma época que o fogão a gás ainda não fazia parte da vida das camadas mais pobres da população. Eu ainda lembro de minha mãe preparando nossas refeições em pequenos fogareiros a carvão.
     Foi lá, também, que mergulhei nos segredos da sueca, um jogo de cartas instigante. Aos 10 anos já participava, formando dupla com algum dos meus 'patrícios' (na verdade, nasci no Rio, na Saúde, meu pai era português) das movimentadas disputas em torno de um caixote de madeira. E foi lá que conheci personagens que marcaram nossos subúrbios. Além de Zulmiro e Zeca, irmãos e donos da carvoaria, convivi com dois Antônios, o garrafeiro e o vassoureiro.
     Um deles saía todas as manhã com um saco de aniagem às costas, comprando garrafas vazias - nessa época, garrafas de vidro tinham valor no mercado - e jornais velhos. O outro, carregava sua bicicleta com vassouras, espanadores e afins e percorria o bairro, religiosamente, apregoando os produtos. Já falei, certa vez, nesse vassoureiro. Era cunhado do principal dono da carvoaria e torcedor do Flamengo, para horror de todos nós, vascaínos. Todos nós jogavámos sueca, com direito a socos no caixote que servia de mesa.
     Na loja de instrumentos musicais vivia um artista, de verdade - Dario Pacheco - ,um jovem acordeonista que aos 15 anos já era maestro e se apresentava na tevê. Quando estava de bom humor, enchia a rua com os sons de sua música. Era uma atração.
     E havia a padaria do 'seu' Aníbal, também português, pai de um dos meus melhores amigos. Perdi a conta das tardes em que fiquei no balcão, ajudando no funcionamento, vendendo bisnagas, fazendo troco. Era algo natural. Tudo para ajudar meu amigo a se sair bem da rotina de trabalho a que era obrigado. De bicicleta, percorria, com ele, a freguesia da padaria - pequenas biroscas mais afastadas que revendiam os pães.
     Quando surgiu uma nova padaria na nossa rua (*), mais moderna, ao lado da Igreja, passei a viver um dilema. O pão era melhor, mais saboroso, do que o produzido ao lado de casa. Para não constranger meu amigo, eu me obrigava a dar a volta no quarteirão nos dias em que decidia comprar o produto do concorrente. Demorava quatro vezes mais para ir e voltar, mas preservava a amizade.

(*) Não consigo lembrar o nome da padaria do pai de meu amigo. Mas não esqueço o da concorrente, talvez em função da consciência ainda pesada: Padaria Lenita.

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