quarta-feira, 25 de abril de 2012

O estigma das cotas

     Sou absolutamente contrário à adoção de cotas raciais, especialmente no ensino superior, que deve ser - antes de qualquer coisa - meritório. E fico muito à vontade para expressar minha opinião. Já escrevi aqui, algumas vezes, que minha bisavó materna - negra - nasceu em uma senzala. Já lembrei, também, que minha mulher descende, pelo lado paterno, de indigenas. Eu mesmo sou neto de emigrantes camponeses quase analfabetos.
     As cotas, na vinha visão, absolvem o país da culpa pela péssima qualidade do ensino, que relega as classes mais pobres - independentemente da 'cor' da pele - a um segundo plano. As melhores universidades, por óbvio, são historicamente ocupadas pelas classes mais abastadas, que conseguem colocar seus filhos em escolas particulares, infinitamente mais bem equipadas do que as públicas.
     Não é, portanto, uma questão de raça, mas, sim, de poder econômico. Quem pode pagar e oferecer apoio paralelo (estímulo à leitura, acompanhamento da vida escolar etc) pavimenta o futuro dos filhos. Cabe ao Estado eliminar essa evidente injustiça social - e não racial.
     As cotas apenas estigmatizam e condenam os menos favorecidos à eterna mediocridade, além de servirem de desculpa para a falta de investimentos reais. A democratização do ensino - em especial o universitário - não pode ser um ato impositivo, mas o resultado de um processo eficiente de valorização da escola, do apoio à infância, da formação mais adequeda e da valorização dos professores. A solução está no combate determinado à segregação social.

4 comentários:

  1. Apesar de adorar uma boa discussão, geralmente evito polemizar via internet, devido às evidentes limitações da plataforma. Mas gostaria, Marco, de compartilhar com você uma experiência.
    Passei anos sem conseguir formar opinião sobre a questão das cotas. Os argumentos contra e a favor me pareciam igualmente convincentes. Até que um dia vi na TV uma matéria em que um jovem de classe média se queixava de que havia ficado de fora da classificação do vestibular por causa das cotas. Não fossem elas, ele teria conseguido a última vaga.
    Naquele momento, olhando aquele rapaz, eu tomei partido pela política de cotas. O menino evidentemente estudara num bom colégio e tivera acesso a todas as oportunidades de acesso a informação (livros, viagens etc.) que as famílias de classe média podem oferecer a seus filhos. Minha primeira conclusão: não fossem as cotas, ele teria passado "raspando". Segunda conclusão: ele não se esforçou o suficiente para fazer mais do que apenas "passar raspando". Terceira conclusão: É justo que quem teve mais facilidades dadas pela vida (leia-se também: e pelo Estado), tenha que se esforçar mais em algum momento. Ou num português mais rude: o "mané" nasce na moleza e quer continuar tendo moleza a vida inteira? Não vejo nada de meritório nisso.

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  2. Também não, Terezinha. Mas, ao menos, ele cumpriu a exigência mínima. que vale para todos. Menos meritório - eu me sentiria diminuído - é ser aprovado com notas baixíssimas, em virtude do tom da pele. Como eu lembro sempre, minha avó era negra, portanto, eu sou afro-descendente e oriundo de uma família pobre, também. Já me imaginou pleiteando uma vaga por cota? O ensino superior não pode 'pagar' pela mediocridade dos investimentos sociais. Acredito que devemos lutar por cotas cada vez maiores, sim, mas de investimento na educação básica.

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  3. A exigência mínima que vale para todos, Marco, pressupõe que todos são iguais. O problema é que alguns são "mais iguais".
    Lembremos que você e eu tivemos a sorte de nascer numa época e num lugar (a então capital federal) em que a educação pública oferecida aos filhos das famílias de trabalhadores, como eu e você, era de boa qualidade. Certamente você, assim como eu, teve que se esforçar muito para entrar na faculdade competindo com jovens que estudaram nas escolas da elite. Mas havia uma chance - tanto que conseguimos. Hoje, não há a menor possibilidade. Eu pleitearia uma cota, sim. E o Bolsa Família também e todas as políticas compensatórias a que teria direito(mas veja bem: nas vezes em que fiquei desempregada, nunca - nunca mesmo - usei meu direito ao salário-desemprego. Achei que seria imoral, porque tinha alguma poupança para me virar até achar outro emprego).
    Um abraço, amigo.

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  4. Essa constatação -alguns são mais iguais - mexe muito comigo, Terezinha. Você tem razão quanto ao 'nosso' tempo (mais meu do que seu). Havia uma escola pública de boa qualidade, que igualava as chances. O grande mal do nosso país - um deles - foi o sucateamento da educação, a falta de estruturação para o futuro. O investimento social não correspondeu à ampliação da base. É mais fácil fechar os olhos à favelização do que investir em habitação. Fazer rodízio de placas do que criar alternativas viárias. Continuo contra as cotas, por achar que elas apenas mascaram o problema maior e nivelam por baixo. Temo que, em alguns anos, nossas universidades públicas repitam o desastre do ensino fundamental e se transformem em depósitos de estudantes sem perspectivas reais. E que a excelência que se exige do ensino universitário migre inteiramente para instituição particulares, caríssimas, acessíveis apenas às classes sociais mais elevadas. Mas, desde ontem, já não me sinto à vontade para contestá-las. Uma decisão unânime como a que aconteceu deve ser respeitada.

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