sexta-feira, 6 de abril de 2012

Recordações de um dia 6

     O dia 6 de abril não me traz boas lembranças pessoais. Há 13 exatos anos, entrei na redação do velho e ainda razoavelmente decente Jornal do Brasil, na Avenida Brasil 500, pela última vez como funcionário, depois de quase 18 anos de trabalho. Na época, eu era um dos 10 ou 12 mais antigos da redação, em tempo corrido. O prédio onde hoje funciona o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia era, de fato, minha segunda casa, onde eu passava no mínimo, 11 horas por dia..
     Já na entrada do elevador das 'docas' (portaria dos fundos, por onde chegavam as bobinas e saíam os jornais prontos para 'consumo'), o primeiro sinal de que alguma coisa não ia bem. Ao cruzar com um companheiro de redação, daqueles poucos que, como eu, chegavam, antes das 10 horas de manhã, ele perguntou se eu sabia de problemas na minha editoria (na verdade, nas 'minhas' editorias, pois eu era o editor dos suplementos de Automóveis - há oito anos - e de Turismo, depois de ter passado pelo velho Copy, Esporte, Nacional e Ciências).
     - Não, não sei de nada", respondi.
     - Dá uma olhada em uma mensagem que foi postada na nossa rede interna. Fala em vocês", alertou e seguiu em frente, para sua primeira matéria do dia. O 'vocês' a que ele se referia éramos eu, Alexandre Carauta (subeditor), João Marcelo e Anderson Vieira, um time afinado e muito amigo.
     Entrei na redação que, àquela hora da manhã, ainda estava praticamente vazia. Pouco mais de uma dúzia de funcionários, a maioria da Geral, repórteres que iniciavam a tarefa a partir das 7 da manhã. Os demais, subeditores, preparavam a pauta que seria discutida em torno de meio-dia, quando se definia a cara do jornal do dia seguinte.
     Foi para meu 'aquário' (saletas com paredes de vidro que eram ocupadas pelos editores) e 'abri' o computador. Era verdade, havia uma 'mensagem à redação', assinada pelo novo (há uns seis meses) editor-chefe, com o qual eu tivera uma - digamos - rusga profissional, quatro meses atrás.
     Um enorme 'nariz de cera' (um texto empolado que nada dizia, na verdade) abria a mensagem, destacando o início de um novo tempo do jornal, já agonizante, e as necessárias mudanças que deveriam ser feitas, para adequar o JB aos novos tempos, à bonanza que se aproximava, à volta por cima, ao sucesso etc etc.
     Já quase no fim da mensagem, a referência à única medida concreta para a empresa subir aos céus, saindo do inferno onde afundava: minha demissão. Descobri, estupefato, que a direção da redação, com o beneplácito da direção da empresa (com a qual eu dividira mesas de almoços recentemente) creditava todos os males que nos afligiam à minha presença.
     Olhei para o 'aquário-mor', reduto dos editores-chefes, e não vi ninguém. As salas estavam fechadas e com as persianas abaixadas. Só um integrante da cúpula estava por lá, o secretário de redação, um jornalista sério e com enorme capacidade de trabalho. Fui até ele e perguntei se ele sabia de alguma coisa. A resposta foi a mais sincera possível:
     - Esses caras (referindo-se aos nossos superios imediatos) são uns covardes. Esperaram você sair ontem à noite para enviar essa mensagem Ficaram olhando pelas frestas da persiana. E foram para Brasília hoje. Assim, não serão obrigados a enfrentar você. Pediram para eu comunicar a demissão. Eu me recusei. Disse que eles teriam de assumir essa safadeza. Se eu fosse você, voltaria para minha mesa e só tomaria uma decisão depois de falar com um deles, cara a cara.
     Respirei fundo, agradeci o conselho, voltei ao aquário, peguei minhas coisas na gaveta que usava há muitos anos e fui recomeçar a vida. Para sobreviver nos dois meses seguintes (o salário de março não havia sido pago, como ainda não foi), costumo brincar dizendo que comemos e bebemos (eu, minha mulher e duas filhas universitárias) o carro da família, vendido para honrar compromissos vencidos e pagar a conta da 'quitanda'.
     Até hoje tento receber o salário pelo mês trabalhado, o FGTS (o JB não depositava), férias (uma vencida e uma vincenda), aviso prévio, 13º proporcional, multa de 40% sobre o Fundo e outros direitos inalienáveis do todo trabalhador demitido. De algum modo, os antigos e atuais donos da marca JB vêm conseguindo escapar da obrigação, graças à incrível complacência da Justiça.
     Em determinada ocasião, um de seus advogados roubou o processo - é isso mesmo, roubou - e só o devolveu, um ano depois, coagido por um mandado de busca e apreensão. Estão todos soltos. Um do antigos donos é presidente de uma prestigiada instituição esportiva carioca. Outro, um empresário de sucesso, milionário, que chegou a receber a 'Medalha do Trabalho', concedida pelo Governo Lula.
     Alguns meses após minha saída, o sujeito que pediu minha cabeça para ceder meu lugar a um amigo desempregado, abandonou o 'navio' e voltou para um antigo emprego. O Jornal do Brasil, sabemos e lamentamos, morreu alguns anos depois, com toda a indignidade possível. Treze anos depois, concluí que não deveria ser o 'único' responsável pela agonia.

     PS: Essas lembranças voltaram em função da data e de alguns textos deletérios publicados pela edição on line do Jornal do Brasil, aos quais tive acesso recentemente.

2 comentários:

  1. Marco Antonio, essas histórias são recorrentes. "Fechei" dois jornais- O Jornal e Jornal dos Sports" e tudo parece um mesmo filme: direitos trabalhistas surrupiados, safadezas pessoais e o que é pior: colegas indignos. O chato é a lentidão de nossa justiça ( com j minúsculo mesmo). Tenho um processo trabalhista que se arrasta há oito anos. Passa de um juiz ao outro sem solução (Paulo Fernando de Figueiredo).

    ResponderExcluir
  2. Oito anos, Paulo? Em gostaria que meu processo - uma simples rescisão unilateral de contrato - ainda estivesse no oitavo ano. Já se vão 13. Como escrevi várias vezes ao TRT, acho que todos estão esperando qyue eu tenha um infarto. Mas já avisei que sou duro na queda.

    ResponderExcluir