Reflexões

     É claro que todos nós vamos notando as mudanças - mais nos outros do que em nós mesmo, é verdade. Menos cabelos (muito menos, no meu caso ...) e mais cinzentos; uma gordurinha indesejável aqui e ali; algumas 'ranhuras' no rosto; aquelas dores na coluna, especialmente no inverno. Mas como tudo é bem progressivo, acabamos nos acostumando às novas e mutantes realidades, naturalmente.
     Até o dia em que, ao virarmos as costas, escutamos - como ouvi ontem, ao ceder à necessidade de chamar um pedreiro para reparar um problema fora do meu alcance - o comentário até carinhoso de alguém bem mais jovem, dirigindo-se ao colega, para quem eu deixara um recado: "João, o coroa daquela casa procurou por você".
     De repente, me dei conta de que o 'coroa' era eu, algo que eu ainda não ainda racionalizo bem. Coroa?
     Meu caro - pensei, não verbalizei, por óbvio -, viajo o país todo, de carro; mergulho em rios e lagos que você jamais imaginou; durmo em barracas, acampado; sou capaz de andar 20 quilômetros de bicicleta; subo nas minhas árvores e zelo para que a piscina esteja sempre limpa para meus netos ...
     Netos. Ao lembrar de Júlia e Pedro, ela a caminho dos nove anos, interrompi meu introvertido discurso e olhei com mais rigor meu reflexo no espelho. Era eu mesmo, não tive dúvidas. E, ao mesmo tempo, era um coroa que me olhava do outro lado. Um coroa que fazia tudo aquilo, mas era - definitivamente - um coroa.
     Um coroa "bem-apanhado", segundo minha filha mais nova, Fabiana, suspeitíssima, desde pequena, minha fã de carteirinha, a quem eu dedicava muitos dos muitos gols que fazia nas minhas peladas de futebol de salão, acompanhadas por ela. Mas, e ainda bem, um coroa.
    
     (*) Dedicado a todos que, como eu, entraram irremediavelmente, e de bom grado, nos 'entas', com o corpinho dos 'trinta' (mais ou menos ...) e espírito dos 'vinte'. E a todos, também, que sonham chegar aqui.