segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O sabor das amoras

Um cacho de amoras silvestres, da Pedra

     Minhas lembranças têm, normalmente, cheiros e sabores. Ao aproveitar, ontem, a 'safra' de amoras silvestres aqui da Pedra, senti mais uma vez o gosto da casa dos meus avós paternos - não conheci os maternos -, encarapitada em um quase beco, no bairro mais carioca do Rio, a Saúde, onde nasci, e de onde tínhamos uma visão quase infinita da Baía da Guanabara. Nos dias claros, o horizonte era recortado apenas pelos mastros dos cargueiros que se espalham ao longo do velho Cais do Porto.
     Com um pouco de fantasia infantil, conseguia ver até mesmo o escritório onde meu pai trabalhava, no armazém 13, ao lado da antiga estação de passageiros. Meus avós - imigrantes portugueses - desembarcaram quase em frente à casa onde moraram enquanto viveram. E era uma casa portuguesa, com certeza, que gravitava em torno da ampla cozinha onde o fogão a lenha estava sempre aceso com alguma coisa saborosa.
     Foi lá, nessa casa, que foi experimentei, pela primeira vez, uma amora silvestre, colhida diretamente do arbusto. A amoreira ficava exatamente após o limite da área 'urbanizada', um galinheiro que garantia os ovos frescos que abasteciam a mesa dividida pelos seis filhos dos meus avós e, mais tarde, pelos netos que por lá andavam. Uma amora roxa, doce, que brotara por ali naturalmente, fruto da semente que algum pássaro depositou.
     A amoreira era a primeira das muitas plantas e arbustos que se espalhavam pelo quintal, encosta acima. Para chegar até lá, precisávamos subir uma enorme escadaria de concreto - que dava acesso, também, a dois quartos usados para acolher filhos e netos que continuavam agregados - e atravessar o galinheiro. Uma aventura, para meninos como eu e meu irmão mais novo.
     Minha amoreira foi uma das primeiras fruteiras que plantei aqui na Pedra, como uma tentativa de preservar momentos especiais. E relembrá-los, com carinho.

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