sábado, 15 de outubro de 2011

Às mestras, com carinho

     Tento ser original, mas nem sempre é possível. Os temas estão por aí, alguns óbvios e quase obrigatórios. O 'Dia do Mestre' é um deles. Na sua página diária em O Globo, o colunista Joaquim Ferreira publica testemunhos de várias personalidades sobre o professor mais marcante de suas vidas. Como escrevo para o meu blog, vou falar um pouco das (todas mulheres) professoras que marcaram minha vida. Professoras, assim, no plural.
     Não há como escapar de citar a primeira delas, Dona Dalva, minha mãe. Foi com ela que aprendi a ler e a escrever, em casa, aproveitando minha enorme vontade de decifrar aqueles conjuntos de letras que falavam sobre o meu Vasco dos anos 1950. O fato de ter nascido em junho, impediu minha entrada na escola pública com seis anos.
     Naquela época, as crianças faziam a primeira série do antigo primário com sete anos. Não havia os modernismos de hoje (os prés e creches oficiais), nem dinheiro para escolinhas particulares. Com paciência e algum método, Dona Dalva foi me ensinando a juntar o o B, o A, o R, outro B, o O, um S e outro A, para formar o nome de um dos meus maiores ídolos no futebol, símbolo de defesas extraordinárias, campeão de tudo no Vasco.
     O relativo sucesso que obteve comigo - entrei diretamente na segunda série, porque já sabia ler, escrever, interpretar e fazer as contas básicas - levou minha mãe a desenvolver um método próprio de alfabetização (ela era enfermeira aposentada) que usou em algumas dezenas de crianças que viveram naquela vila simples de Marechal Hermes, ao longo das décadas em que ela morou lá, antes de mudar, já idosa, para minha casa.
     As outras referências são todas da velha Escola Municipal Evangelina Duarte Baptista, que fica na Avenida Oswaldo Cordeiro de Farias, a mais importante do bairro, a meio caminho entre a estação de trens, o Hospital Carlos Chagas, o Teatro Armando Gonzaga e a Igreja de Nossa Senhora das Graças.

Gladys - a quem coube me entregar o certificado do 'Curso de Admissão' - criou uma legião de apaixonados ex-alunos,
  

   A primeira foi Maria Teresa, que seguia o modelo antigo: séria, magra, cabelo sempre preso num coque, impressionava pela dedicação ao ensino e por quase não sorrir. Maria Augusta - já dediquei uma crônica inteira a ela - era o oposto. Doce, meiga, linda,foi a primeira a despertar minha paixão. Uma paixão inocente, de um moleque de nove anos, mas intensa.
     Hercília era muito bonita, jovem e noiva. Abandonou a todos nós, candidatos a adolescentes, para casar. Gladys foi o extremo dessas relação. Mais velha do que as demais, absolutamente carinhosa, educada, tinha filhos quase da idade dos seus alunos e uma beleza serena, própria, olhos marcantes. No início do ano letivo, eu não entendia bem aquele desfile de ex-alunos que passavam pela nossa sala de aula apenas para dar um alô, rever a antiga professora. Nos anos seguintes, me vi fazendo o mesmo percurso dos que me antecederam na devoção a ela. Sempre que podia, entrava na velha escola para um bom-dia e um beijo no rosto que eu recebia e dava, encantado.

Em tempo: Três outras mestras marcam, hoje, os meus momentos. Isis, professora de Português, minha mulher, deu aulas por 25 anos, nas mais diversas escolas municipais do Rio. Flávia, minha filha mais velha, embora tenha optado logo pelo jornalismo, sua segunda graduação, é formada em História (não quis enfrentar as salas de aula). E Fabiana  - autora de três livros didáticos já editados na rede Yes - é, sem favor, uma referência no ensino de Espanhol.

4 comentários:

  1. Linda e bela homensagem as ´´tias``professoras da vida. Mina mãe é professora,não exerce mais,mas alfabetizou e fez parte da vida de muitas crianças. Elas merecem. Sua mãe foi um belo exemplo, e sempre será um modelo a ser copiado.

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  2. Obrigado, Patrícia. Hoje é muito mais difícil ser professor e ter o perfil dos mais antigos, que trabalham em condições claramente superiores.

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  3. Gostei muito de ler sobre sua mãe, a quem você homenageou como a professora de suas primeiras letras. A mim quem me ensinou foram meu pai e O Jornal, que se dizia "órgão líder dos Diários Associados", que chegava lá em São Fidélis pelo trem da Leopoldina. Na ânsia de aprender,ficava ao lado do meu pai quando ele abria o jornal. Eu pegava um dos cadernos e, ao fim da leitura, era quase impraticável tentar organizá-lo. Ao lado dele, fazia perguntas intermináveis sobre significados de palavras. Nunca perdeu a paciência comigo. Um dia, já pai de dois filhos, perdi a paciência com meu filho por ter agido igual a mim quando criança. Quase morri de remorsos quando a idiotia ranzinza foi embora.
    Na esteira do aprendizado doméstico, fui parar no Grupo Escolar Barão de Macaúbas, que acaba de completar 100 anos, e caí nas mãos de uma educadora exemplar. E aqui aproveito seu espaço para dizer o nome dela com todas as letras: Nadir Barros de Assis. Ela me ensinou a maior parte do que sei até hoje, especialmente a escrever, e me acompanhou até a porta de entrada do curso ginasial. Ela me sonhava médico, mostrou-se levemente contrariada quando me soube jornalista. Mas me abraçou e me abençoou. Ela não sabe o quanto foi importante pra mim. Nunca ligou pra isso.

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  4. Grande e velho (no bom sentido) amigo Romildo. Fiquei feliz com seu comentário. Fizemos praticamente o mesmo caminho. Você em São Fidélis (Leopoldina), eu em Marechal Hermes (Central). Aprendi a ler nas páginas de esporte de O Globo, mas tive o prazer de começar minha vida jornalística no velho O Jornal, que ainda era o líder dos DA e que o ajudou a decifrar aqueles grupos de letras que nos desafiavam. Nossos caminhos correram paralelamente (você no JB e eu no Globo, dividindo notícias para diminuir problemas, ambos na chefia da reportagem - hoje, podemos confessar ...). Abraços. Espero ver você por aqui outras vezes.

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