sábado, 5 de novembro de 2011

Do Dops à Reitoria

     Certa vez, quando já era chefe de reportagem de O Globo, em meados dos anos 1970, fui despertado, em casa, por dois agentes da Divisão de Capturas da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Eles me apresentaram um mandado de 'condução coercitiva', expedido por um juiz trabalhista e, embora lamentando, disseram que eu seria levado a uma audiência, nem que fosse algemado.
     Levei um susto, é claro. Afinal, seria minha primeira prisão formal. Alguns meses antes, fora convocado ao antigo Dops - Delegacia de Ordem Política e Social - para ser interrogado, mas entrei e saí incólume, algumas horas depois, após assinar um documento em que garantia não participar de atividades 'subversivas'. Durante essa 'visita', estive sempre sob a guarda protetora de um dos ex-seguranças do Dr. Roberto Marinho - vou preservar o nome -, que também trabalhava na Secretaria de Segurança, e que foi enviado pelo jornal para me dar cobertura.
     Pois bem. Li o tal mandado e vi que a ordem se originara de um pedido do advogado de defesa do meu jornal, em uma ação em que eu era citado como testemunha contra um ex-companheiro de redação. Como faltei à audiência, para não prejudicar o colega, acabei intimado pelo juiz.
     Consegui, depois de uma longa conversa, que os policiais concordassem que eu fosse dirigindo meu próprio carro, escoltado por eles, mas sem algemas, é claro. Combinamos - e assim foi feito - que eu encontraria com eles na portaria do Tribunal e seguiria, então, para ser apresentado ao juiz, como se estivesse sendo conduzido desde casa. Foi a melhor solução, embora não me livrasse de algumas explicações aos vizinhos, preocupados com aquela movimentação inesperada no tranquilo condomínio onde eu morava.
     Testemunhei do jeito que pude, sem mentir, mas procurando sair pela tangente quando as questões podiam prejudicar o pleito do antigo companheiro, que venceu a questão.
     Estou contando toda essa história apenas para mostrar que a Justiça pode ser rígida, ou flexível, quando enxerga as câmeras de tevês, como aconteceu hoje em São Paulo. Apesar de descumprirem explicitamente uma determinação judicial, que exigia a desocupação criminosa do prédio da Reitoria da Universidade de São Paulo, aqueles encapuzados que quebraram portas e destruíram o patrimônio público ganharam mais dois dias de tolerância.
     Conquistaram o direito de continuar afrontando a lei e a inteligência do país, como se fossem jovens universitários aplicando trotes inofensivos em calouros. Ao ceder à estupidez, a Justiça de São Paulo concedeu, na verdade, uma liminar para futuros atos de vandalismo.

2 comentários:

  1. Lamento saber disso,que você teve sua casa invadida pra comparecer (mesmo que algemado) até o tribunal...que absurdo..como se fosse um bandido. Agora, voltando pra época atual,realmente nos deparamos com muita libertinagem pondo em risco outras pessoas,e livrando os futuros (se não atuais) vândalos universitários..

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  2. Procurei fazer o contraponto. Um juiz, para atender ao que pensava ser o interesse de O Globo, decidiu pela minha condição coercitiva, instrumento legal, frise-se. Em São Paulo, sábado, outro juiz, preocupado com as câmeras, mostrou-se leniente. São momentos.

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