terça-feira, 1 de novembro de 2011

Desafiando o perigo

     Vou me permitir discordar quase inteiramente - o que é raro, sou obrigado a admitir - de um texto exibido hoje na página de Veja. Ao abordar uma ação policial destinada a combater o uso inadequado dos trens suburbanos da SuperVia, a matéria esbarra no que talvez seja uma relativa falta de conhecimento do dia a dia desse mundo ferroviário, de sua história.
     Veja afirma que os policiais, que agiram em parceria com agentes da empresa, exorbitaram ao prender alguns passageiros que impediam o fechamento das portas, pois - alega a revista - ninguém teria prazer em usar o próprio corpo nessa situação.
     Talvez a revista jamais tenha ouvido falar em 'pingentes', personagens que fizeram parte da vida dos nossos (do Rio, ao menos) trens suburbanos durante décadas. É verdade, sim, que a superlotação e o calor favoreciam a prática, especialmente nos anos 1960 e 1970, quando a antiga Central do Brasil chegou a transportar o dobro dos passageiros de hoje. Mas os motivos não eram 'apenas' esses.
     Havia, como ainda há, uma enorme dose de irresponsabilidade, de 'aventureirismo'. Ser 'pingente' era um desafio. Passar rente aos postes era motivo de comemorações - um deles, por derrubar vários incautos, chegou a ser 'batizado' de Belini, o zagueiro campeão do mundo em 1958 e 1962.
     A inegável qualificação do serviço, a redução do número de passageiros e o policiamento ostensivo ajudaram a quase eliminar esse personagem. Mas ele continua vivo, por ignorância, quase sempre, ou por simples prazer de desafiar o perigo, exibição infantil.
     E falo com relativo 'conhecimento de causa'. Fiz uma enorme reportagem, certa vez, ainda no velho O Jornal, ao lado do excelente fotógrafo Ubirajara Dettmar, sobre os perigos do dia a dia de um pingente. Andamos o dia todo, para cima e para baixo, desafiando os tais postes, em uma daquelas matérias interativas que marcaram o estilo da Ultima Hora dos anos 1960 e foram levadas para o O Jornal quando para lá se transferiu uma equipe comandada pelo jornalista Pinheiro Júnior. Fui, durante algum tempo, o 'Repórter OJ', como havia o 'Repórter UH'.
     Não foi difícil, para mim. Afinal, passei minhas infância, adolescência e juventude - vividas no subúrbio de Marechal Hermes - usando os trens. E, não posso omitir, conhecia bem os atalhos do caminho, percorridos quando viajava na porta dos trens, pelo simples prazer de viajar ao vento, desafiando minha arrogância frente ao perigo.

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