quinta-feira, 17 de maio de 2012

O legado das ditaduras

     O pior legado das ditaduras recentes, a cada dia mais me convenço, são as gerações de políticos surgidas no vácuo das liberdades, com as raras e saudáveis exceções, quase sempre pontuais. A falta de informação, as limitações de formação e as deformações ajudaram a criar lideranças inchadas de palavrório de fácil digestão e vazias de conteúdo, com um forte e palatável conteúdo populista e assistencialista, no que essas duas características têm de pior, de mais medíocre.
     Tomemos ao acaso três exemplos, cada um com sua identidade própria: Grécia, Argentina e Brasil. Em todos, por reprimidos, explodiram comportamentos de cunho demagógico e, de certa maneira, irresponsável. O rito de passagem da opressão para a liberdade - especialmente nos dois primeiros casos - foi drástico, gerando o descontrole das atividades, um certo caos nas relações institucionais e uma nefasta tolerância com desmandos.
     A Grécia - a grande referência histórica da humanidade - vive assolada por manifestações extremas, que vão de um ponto a outro do espectro ideológico, misturando xenofobia com defesa de direitos civis. A rotatividade dos governos exibe essa indefinição e explica a enorme crise em que o país está mergulhado e da qual não parece ter forças para emergir.
     Na Argentina, o exemplo mais próximo e doloroso dos males provocados pela violência de Estado, a ditadura deu lugar a uma sequência de governantes medíocres e sem o menor compromisso com o futuro. A irresponsabilidade fiscal levou o país à falência, atirando-o nos braços de personagens demagogos e absolutamente limitados como a atual presidente, Cristina Kirchner, candidata a ser uma Evita de comédia pastelão.
     Nossos vizinhos aceleram fundo para um catastrófico encontro com o atraso. Logo eles, uma referência no mundo que iniciava o século 20.
     E temos o Brasil, o que mais bem lidou com a passagem de uma fase de arbítrio para a democracia plena, apesar da frustração provocada pela lamentável presença, no Palácio do Planalto, de Fernando Collor de Melo - o primeiro presidente eleito pelo voto direto após o período militar e merecidamente cassado.
     Aqui, prevalece a democracia plena, mas turvada pela manipulação populista das camadas mais simples, pelo apego a ideologias soterradas pela história, pela mais simples mediocridade. O único compromisso que vislumbro nos ideólogos atuais é o de perpetuar um esquema de poder, construído sobre conquistas sociais - ninguém pode negar -, mas alicercado em práticas nocivas, como a institucionalização da corrupção e o aparelhamento do Estado.´
     Para ser justo comigo mesmo, tenho que reconhecer que houve uma mudança, leve, mas perceptível, a partir da posse da presidente Dilma Rousseff, interna e externamente. Embora ainda cultivemos uma admiração atávica pela ditadura cubana, por exemplo, já não nos alinhamos automaticamente com o lixo internacional, como ocorreu nos oito anos do governo anterior.
     A corrupção ainda é o grande entrave à nossa afirmação como nação digna, mas - pelo menos teoricamente - vem sendo combatida. O grande problema - insolúvel a médio prazo - é a rede de pilantragens tecida para dar sustentação à base governista, que se renova a cada momento, desde a descoberta do Mensalão do Governo Lula, o maior escândalo da nossa história recente.
     O Brasil não vai conseguir se passar a limpo enquanto conviver com o estigma da corrupção, justificada 'ideologicamente'. Assim como vai patinar na caminhada pela afirmação enquanto ceder à tentação de revisitar o passado com intenções vingativas.
     A solenidade, ontem, de instalação da Comissão da Verdade mostrou que é possível escapar da armadilha do confronto ao estilo greco-argentino, ao reunir todos os presidentes da nova era - até mesmo Fernando Collor. Foi uma demonstração de que podemos construir, sem necessariamente desconstruir. Talvez seja essa a missão maior da atual presidente. Ser a fiadora de um novo momento, livre das amarras impostas pelo sectarismo político.

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