quarta-feira, 23 de maio de 2012

Argumento envenenado

     Sou um ardoroso defensor do texto da lei. Prefiro sempre uma decisão que atenda à Constituição do que ao clamor popular, ou algo semelhante. Se a legislação é falha e já não atende às expectativas da sociedade, há os caminhos naturais - os rituais - para sua modificação, modernização. O problema que nos aparece, agora, no caso das investigações sobre as atividades criminosas do contraventor Carlinhos Cachoeira, não invalida esse raciocínio, embora dê margens a tentativas marginais, destinadas a subverter a essência da legislação em benefício de criminosos.
     É o que está tentando o advogado do contraventor, o ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, ao pedir a anulação das escutas telefônicas produzidas durante as Operações Vegas e Monte Carlo, que jogaram uma torrente de acusações sobre seu cliente e uma penca de notáveis dessa nossa pobre República. A alegação é simples: como as escutas flagraram conversas especialmente com um ainda senador, o desmoralizado Demóstenes Torres, deveriam ter sido autorizadas pelo STF (ele tem direito a foro especial), e não por um juiz de primeira instância.
     É a antiga doutrina dos 'frutos da árvora envenenada', copiada de vários países, em especial dos Estados Unidos. Por ela, todas as evidências e provas obtidas a partir de um ato ilegal não podem ser usadas. Thomaz Bastos sustenta que, durante as operações, o tal senador que defendia a moralidade foi investigado, sem autorização. É a mesma linha de defesa empregada pelo advogado de Demóstenes Torres. Não discutem se senador e contraventor cometeram crimes, e sim se esses crimes podem ser julgados. É o mais puro exemplo de vigarice retórica usada para confrontar e manipular a Lei.
     Ao estabeler essa doutrina, os juristas do início do século passado pretendiam, na verdade, preservar o cidadão, coibir a violência e o uso de outros meios ilegais na busca por informações. A confissão conseguida por tortura, por exemplo, não poderia ser aceita, pois fruto da tal árvore envenenada. A essência é a melhor. Seu uso, no entanto, nos dois casos brasileiros em questão, é absolutamente deletério.
     O envolvimento do senador, deputados estaduais e governadores foi uma consequência das escutas realizadas legalmente, e não seu objetivo. Os policiais miravam atividades claramente criminosas e se depararam com uma impensada ramificação de bandidos pelos corredores do Congresso e de palácios governamentais. Não havia a disposição de burlar a lei para atingir objetivos paralelos. Foi uma notável coincidência.
     Em respeito à essência da Constituição e à decência nacionais, espera-se que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região considere o pedido improcedente, por destilar veneno na sociedade.

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