sábado, 30 de junho de 2012

Desencontros religiosos

     Naqueles idos dos anos 1950, naquele pedaço de Marechal Hermes, o primeiro subúrbio realmente planejado do Rio, a Igreja Católica não tinha rivais. Nos meus caminhos para os campos de pelada e a Escola Municipal Evangelina Duarte Batista - os únicos que eu percorria - não havia templos nem registros de outras doutrinas, seitas e afins. Eu, embora criado sem muito rigor religioso, sequer sabia que existia algo além da fé que a Igreja de Nossa Senhora das Graças anunciava três vezes por dia, soando os sinos.
     Na rua, que era o grande quintal da garotada da Capitão Rubens ainda sem asfalto, eu ouvia algum comentário sobre uns 'macumbeiros' que moravam e batiam tambores a algumas quadras. Para meus ouvidos, aquilo soava como os filmes de terror que eu ainda não podia assistir, mas sabia os enredos, contados pelos mais velhos. É verdade - e começo a lembrar - que na vila operária onde me criei morava um 'espírita', algo que minha imaginação de criança colocava entre o céu e o inferno.
     Mas todos, de alguma maneira e em algum momento, se encontravam em uma das muitas missas rezadas aos domingos, ainda em latim, pois padre Gegório era e continuou sendo conservador e tradicionalista por muito tempo. Anos depois de afastado fisicamente de Marechal Hermes e filosoficamente de qualquer igreja, soube que Gregório havia surtado e fora internado em um manicômio.
     Ia à missa das nove, sim, empurrado por minha mãe. Fazia parte de um ritual, era um fato social que nos aproximava dos demais. Lembro, ainda, o drama de consciência que vivi por algum tempo a partir daquela Sexta-Feira Santa em decidi não ir ao cinema do bairro - o Cine Lux, apelidado por nós de 'Bolinha' - assistir à obrigatória 'Paixão de Cristo'. No ano seguinte, decidi que não faria a Primeira Comunhão.
     Tenho, pela obra social da Igreja Católica em especial, um respeito profundo. Dom Helder Câmara foi uma das minhas referências. Aprendi, com o tempo que alargou meus horizontes e conhecimentos, a importância da fé na sociedade, para o bem e para o mal. Entendo perfeitamente o impacto que vem atingindo o catolicismo aqui no Brasil, nos últimos anos , e que é o tema principal de O Globo, hoje.
     A desesperança impulsionou as novas seitas. Multidões trocam diariamente o relativo conformismo da Igreja Católica pelas promessas de ter o céu na terra, já a partir do pagamento da primeira prestação. Ao contrário dos planos de saúde, as novas igrejas alardeiam que não há prazo de carência. O fenômeno dos pastores eletrônicos, comuns nas tevês americanas, só há pouco tempo assumiu proporções tão agigantadas por aqui.
     É óbvio que essa mudança do perfil religioso não é simplesmente boa ou ruim. Havia um espaço livre no mercado, e ele foi sendo ocupado com maestria, suprindo as necessidades que já não vinham sendo atendidas. Paralelamente à exploração das limitações culturais de uma população que olha com bons olhos a aquisição de bens materiais, há um componente comportamental que a reportagem de O Globo capta bem: a interpretação mais radical da Bíblia é uma arma contra a atração exercida pelo mundo do crime e das drogas.
     Para reagir e tentar reconquistar seis fiéis, só restaria a Roma render-se à mágica do marketing, essa máquina de fabricar realidades. No Brasil, bastaria olhar para os índices de aprovação da presidente Dilma Rousseff e do encantamento ainda produzido por Lula. Não há milagres mais notáveis.

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