quarta-feira, 20 de junho de 2012

A dor da desilusão

     A mulher de Nicola Polpetone, Dona Lúcia, já não sabia o que fazer para ajudar o marido. Tentou consolá-lo, no primeiro momento. Falou do Palmeiras, contou uma história engraçada do neto, preparou o melhor macarrão da sua vida, caprichado, com um molho de tomates que ela fez questão de escolher, um a um, na quitanda da esquina. Nada.
     Nicola sequer teve coragem de abrir o caderno esportivo da Folha. Para não magoar a mulher, fingiu prazer no almoço antecipado que marca todos os seus dias, antes de sair de casa para enfrentar o trânsito de São Paulo, no comando do táxi que sustenta sua família há tanto tempo.
     Há um bom par de anos ele decidiu que já não valia a pena - e nem carecia - despencar-se lá do Braz ainda de madrugada, à cata de passageiros. Ao longo do tempo, formou uma clientela cativa, que garantia seu sustento. A casa estava paga, assim como o carro, o último modelo do Volkswagem Santana que ele não trocava por nenhum desses que estão por aí. Os meninos estavam criados e quase independentes. Quem diria que ele, primeira geração de filhos de imigrantes, resolveria a vida tão bem.
     Hoje, Nicola pode se dar ao luxo de, ao menos, tantar fugir dos alucinantes engarrafamentos, do tempo perdido parado sem ter para onde ir. Trabalha entre os dois grandes momentos da cidade. Mas está desolado. Chegou a errar o melhor caminho para os Jardins. Perdido em seus pensamentos, seguiu em frente, depois do farol, quando deveria dobrar à esquerda.
     O cliente, antigo, daqueles conquistados durante os 30 anos de idas e vindas por São Paulo, não reclamou e aceitou as desculpas envergonhadas de seu Nicola. Mais do que sabia, adivinhava o sofrimento do motorista que virou um bom amigo.
     Dona Lúcia também sabia a causa de tudo, da desilusão de Nicola, do seu desencanto. Aquela fotografia do Dr. Paulo ao lado daquele sujeito atingiu em cheio o marido. Ele não podia entender como é que alguém que fez tanto por São Paulo e pelos motoristas podia apertar a mão daquele que era o chefe dos chefes do maior assalto aos cofres públicos já registrado no país; daquele homem que mentiu tanto, que vem enganando o povo mais ignorante há tempo tempo.
     - Um sujeito que é capaz de pisar no pescoço da mãe para conseguir o que quer", resmungava, enquanto preparava o lanche da noite para o marido. Ela também não conseguia admitir que Dr. Paulo aceitasse apoiar alguém "useiro e vezeiro" de tantas traições, de "vender a alma ao diabo", que - na verdade, ponderou para si mesma - "era o próprio diabo", mas não deixou que isso a abalasse muito. Tinha coisas mais sérias para pensar.
     Caprichou no presunto, dessa vez.

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