terça-feira, 27 de março de 2012

'Parabéns', Maria do Rosário

     Ontem, foram calçadas e muros pichados. Amanhã - quem sabe? - apedrejamento em praça pública. A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, deve estar comemorando o resultado de sua irresponsabilidade, ao pregar, publicamente, punições para os agentes do governo envolvidos na repressão durante os 21 anos da ditadura militar (1964 a 1985).
     Esqueceu que, como representante do Estado, não poderia, jamais, ter se pronunciado contra a essência de uma lei - a Lei da Anistia - em vigor, votada e aprovada democraticamente. Ao estimular o revanchismo - e foi exatamente isso o que essa senhora fez -, abriu caminhos inimagináveis e deu o aval oficial a atitudes inconsequentes. Imaginemos que um dos acusados de crimes durante o período militar estivesse chegando em casa na hora em que os manifestantes decidiram pichar sua calçada. Ou que estivesse levando seus netos para a escola. O confrontamento seria inevitável.
     Não se trata de defender torturadores e afins - absolutamente indefensáveis, por definição. Já escrevi algumas vezes que a tortura, para mim, se inscreve entre os atos mais indignos praticados pelo ser humano. E quando ela, a tortura, é praticada por agentes do Estado, assume um inequívoco caráter de vilania. Eu jamais apertaria a mão de alguém que torturou. Como também não abraçaria alguém que foi capaz de executar um pai na frente dos filhos e da mulher, em nome de uma vingança.
     O acirramente de ressentimentos, provocado pela - insisto - irresponsabilidade de um representante do Governo, no entanto, não ajuda o país. A contrário, reabre feridas. Conhecer a verdade sobre seu passado é um direito de todos, mas de maneira independente, limpa, sem subterfúgios. E que seja uma verdade completa, que avance na nossa história recente com o distanciamento ideológico necessário.
     Ao referendar propostas claramente punitivas, o Governo, através de alguns de seus representantes, comete um atentado contra a lei, justifica uma 'caça às bruxas' irresponsável. Gostem alguns, ou não, o Brasil livre e democrático de hoje é o resultado de uma concertação que atendeu aos anseios da nação em um momento decisivo de sua vida.
     Para reflexão, transcrevo, abaixo, um trecho da obra do mais respeitado jurista brasileiro, enviada por um amigo. Nesse trecho, a visão clara e objetiva do conceito de anistia.

     "A anistia, que é o olvido, a extinção, o cancelamento do passado criminal, não se retrata. Concedida, é irretirável, como é irrenunciável. Quem a recebeu, não a pode enjeitar, como quem a liberalizou, não a pode subtrair. É definitiva, perpétua, irreformável. Passou da esfera dos fatos alteráveis pelo arbítrio humano para a dos resultados soberanos e imutáveis, que ultimam uma série de relações liquidadas, e abrem uma cadeia de relações novas. De todos os direitos adquiridos este seria, por assim dizer, o tipo supremo, a expressão perfeita, a fórmula ideal: seria, por excelência, o direito adquirido. Ninguém concebe que se desanistie amanhã o indivíduo anistiado ontem. Não há poder que possa reconsiderar a anistia, desde que o poder competente uma vez a fez lei."

     O autor? Rui Barbosa (*).

(*) Obras Completas de Rui Barbosa, V. 24, t. 3, 1897. p. 38.

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