quarta-feira, 14 de março de 2012

Desarranjo moral

     Há alguns dias, um amigo de quem divirjo ideologicamente, admitiu que não vinha lendo com a antiga assiduidade os textos que tenho escrito: "Você tem batido muito na gente", justificou-se. Minha resposta saiu naturalmente, sem qualquer sentido oculto: "Na 'gente', quem? Você faz parte desse grupo que vem assaltando os cofres públicos, mentindo, comprando e vendendo consciências em troca de um projeto de Poder?"
     Não. Eu sei que ele não faz, nunca fez. Mas entendo o quanto deve ser difícil para um antigo militante do que se convencionou chamar de esquerda (seja lá o que isso for) admitir que defende um modelo vigarista, comprovadamente corrupto, capaz de perpetrar os ataques mais vis à dignidade do país, para perpetuar um projeto de Poder. "Mas o país melhorou", poderia ter argumentado.
     E eu não teria o menor constrangimento em dizer que sim, que o Brasil é um país melhor, hoje, do que era há dez anos, menos desigual. O preço que estamos pagando por isso, no entanto, me parece além da nossa capacidade de reação. Jamais convivemos com tanta desenvoltura na arte de sofismar, de trilhar caminhos desonestos, de apropriação de bens públicos, de loteamento de cargos, de nomeações e demissões ao sabor dos interesses menores de momento.
     Nossos governantes, a partir da impunidade - sim, impunidade - dos artífices do maior escândalo na nossa história, o Mensalão, parece que perderam a vergonha de atropelar os mais modestos indicadores de decência. Nunca tantos se apropriaram de tanto, em tão pouco tempo - apenas nove anos. Os recentes desarranjos nos intestinos de Brasília mostram bem a que ponto chegamos.
     Vivemos uma espécie de mensalão institucionalizado. Tudo é permitido, desde que favoreça a perpetuação do atual esquema de poder. Temo que não tenhamos força para, no futuro, sair desse atoleiro político em que estamos afundando. E que só não se transformou num colapso total - moral e econômico - graças ao bom momento que vivemos nos últimos anos, calcado no crescimento da China, em especial. Um momento que, como o último PIB demonstrou, pode ter passado.

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