terça-feira, 13 de março de 2012

Entre a emoção e a lei

     Por acaso, conheci duas das cinco pessoas listadas pelo Ministério Público Federal como vítimas de sequestro seguido de desaparecimento durante os combates travados na região do Rio Araguaia, no início dos anos 1970. Uma delas morava no mesmo bairro em que me criei, Marechal Hermes. Estranhei a ausência, nessa relação, de outro nome, o de um jovem ligado estreitamente às duas desaparecidas: era irmão de uma delas e namorado de outra.
     Conheci bem o pai e os irmãos mais novos desse casal de irmãos. O pai era o dono da principal farmácia e presidente do clube mais importante do bairro. Ninguém que os conhecia jamais imaginou que teriam um fim tão trágico, que marcou definitivamente a família. O rapaz, se levarmos em conta a idade e a projeção social no bairro, era o que se considerava um exemplo de comportamento, de simpatia. Um dia, desapareceu, ao lado da namorada e da irmã.
     Eu vi, nos olhos do pai que perdeu os filhos, a dor que o consumiu durante anos. Era um homem antes, outro depois. Imagino o sentimento dos irmãos, hoje, ao receber a notícia da denúncia do suposto responsável pelas mortes, o então major Sebastião Curió Rodrigues de Moura, hoje coronel reformado. E compreenderia sua emoção. Não há parâmetros para a dor.
     Talvez sentisse o mesmo, se meu irmão, quando foi preso ao participar de uma manifestação estudantil, tivesse desaparecido. Para alívio de nossa mãe, que perdera o marido recentemente, ele foi solto dois dias depois. Ficou apenas sem os cabelos, raspados com máquina zero. Ou - quem sabe? - se eu mesmo não tivesse voltado incólume do antigo DOPS, onde fui depor, a 'convite', sobre supostas atividades subversivas. É um sentimento humano, que extrapola a racionalidade.
     Não consigo, entretanto - como um crítico que procura olhar os fatos com imparcialidade e distanciamento histórico -, admitir que representantes da Justiça insistam em atropelar a Lei e uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal, que referendou os termos da Lei da Anistia. Nesse caso, em especial, não há, sequer, o argumento da busca pela verdade. Os procuradores querem, sim uma condenação, argumentando que houve um sequestro seguido de desaparecimento, o que tornaria o crime permanente e, portanto, sujeito a julgamento.
     Políticos podem - embora eventualmente não devessem - usar subterfúgios para justificar suas posições. Representantes da Lei, não.

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