terça-feira, 21 de agosto de 2012

Casaca, casaca !!!

     Hoje é um dias especial para a enorme legião de apaixonados pelo Clube de Regatas Vasco da Gama. Há 114 anos, um grupo de 62 jovens portugueses (em sua maioria) e brasileiros fundou o que se transformaria em uma legenda no esporte mundial, com conquistas inesquecíveis e heroicas. A principal delas, talvez, a derrubada do preconceito racial e social no futebol, em 1924, quando optou por ficar ao lado dos campeões de 1923, que os demais clubes - elitistas e racistas - tentavam excluir.
     Os nomes dos nossos primeiros herois não deixam dúvida quanto à origem: Nélson, Leitão e Mingote; Nicolino, Claudionor e Artur; Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito. E foi com eles que o então presidente José Augusto Prestes ficou. Em uma carta histórica dirigida à presidência da Associação da época, exibiu toda a sua indignação:
    
     "Estamos certos de que Vossa Excelência será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à Amea, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923 (...) Nestes termos, sentimos ter de comunicar a Vossa Excelência que desistimos de fazer parte da AMEA".
     O Vasco - que já fora o primeiro clube a ser dirigido por um negro - inaugurava, ali, um novo momento também na afirmação da nacionalidade brasileira. Foi por esse Vasco que eu me apaixonei muito cedo e que me me levou a aprender a ler antes mesmo de entrar para a escola, nas páginas esportivas de O Globo. Eu queria saber mais do que as emoções que as fotos de Barbosa e Belini exibiam.
     Foi esse Vasco que encantou e ainda encanta milhões de brasileiros, como a escritora Rachel de Queiroz (1910/2003), nossa primeira acadêmica, que deixou para todos nós a crônica que divido com vocês hoje.

          Por que sou vascaína    
     Como é que eu sou vascaína? Não sei. Amor é assim: você vai atravessando a rua e de repente vê um cara e ele te olha, você olha para ele e pronto: apaixonou!
Comigo e o Vasco também foi assim. Mocinha, mocinha, desembarquei do meu lta, vindo do Ceará.
      Era sábado, no dia seguinte me levaram para assistir a um jogo. Vasco e Fluminense? Acho que sim. Meu tio, vascaíno, me explicou que o Vasco era uma das mais puras expressões do Rio - o português-carioca -, aqui nascido ou aclimado, nesta cidade que eles fundaram e que, já antes de D. João VI, amavam apaixonadamente. Foi um jogo difícil, mas o Vasco venceu. Terá sido aquela vitória suada que me conquistou? Ou a celebração, a gente num carro de capota arriada (ainda havia disso) atravessando a Avenida, cantando e soltando vivas ? Não posso explicar. Como já disse, não se explica: acontece.
      E desde aquele primeiro jogo, nunca mais deixei o Vasco. Em casa o marido era Fluminense - erro dele!
      E por mais que Zé Lins do Rego, o amigo fraterno, fizesse tudo para me arrastar ao Flamengo - até pela imprensa, no Jornal dos Esportes! Eu ficava inabalável. Edilberto Coutinho sabe disso e conta.
      Daí para cá, nestes longos anos, tivemos de tudo - vitórias, anos magros, campeonatos (o Expresso da Vitória) lembram? E quando a concentração era na Praia do Barão, na Ilha do Governador, nós morávamos lá, a gente se visitava. E nas vezes em que o time chegava, Ademir, Barbosa, os outros, era a glória do quarteirão!
      Lembro até um episódio dessa época - foi na década de 50? - os anais do clube dirão. A gente já ganhara o campeonato, mas teve um jogo de arremate; era com o Olaria, e lá fomos nós, sacramentar o título na tribuna de honra. Mas não sei se os nossos rapazes tinham comemorado demais na antecipação segura, sei que a nossa situação foi ficando incômoda: o Olaria estava um brilho só. Não é que o título perigasse, mas podia ser um vexame. E o mais aflito era o presidente do Olaria, o hospedeiro, suando no seu terno branco, constrangidíssimo. A sorte é que de repente mudou, e salvou-se a honra. Todos respiramos - mas o susto foi grande.
      Na noite de festa em que me deram a carteirinha de sócio honorário, escusei-me de fazer discurso, ao recebê-la, mas fiz uma promessa: "Juro que jamais a rasgarei em momentos de desespero !" A promessa foi cumprida; e ainda guardo a minha carteirinha, linda, entre os meus documentos mais preciosos.
      Viva o Vasco!
      Rachel de Queiroz



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