terça-feira, 21 de agosto de 2012

A propósito de alguém genial

     Nélson Rodrigues já era gênio há quarenta anos, quando parte da turma que atualmente - quando se comemora seu centenário de nascimento - o venera torcia o nariz às suas peças, livros e crônicas. O mínimo que se dizia dele é que era um reacionário, quando, na verdade, foi, desde sempre, um inovador, um provocador irônico, criativo, instigante e - qualidade imperdoável - agressivamente inteligente.
     Cobravam dele - e ninguém está me contando isso, pois vivi essa época, além de ter tido o prazer de ser contemporâneo de Nélson em O Globo, na década de 1970 - um engajamento político que não o caracterizava. Jamais lhe perdoaram os afagos ao regime militar, atribuídos à expectativa de que seu filho, o também jornalista Nelsinho, saísse incólume da prisão.
     A genialidade, que aflorava em um teoricamente simples texto sobre o futebol e seus personagens, destinados coluna À sombra das chuteiras imortai', no entanto, foi maior do que o radicalismo que repudiava suas imagens absolutamente únicas, como o 'padre de passeata' e a 'estudante da PUC de calcanhar sujo', referências a personagens absolutamente caricatos que ele exibia com um humor que transcendia a sua época.
     Lembro bem dos cumprimentos matinais que trocava com ele, ao chegar para cada novo dia de trabalho na redação ainda vazia de O Globo, a partir de junho de 1973 e por um bom período. Nélson escrevia sua crônica pela manhã, aboletado na Editoria de Esportes, que ficava - nessa época - quase em frente ao corredor de acesso à redação e era minha parada obrigatória para uma conversa com Henrique Lago, o Laguinho, filho de Mário Lago, antigo companheiro de caserna e que me ciceroneou pelo prédio, quando desembarquei na Rua Irineu Marinho 35, vindo de O Jornal.
     Mesmo já tendo uma produção intelectual de enorme consistência, Nélson amargava momentos de cobrança e preconceito, superadas exclusivamente graças ao seu gênio.

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