sábado, 7 de julho de 2012

A infâmia retratada

     As fotos publicadas hoje em O Globo, de vítimas do regime militar instituído no país em 1964, são chocantes, pela violência que explicitam. É impossível olhar para os corpos como o da jovem guerrilheira Maria Lúcia Petit ou do jornalista Vladiir Herzog sem ficar horrorizado. A crueza das imagens em preto e branco, sem retoques, pragmáticas, contribuem para essa sensação. Elas - as fotos - jamais deveriam ter ficado ocultas, pois são um antídoto contra surtos de intolerância.
     Os aliados - as tropas dos Estados Unidos, em especial - fizeram questão de registrar em fotos e filmes as atrocidades cometidas pelo regime nazista contra judeus, principalmente, e que se revelaram quando da libertação dos campos de concentração. Fizeram mais: convocaram todos os moradores das cidades onde os campos funcionavam para encarar de perto, sem subterfúgios, o mal que era produzido nesses lugares.
     Foi um tratamento de choque, duro e incisivo. Ninguém, a partir daquelas constatações, poderia ignorar as barbaridades que eram cometidas pelo regime nazista. As evidências do grau de desatino que pode atingir o homem estão todas registradas. Há, infelizmente, personagens nefastos que ignoram a história e as atrocidadas cometidas por fanáticos. Um deles é o presidente iraniano, Mahamoud Ahmadinejad, que nega o Holocausto, mesmo confrontado com os registros históricos.
     A exposição das fotos desse período sangrento da vida brasileira só foi possível graças à Lei de Acesso à Informação. A partir dela, o Arquivo Nacional liberou o acesso público a algo em torno de cinco mil fotos produzidas por agentes do regime militar e que faziam parte do arquivo do antigo Serviço nacional de Informação (SNI) e estavam na atual Agência Brasileira de Informação, a Abin.
     Pena - e eu lamento sinceramente - que não haja a mesma dedicação à verdade histórica quando as vítimas são fruto da insânia dos guerrilheiros de então. Circulam na internet, por exemplo, fotos dos pedaços do corpo do jovem soldado Mário Kosel Filho, assassinado quando estava de serviço em um quartel paulista. Deveriam estar expostas ao lado das divulgadas hoje. Ocupantes de um carro atiraram uma granada, tirando sua vida. Ele tinha 19 anos, pertencia a um grupo da Igreja Católica e, como milhões de jovens, prestava o serviço militar obrigatório, naquele conturbado 1968.
     As imagens do corpo despedaçado são acompanhadas por um depoimento sofrido dos pais do ex-soldado. E por uma acusação ignorada: um dos ocupantes do carro de onde partiu a granada seria a atual presidente Dilma Rousseff. Mentira? Que se exponha a realidade.
     Vendo as fotos - as de Herzog e a de Kosel, em especial -, imagino que uma tragédia semelhante poderia ter me vitimado, nos - digamos - dois lados em confronto, pois deles participei. Assim como Vladimir, sou jornalista, combati o regime militar com ideias e fui convocado a depor, como investigado, no antigo Dops carioca. Saí da entrevista, algumas horas depois, inteiro, felizmente. Ele não saiu. Foi morto.
     E assim como Mário Kosel, com a mesma idade, também servi ao Exército em um período muito próximo. Como parte da minha formação (cursei o CPOR-RJ), tirei serviços de guarda, de madrugada, armado e tenso, na calçada do nosso quartel, ali em São Cristóvão, ao lado da Quinta da Boa Vista, onde hoje funciona um museu militar. Um ano depois, já aspirante da arma de Infantaria, fiz o estágio obrigatório à promoção ao posto de 2º tenente R2, no antigo Regimento Escola de Infantaria, na Vila Militar. E novamente fiquei exposto, embora jamais - como o jovem soldado - estivesse envolvido em atos indignos.
     São experiências de vida que aprofundam minha convicção de que só uma verdade completa, inteira, sem máscaras, pode redimir o Brasil.

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