sábado, 18 de fevereiro de 2012

O retrato de uma chantagem

     A história que vocês vão ler, logo abaixo, é absolutamente verdadeira e aconteceu esta semana, aqui, no Rio de Janeiro. Para preservar seus personagens, estou omitindo seus nomes e o de empresas envolvidas. É um exemplo do grau de dissolução dos nossos órgãos de segurança em especial. Um exemplo do quanto a vida nessa cidade pode ser perversa e canalha, quando confronta pessoas de bem com bandidos disfarçados de agentes da lei. Ela poderia ter acontecido com qualquer um de nós, com um dos nossos filhos, amigos. Vamos a ela:
     Um jovem engenheiro veio viver no Rio há pouco tempo, com a família. Convidado por uma empresa de médio porte, aceitou o desafio de mudar de cidade e administrar a construção de um empreendimento imobiliário em um subúrbio carioca. Para alguém tão jovem e que acabara de casar e ter um filho, era a perspectiva de deslanchar na carreira, exibir o conhecimento adquirido ao longo dos últimos anos, em cansativos estágios e funções menos relevantes.
     Veio com tudo: família e uma enorme esperança. O trabalho ainda estava na fase bem inicial e exigia, entre outras tarefas, a constituição de uma equipe de profissionais. Feita a seleção, e por escolha dos operários, optou por instalá-los em uma casa vizinha ao canteiro de obras, alugada para uso do grupo. Não sabia, sequer podia imaginar, o quanto essa atitude teoricamente simples sairia cara. Mas vamos voltar um pouco no tempo.
     Logo depois da instalação do canteiro de obras, o jovem engenheiro começou a se deparar com algo a que não estava acostumado: a visita constante de um grupo de policiais da Delegacia de Policia Especial de Meio Ambiente, sob a alegação de estarem vistoriando a obra. Na primeira vez, argumentaram que o solo onde a obra seria executada estaria contaminado. Nenhum órgão ou pessoa pode afirmar algo assim sem que, antes, seja elaborado um laudo, laudo esse que demora em média 60 dias para ficar pronto.
     Sem motivos ou razões para 'enquadrar' o engenheiro, os policiais enviaram, formalmente, um convite para que a empresa apresentasse uma lista de documentos, no que foram atendidos. Não demorou muito, no entanto, para que o verdadeiro motivo das 'inspeções' aparecesse: eles queriam receber uma taxa semanal para deixar o trabalho prosseguir 'sem problemas'. Extorsão, pura, simples e vagabunda.
     A reação, comum aos jovens e idealistas, foi a que se pode imaginar: ignorou a chantagem e disse que não tinha o que esconder, pois tudo estava rigorosamente em dia na 'sua' obra. E foi levando o trabalho. Já havia quase esquecido do último incidente quando foi surpreendido, no dia seguinte, por uma 'batida' policial na tal casa que estava alugada para os operários.
     Uma equipe de agentes da lei invadiu o local e um perito 'descobriu' que havia uma ligação clandestina na rede de esgotos e desvio de energia elétrica, exatamente o que acontece em 100% das residências de todas as favelas cariocas e em pelo menos 50% das casas suburbanas em geral.
     Para evitar que o mestre de obras fosse preso, o jovem engenheiro assumiu a reponsabilidade, não pelos delitos, que sequer sabia que existiam, mas pela casa alugada. Enquadrado em dois crimes (furto e energia e dano ao meio ambiente), foi preso, enfiado em um camburão e levado para o xadrez da Polinter, onde foi jogado em uma cela repleta de criminosos, sem direito algum.
     Foram as 30 horas mais dramáticas da vida desse jovem, um quase menino, até que um advogado contratado pela empresa conseguisse o habeas-corpus que o tirou da prisão poucos minutos antes de ser transferido - sim, é isso mesmo, transferido - para Bangu I. Na cela, acuado, pagou para usar o celular de um prisioneiro e conversar rapidamente com a mulher. Pela grade, ouvia as conversas que chegavam do pátio, entre bandidos travestidos de policiais. Não dormiu um minuto sequer, apavorado.
     No lado de fora - sem poder, ao menos, falar com o companheiro de trabalho - outros dois jovens acompanhavam, solidários, seu drama, temendo o pior: a transferência para Bangu, cabeça raspada, uniforme de prisioneiro e todas as consequências imagináveis em uma situação como essa. E mais: ouvindo, a todo instante, gracejos de 'policiais' sobre o risco de a transferência sair a qualquer momento, já que o advogado estaria demorando muito. 'É bom acelerar, ele pode seguir a qualquer momento', debochavam.
     Nem mesmo a documentação da Justiça, ordenando a soltura, acabou com o sofrimento. Para driblar burocracias, foi preciso que amigos e parentes fizessem uma 'vaquinha' e arrecadassem R$ 1 mil para garantir o andamento rápido da libertação. Dinheiro vivo, entregue na mão dos policiais e que, segundo eles, iria para o delegado. Até o advogado colaborou. 'É melhor pagar", admitiu.
     A obra citada faz parte do programa Minha casa minha vida, da Caixa Econômica Federal. E os 'policiais' sabem que nesse tipo de empreendimento a Caixa paga de acordo com o andamento físico da obra. E sabem que uma semana de obra parada geraria um prejuízo irrecuperável. E se aproveitam da situação.
     Esse é um retrato do Brasil, sem fantasias, sem máscaras.

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