domingo, 5 de fevereiro de 2012

O Índio de Marechal

     A história de um personagem que marcou tristemente o carnaval de 1956, em Marechal Hermes, subúrbio onde eu cresci, contadoa aqui ontem (o caso da enfermeira Maria da Penha, que matou e esquartejou o marido), despertou outra lembrança que, não por acaso, também remete aos dias de folia.
     Existia no nosso bairro um enorme e muito bem treinado 'bloco de índios', que desfilava não só por nossas ruas, mas por vários subúrbios. Era formado por quase uma centena de jovens, fantasiados à perfeição, com seus cocares, pulseiras, colares e tangas de penas, corpo pintado, arcos e flechas e uma coreografia que remetia às festas no Xingu. Virou uma atração, sem dúvida, mas mexia com os temores da garotada, tamanha era a realidade das apresentações. Mas eram índios do carnaval.
     Um dia, no entanto, surgindo do nada, nossas ruas se viram palco para o desfile de um único pensonagem: alto, forte, entre 30 e 35 anos, uma sacola às costas, calção curto, sem camisa e com um cocar de penas. Era o 'Índio'. Ninguém sabia de onde ele viera e como chegara. De repente, apareceu. Não falava, sequer olhava diretamente para as pesoas. Andava de um lado para o outro da principal avenida do bairro, a Oswaldo Cordeiro de Farias.
     Em pouco tempo gerou uma série desencontrada de informações. Dizia-se que era um antigo paraquedista que perdera a razão e ficara por ali, perdido (Marechal Hermes é um bairro cercado de quartéis e pouso de uma Base Aérea). Outros diziam que era um criminoso que acabara de sair da prisão. As mães temiam pela segurança dos filhos e, principalmente, filhas, vítimas potenciais.
     As pessoas se afastavam do caminho, quando ele passava. Ninguém ousava enfrentá-lo, questionar sua origem. O 'Índio' passou a habitar o imaginário do bairro, criando temores e ampliando precauções. Mas jamais teve uma atitude agressiva, desrespeitosa. Comia as sobras que alguns bares ofereciam, sentado em alguma sombra.
     À noite, escolhia as ruas mais desertas e arborizadas , como a atual e urbanizadíssima Xavier Curado, para dormir. Com o tempo, incorporou-se à nossa paisagem. Ainda provocava sobressaltos na garotada, mas não gerava maiores medos.
     Certa manhã, Marechal Hermes acordou e notou que o Índio desaparecera, assim como chegara. Nessa época, já procurávamos descobri-lo em algum lugar mais remoto. Nada. O Índio já não mais andava pelas nossas ruas. Jamais soubemos se morreu ou, simplesmente, cansou do nosso bairro e foi desfilar sua história em outras avenidas.

2 comentários:

  1. Recebi de Paulo Sérgio, amigo desde sempre:
    "Marco, você me fez lembrar daquele personagem de Marechal da nossa época. Confesso que, no mínimo, há uns cinquenta anos que não lembrava disso... Que fim será que o índio levou?"

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  2. Parodiando Chico Buarque, assim como veio, o Índio partiu, não se sabe para onde, Paulo ...

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