sábado, 4 de fevereiro de 2012

Lembranças de um certo carnaval

     Venho notando, com o tempo, que sábado, para mim, rima com Marechal Hermes, subúrbio distante encravado na área de influência dos trens da Central do Brasil, onde passei infância, adolescência e início da vida adulta. Talvez pela sensação de folga no fim de semana, de descompromisso com os fatos, com o dia a dia brasileiro. A lembrança de personagens e situações tem sido recorrente.
     Das rodadas de sueca (jogo de cartas disputado em duplas) sob um telheiro da carvoaria vizinha à minha casa, às peladas de rua, às pipas em cima do telhado e aos desfiles de adolescentes e jovens pela avenida principal do bairro, especialmente depois da 'missa da seis' de domingo na Igreja de Nossa Senhora das Graças, programa obrigatório para todas as mocinhas naqueles anos 1960.
     Nós, rapazes, mostrávamos nossa rebeldia simplesmente ficando em casa para escutar ou ver (os que tinham televisão) o futebol. A missa já não nos seduzia, a não ser como um ponto de referência para os galanteios e olhares destinados às nossas musas de então.
     Marechal Hermes era assim, um lugar com cara e modos de cidade pequena, pacato, onde quase todos se conheciam. Por isso - a proximidade do carnaval me remeteu, sem motivo algum aparente, a essa trágica lembrança -, causou tanto espanto saber que uma vizinha (morava a pouco mais de duzentos metros da minha casa), auxiliar de enfermagem, cometeu um dos crimes mais bárbaros daquela época (1956): matou o marido, esquartejou e espalhou partes do corpo por diversas praias cariocas.
     A irreverência popular, no entanto, conseguiu até mesmo brincar com aquele ato bárbaro. Sem que soubéssemos como, logo surgiu uma música, parodiando um sucesso cantado por Emilinha Borba ('Pescador Granfino', de Braguinha). E, assustados - eu tinha apenas sete anos -, ouvíamos turbas entoando, nas ruas:

     "Maria da Penha, pretinha infernal;
     Autora do crime ocorrido em Marechal;
     Esquartejou o marido,
     Para brincar o carnaval;
     Botou as pernas em Ramos,
     O corpo em Sepetiba;
     E a cabeça neca, de pitibiriba."

     Como acontece na vida real, nem sempre as lembranças sabem a amora silvestre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário