quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

É hora de honrar o passado

     O Globo destaca, hoje, um assunto que, aqui no Blog, abordei há cinco dias, no último sábado: a crítica dos presidentes dos clubes militares às recentes declarações revanchistas de ministros do Governo Dilma. Foram críticas duras, mas circunscritas em uma zona que podemos chamar de respeitosa.     
     Há, não resta dúvida, uma insatisfação com a, no mínimo, omissão da presidente da República em relação a discursos e propostas que contrariam até mesmo sua pregação quando candidata. Queixam-se os militares - todos da reserva, mas ecoando, claramente, um sentimento que é da maioria da tropa - da recorrente discussão de punição para os envolvidos na repressão, quando a Lei da Anistia teria colocado uma pedra sobre o assunto, circunscrevendo-o à história.
     Têm razão. E todos os que viveram aquele momento do país são testemunhas que foi forjado um grande acordo envolvendo a nação, fundamental para que as instituições saíssem vencedoras e houvesse a reconciliação do país. A eleição de Dilma Rousseff talvez seja o fato mais emblemático dessa grande concertação.
     Foi a solução mais justa? Talvez não tenha sido (eu, pessoalmente, creio que sim). Mas foi a melhor possível para aquele momento. Tanto que o Brasil, um caso raro entre as nações, conseguiu realizar uma transição ordeira e pacífica para o regime democrático. Crimes e criminosos foram anistiados, sim, mas de ambos os lados.
     É bem verdade que pode-se cobrar, com mais indignação - e eu mesmo faço isso - as vilanias produzidas por governos, justamente os defensores da lei e da ordem. Não há argumentos moral e institucional que justifiquem a tortura de prisioneiros, por exemplo. Eventualmente, podem explicar, pela necessidade de resultados imediatos. Mas nem por isso o uso de esse tipo de arma é defensável.
     Mas - e isso deve ficar bem claro em qualquer debate sério sobre a história recente do Brasil - não podem ser incensados atos de verdadeiro terrorismo produzidos pelos que combatiam o governo militar e que produziram mais de uma centena de mortos inocentes, atingidos por atentados a bomba e assaltos a bancos, entre outros. Como também houve assassinatos de prisioneiros, executados pela guerrilha, alguns com requintes de crueldade.
     Foi, em essência, uma guerra suja, que não envolveu apenas idealistas - de ambos os lados. Havia, sim, criminosos que defendiam, a seu jeito, uma visão de ordem, que passava longe - frise-se - da busca pela democracia. De um lado, havia os governos militares tentando impor um padrão de governabilidade acima da lei, que usava o nacionalismo como referência na luta. Do outro, grupos claramente motivados por uma doutrina que se mostrou falaciosa e que em momento algum privilegiava a liberdade. A grande vítima de todos foi a democracia, atingida em seus princípios.
     A Lei de Anistia, acordada pelo que havia de mais representativo da sociedade, veio, também, para sepultar rancores, desejos de vingança. A dor do pai de um jovem morto e enterrado no Araguaia não é menor do que a do que perdeu o filho, dilacerado quando tirava serviço como sentinela em um quartel em São Paulo.
     O Brasil de hoje tem um compromisso irreversível com o país de ontem. E não pode abrir mão do dever de honrá-lo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário