terça-feira, 14 de junho de 2011

Voando com Jorge Amado

     Eu estava no Aeroporto de Congonhas, num sábado á tarde, esperando o voo que me traria de volta ao Rio, depois de mais uns dias de trabalho na capital paulista. Nessa época - segunda metade dos anos 1990 -, as idas e vindas entre as duas cidades faziam parte do meu dia-a-dia de editor do caderno Carro e Moto do velho e ainda razoavelmente digno Jornal do Brasil. Afinal, era em São Paulo (no estado) que se concentravam e ainda se concentram algumas das principais montadoras de veículos do Brasil.
     Distraído com a leitura dos jornais do dia, não me dei conta, a princípio, dos meus novos vizinhos de terminal. Notei a chegada de um casal de cabelos bancos e de sua filha. Mas não cheguei a olhar detidamente. Na verdade, afundei ainda mais os olhos no noticiário.
     O tom de voz da mulher mais velha, no entanto, despertou minha curiosidade. Eu conhecia aquela voz, com certeza. Mas, de onde? Resolvi olhar, discretamente, e - confesso - fiquei emocionado. Ali, a dois metros de mim, estavam Jorge Amado e sua mulher, Zélia, acompanhados da filha Paloma.
     Jorge Amado foi uma das minhas primeiras referências literárias, ao lado de Machado de Assis e de Aluísio de Azevedo. Fui apresentado aos três ainda bem jovem, por artes e graça de minha mãe, certamente a grande responsável pela compulsão pela leitura que comecei a exibir por volta dos 10 anos. Zélia Gatai era outro símbolo, não tanto pela qualidade de sua obra, mas pelo ser humano que era. Trocamos cumprimentos rápidos, sorrisos (os meus, claramente de fã).
     Quando o alto-falante anunciou a chamada para meu voo, notei que dividiria a cabine do 707 com a famíla Amado. Os três embarcaram na frente, em respeito à idade do casal. Passei por eles, ao entrar no corredor do avião. Sorri mais uma vez. Dona Zélia retribuiu. Jorge Amado estava naquele seu jeito, meio encolhido, recolhido nos seus pensamentos.
     Já durante o vo
o, não resisti e chamei uma das aeromoças. Perguntei se a tripulação sabia que estávamos dividindo aqueles momentos com a maior personalidade literária brasileira do nosso século, um símbolo. Não, ela não sabia. Na verdade, nem sabia quem era Jorge Amado. Expliquei rapidamente e fiquei aguardando que o comandante fizesse uma referência - ou uma justa reverência. Nada. Descemos no Rio e a família Amado desapareceu no meio da centena de pessoas que buscavam anonimamente suas malas.
     Essa história me veio à lembrança ao ler - na coluna de Lauro Jardim, na Veja - que há dois projetos para comemorar o centenário de Jorge Amado, ano que vem (algo em torno de R$ 120 mil de investimento). Um valor absolutamente irrisório e desproporcional à importância do autor que redimensionou a literatura brasileira no século 20.

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