sexta-feira, 3 de junho de 2011

Uma aventura caribenha - Capítulo 31

Seu Chicão preferiu ser fotografado de longe, na ponte de comando


Quarta-feira, 11/08/1999 - A velha guarda dos rios
 
      Rio Amazonas, nas proximidades da divisa do Amazonas com o Pará - Se tivesse nascido no Rio de Janeiro, teria muita chance de ser da velha guarda de uma escola de samba. Como nasceu no interior do Pará e acabou de se criar na beira do cais de Belém, "seu" Chicão faz parte do que ele mesmo chama de "velha guarda dos rios".
     Seu Chicão (58 anos) é o comandante do NE XXII, o empurrador que nos transporta e a uma balsa carregada de caminhões para Belém. Um comandante cheio de histórias e lembranças. Para começar, seu nome não é Francisco, como sugere o apelido, e sim João Magno de Lima. "Eu herdei o apelido do meu pai, um mulato muito grande e forte. Sou Chicão desde cedo, por causa dele", conta.
     Nasceu em Iripuia, décimo-terceiro filho (caçula) de uma família muito pobre. Viveu nu até os doze anos. "Nu mesmo. Só botei roupa quando os pelos começaram a aparecer". Viu os doze irmãos e a mãe morrerem e um dia, aos 16 anos, tomou o rumo de Belém, com a única roupa que dispunha, uma jardineira. "Usava o dia inteiro e lavava a noite. Dormia nu, numa proa de barco, no porto."
     Um dia, em Belém, conheceu o pai. "Ele estava falido e bebia muito. Mas mesmo assim fiquei com ele". E aí sua vida começou a mudar. Um amigo do seu pai o chamou para trabalhar embarcado. Aceitou na hora. Ganhou roupas novas e um novo caminho. "Fui trabalhar, depois, num barco a vapor que fazia a rota para Xapuri, no Acre. Levava 35 dias. A gente navegava pelos rios Amazonas, Purus e Acre. Era uma vida dura."
     Numa dessas longas viagens, o barco de seu Chicão ficou dez meses encalhado, no Acre. Foi então que conheceu a mulher, filha de um seringueiro. Casou em Belém, com festança a bordo de um vapor. Tem seis filhos, três homens e três mulheres, uma delas engenheira civil. "Ela não gosta muito que eu conte essas histórias", revela.
     Seu Chicão conhece o Rio Amazonas como ninguém. Sabe de cor os nomes de cada recanto, a profundidade, atalhos e perigos. Já vai longe o tempo em que precisava cortar capim para os bois que eram usados para alimentar a tripulação durante a viagem. "Os bois eram sacrificados ali mesmo, a bordo".
     Ele é piloto, com carteirinha, há cinco anos. No total, são quase quarenta anos passados a bordo das mais variadas embarcações. Experiência de sobra. Agora mesmo, no meio de uma longa conversa no convés do empurrador, apontou para o horizonte e alertou para a chuvarada que estava se aproximando. Mal deu tempo de recolhermos as tralhas e entrarmos nas barracas montadas nas caçambas das nossas picapes.

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