segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O pranto das viúvas do vigarista da esquina

     Há uma legião de viúvas desesperadas, perdidas, sem rumo. Não conseguem mais viver em paz. Passaram a vida gargalhando das imbecilidades do marido comum (que elas fingiam não escutar), das suas mentiras (que elas faziam força para acreditar verdades), das suas impropriedades verbais (que elas desculpavam, com bonomia). Olhavam para as vizinhas de rua com certo desprezo, comentando, entre dentes, o quanto deveria ser difícil para elas - as vizinhas - passarem os dias ao lado dos seus homens.
     Achavam-se acima do bem e do mal. Afinal, o marido de todas elas liderava uma onda de esperanças para o bairro. O guarda da esquina nunca mais iria extorquir o dono da quitanda. O dono do casarão seria obrigado a dividir os quartos e banheiros. O bicheiro seria reconduzido ao bom caminho.
     Bastou o homem morrer - atropelado (que ironia!) por uma jamanta carregada de carros e motos roubados - para que a fantasia fosse desmascarada. As amantes apareceram já no velório, dúzias delas, filhos de várias idades no colo, puxados pelas mãos. Se não bastasse essa vergonha, descobriram uma papelada enorme no fundo falso de uma gaveta da escrivaninha. Cheques sem fundo, recibos de propinas, contas milionárias no exterior, acertos com o bando de assaltantes que aterrorizava a vizinhança.
     De repente, o exemplo de bom filho de mãe nascida analfabeta; de bom marido; de pai extremoso e avô carinhoso; de funcionário público de comportamento irretocável ruiu completamente. Tratava-se, na verdade, de um grande vigarista, o líder de uma horda de agentes inescrupulosos, uma verdadeira quadrilha.
     Sem argumentos, afogadas em decepções, decidiram reagir. Como não tiveram coragem de defender o pilantra (sabiam que era preciso ter um mínino de coerência), optaram pela velha tática: nosso marido era um canalha, sim, mas os de vocês também andaram pulando a cerca. Imprimiram uma dezena de histórias e saíram pelas ruas, pregando-as nos postes. Decidiram que morrem tesas, mas não perdem a pose.
     Pobres viúvas.

2 comentários:

  1. A morte do vigarista é metafórica, mas as viúvas são bem reais e estão por aí, a chorar pelos cantos...

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  2. Lágrimas de esguicho, Paulo, como diria Nélson Rodrigues.

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