quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Galileu Galilei do agreste

    Ao assistir ao Jornal Nacional, ontem, lembrei que há algum tempo não lembrava de meu sogro, mais exatamente desde a posse da atual presidente. Não, ele não era 'lulista', ou coisa que o valha.Tampouco fazia parte dos 5% que insistiam em não ver a luz. Para dizer a verdade, as consequências de um fortíssimo AVC impediram que ele tivesse vivido no país reinventado a partir de 2003.
    Seu Helba - era assim que todos os chamavam - era um homem de poucas palavras, grave, observador e quase sempre incisivo. Ouvia mais do que falava. Falava quase sempre na hora certa, alimentado pela experiência acumulada ao longo de décadas de trabalho, desde que deixou, ainda muito jovem, a - na época - pequena Barra do Itapemirim, no litoral do Espírito Santo. Certa vez, depois de andar muito tempo ao meu lado, no Fusca 69 que eu acabara de comprar - foi o meu primeiro carro -, disse, com calma, de uma maneira que o conselho não fosse confundido com uma crítica à minha maneira de - digamos - dirigir: "Você pode passar a quarta, se quiser".
    Não admitia malandragens, jeitinhos, mentiras, deboches, cinismo. Por isso deixava claro que jamais gostara do marido de uma sobrinha, a favorita entre todas. O tal 'sobrinho emprestado' fazia o tipo esperto, sorriso no canto da boca, cheio de trejeitos, meneios com as mãos, que usava  para enfatizar suas histórias quase sempre manipuladas. Corretor independente de anúncios classificados para pequenos jornais cariocas, se apresentava como jornalista aos incautos clientes suburbanos. E a todos dizia que iria conseguir "uma bonita nota" no jornal. Tinha sempre uma opinião sobre todos os assuntos. Sempre errada, distorcida, absolutamente vulgar. Mal completou o ensino fundamental - primário, naqueles tempos. Falava um português sofrível. Mas tinha lá seus adeptos.
    Lembrei que não lembrava do meu sogro justamente porque me dei conta que deixei de sofrer com a presença do ex-presidente nos jornais da tevê, inaugurando pedras fundamentais, lançando esboços de obras, batizando crianças em favelas, mentindo sobre o Mensalão, desvirtuando a história, reinventando as ciências (como se fora o Galileu Galilei do agreste), dando opiniões sem sentido sobre tudo e todos.
     Durante oito anos, a lembrança de seu Helba vinha naturalmente, a cada aparição de Lula, acompanhada da expressão que ele cunhou para definir o sobrinho renegado e que ficou famosa na família: "Trata-se de um analfabesta".

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