Como não costumo fugir de desafios, especialmente os meus, não vou me omitir, hoje. Ao longo dos últimos 50 anos, não mudei de opinião em relação ao Brasil e aos fatos mais marcantes dessa fase recente da nossa vida. Admito que tenho, agora, uma visão mais aberta, bem menos incendiária, mas que, em síntese, é a mesma: não há desculpas para a derrubada, pelas armas, de um regime constitucional.
Não há desculpas - insisto! -, mas talvez seja possível encontrar explicações. Embora muito jovem (tinha 15 anos), acompanhei de perto e atentamente os incidentes que culminaram no golpe militar de março de 1964. Nos anos que se seguiram, vivi de perto - muito de perto - todo o período. Oriundo de família 'getulista' e, já naquela época, absolutamente legalista, fiquei indignado com a quebra dos parâmetros democráticos. Afinal, João Goulart era, de fato e de direito, o presidente.
Se o presidente era ruim - e era péssimo, em vários aspectos, não tenho, há algum tempo, a menor dúvida quanto a isso!!! -, caberia ao povo que o elegeu (para a vice-presidência do instável, errático renunciante Jânio Quadros) manifestar-se na eleição seguinte. É assim que as verdadeiras democracias modernas devem funcionar. É assim que ela - a democracia - funciona nos Estados Unidos desde o fim do século 18. Cabe à população decidir pela reeleição e pela eleição de eventuais sucessores.
Para agir em casos extremos, como o do ex-presidente Nixon, a democracia tem seus instrumentos. Não passa pela cabeça de qualquer americano (e poderia citar os europeus em geral) a hipótese de um golpe militar que suprimisse os direitos constitucionais. O exemplo do impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Melo também pode ser lembrado enfaticamente. Portanto, não há qualquer motivo para festejar o rompimento da institucionalidade.
Essa consciência, no entanto, não me impede de reconhecer que a maioria absoluta do país, à época, clamava por uma atitude mais incisiva das Forças Armadas, talvez por não acreditar nos instrumentos legais à sua disposição. Não foi uma simples quartelada, embora o estopim do golpe tenha sido a anuência de Jango com a quebra da disciplina militar, algo impensável.
É evidente que não estou sendo simplório a ponto de achar que a 'revolta dos sargentos' tenha sido a única (ou maior) responsável pela destituição do presidente da República. Ela, apenas (se é que posso reduzir, assim, sua importância), consolidou a decisão, antecipou-a em alguns dias ou semanas.
Em um mundo dividido pela Guerra Fria, o Brasil extremamente conservador e católico optara pelo alinhamento com o Ocidente liderado pelos Estados Unidos. Embora injustificável do ponto de vista institucional, o golpe tinha o apoio maciço da sociedade, da maior parte dos congressistas, da Igreja, da imprensa (exceção à Última Hora) e do empresariado.
Se - é outra convicção que firmei ao longo dos anos - houvessem cumprido com as justificativas iniciais (restabelecer a ordem no país, sacudido por greves infindáveis, denúncias de corrupção, caos econômico e anarquia nas Forças Armadas) e devolvido o Poder à sociedade civil, como anunciado, as Forças Armadas não arcariam com a pecha do arbítrio e o País não carregaria o fardo da violência dos chamados 'porões da ditadura'. Nossa República, por exemplo, nasceu de um golpe militar.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. A eternização do aparato militar alimentou o radicalismo que se adivinhava, golpeando profundamente a democracia, que não mais estava em disputa, sequer retoricamente. Os dois lado que se enfrentavam objetivavam o poder, e não a liberdade, mergulhando o país num longo período de trevas que ainda deixa marcas na sociedade.
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