segunda-feira, 31 de março de 2014

Não há motivos para festa

     Como não costumo fugir de desafios, especialmente os meus, não vou me omitir, hoje. Ao longo dos últimos 50 anos, não mudei de opinião em relação ao Brasil e aos fatos mais marcantes dessa fase recente da nossa vida. Admito que tenho, agora, uma visão mais aberta, bem menos incendiária, mas que, em síntese, é a mesma: não há desculpas para a derrubada, pelas armas, de um regime constitucional.
     Não há desculpas - insisto! -, mas talvez seja possível encontrar explicações. Embora muito jovem (tinha 15 anos), acompanhei de perto e atentamente os incidentes que culminaram no golpe militar de março de 1964. Nos anos que se seguiram, vivi de perto - muito de perto - todo o período. Oriundo de família 'getulista' e, já naquela época, absolutamente legalista, fiquei indignado com a quebra dos parâmetros democráticos. Afinal, João Goulart era, de fato e de direito, o presidente.
     Se o presidente era ruim - e era péssimo, em vários aspectos, não tenho, há algum tempo, a menor dúvida quanto a isso!!! -, caberia ao povo que o elegeu (para a vice-presidência do instável, errático  renunciante Jânio Quadros) manifestar-se na eleição seguinte. É assim que as verdadeiras democracias modernas devem funcionar. É assim que ela - a democracia - funciona nos Estados Unidos desde o fim do século 18. Cabe à população decidir pela reeleição e pela eleição de eventuais sucessores.
     Para agir em casos extremos, como o do ex-presidente Nixon, a democracia tem seus instrumentos. Não passa pela cabeça de qualquer americano (e poderia citar os europeus em geral) a hipótese de um golpe militar que suprimisse os direitos constitucionais. O exemplo do impedimento do ex-presidente Fernando Collor de Melo também pode ser lembrado enfaticamente. Portanto, não há qualquer motivo para festejar o rompimento da institucionalidade.
     Essa consciência, no entanto, não me impede de reconhecer que a maioria absoluta do país, à época, clamava por uma atitude mais incisiva das Forças Armadas, talvez por não acreditar nos instrumentos legais à sua disposição. Não foi uma simples quartelada, embora o estopim do golpe tenha sido a anuência de Jango com a quebra da disciplina militar, algo impensável.
     É evidente que não estou sendo simplório a ponto de achar que a 'revolta dos sargentos' tenha sido a única (ou maior) responsável pela destituição do presidente da República. Ela, apenas (se é que posso reduzir, assim, sua importância), consolidou a decisão, antecipou-a em alguns dias ou semanas.
     Em um mundo dividido pela Guerra Fria, o Brasil extremamente conservador e católico optara pelo alinhamento com o Ocidente liderado pelos Estados Unidos. Embora injustificável do ponto de vista institucional, o golpe tinha o apoio maciço da sociedade, da maior parte dos congressistas, da Igreja, da imprensa (exceção à Última Hora) e do empresariado.
     Se - é outra convicção que firmei ao longo dos anos - houvessem cumprido com as justificativas iniciais (restabelecer a ordem no país, sacudido por greves infindáveis, denúncias de corrupção, caos econômico e anarquia nas Forças Armadas) e devolvido o Poder à sociedade civil, como anunciado, as Forças Armadas não arcariam com a pecha do arbítrio e o País não carregaria o fardo da violência dos chamados 'porões da ditadura'. Nossa República, por exemplo, nasceu de um golpe militar.
     Infelizmente, não foi o que aconteceu. A eternização do aparato militar alimentou o radicalismo que se adivinhava, golpeando profundamente a democracia, que não mais estava em disputa, sequer retoricamente. Os dois lado que se enfrentavam objetivavam o poder, e não a liberdade, mergulhando o país num longo período de trevas que ainda deixa marcas na sociedade.

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