segunda-feira, 17 de março de 2014

A lógica dos estúpidos

     Já contei aqui, em textos que remetiam às minhas infância e juventude, que morei em um lugar muito especial no longínquo - e, na época, agradável - subúrbio de Marechal Hermes. Todos conheciam aquele aglomerado de casas e pequeno comércio como 'Portugal Pequeno', por motivos óbvios. Em pouco mais de uma quadra, havia uma enorme concentração de imigrantes portugueses, entre os quais meu pai, que aqui chegou ainda criança, no começo dos anos 1910.
     Só na carvoaria que ficava praticamente ao lado da vila em que eu vivi 20 anos, podíamos contar oito portugueses. Na padaria mais à frente, outros dois. Fora os agregados e vizinhos um pouco mais distantes, como os donos do botequim da esquina, o leiteiro e o intrépido proprietário de um caminhão.
Meu pai era o único que destoava do perfil: por obra e graça de uma decisão do então presidente Getúlio Vargas, passara de empregado da Empresa de Navegação Costeira (onde também trabalhavam meu avô e tios) para funcionário público da autarquia que acabara de ser criada. Um caso raríssimo de estrangeiro (ele jamais se naturalizou) que conquistou o status de funcionário público.
     Jogávamos sueca - um jogo de cartas tipicamente português - e torcíamos pelo Vasco, com uma rara exceção: Antônio 'Vassoureiro', cunhado de Zulmiro, dono da carvoaria, que torcia pelo nosso maior rival e, por isso - entre outros motivos -, era detestado. Um deles, sou obrigado a reconhecer, era o fato de ser um ótimo jogador de sueca.
     Não era, entretanto, uma comunidade fechada. Ao contrário. A sueca e a conversa fiada sob a copa de um dos fícus da nossa Rua Capitão Rubens reunia portugueses, brasileiros e até um italiano que por lá morava. Mas havia, inegavelmente, hegemonia de - digamos ... - súditos de Portugal, por essa época ainda governado pelo ditador Oliveira Salazar.
     A prevalecer a estúpida lógica desse estúpido  dirigente russo, o ex-agente da KGB Vladimir Putin, poderíamos - portugueses e seus descendentes - ter feito um plebiscito e declarado nossa volta aos domínios de Portugal, alegando, ainda, o passado colonial. É verdade que os gajos já não estavam com esse bola toda e certamente não teriam interesse naquele pedaço de subúrbio distante, rua de terra batida.
     Mas e o Japão, em relação ao bairro da Liberdade, em São Paulo? Ou a Alemanha, cuja língua ainda é falada em várias cidades do Sul? E Chinatown?

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