segunda-feira, 13 de maio de 2013

Cem anos de Marechal

     Vou pegar uma prazerosa carona - embora atrasada - na Revista do Globo de ontem, que só fui ler hoje (o domingo foi dedicada às muitas mães e a Júlia e Pedro, que passarem o dia aqui na Pedra). O tema? O homenageado subúrbio de Marechal Hermes, que está completando 100 anos e onde passei alguns dos melhores anos da minha vida, em uma cidade - o Rio - ainda risonha e ingênua.
     Embora tenha nascido e vivido meus quatro primeiros anos na Saúde, onde três dos meus avós ancoraram suas famílias, ao aqui desembarcarem de Portugal, no começo do século 20, passei minha infância, adolescência e juventude em Marechal. Não naquelas primeiras e ainda preservadas ruas assobradadas (Engenheiro Assis Ribeiro, a antiga Rua 7; e Regente Lima e Silva, a Rua 13).
     Morei no 'limite' do bairro traçado pelo Marechal Hermes da Fonseca, na Rua Capitão Rubens, ao lado do Hospital Carlos Chagas, a 200 metros da Igreja de Nossa Senhora deas Graças e do teatro Armando Gonzaga. Lá depois das belas escolas Evangelina Duarte Batista (onde fiz o 'primário') e Santos Dumont e do coreto que o Rio-Cidade de César Maia destruiu inexplicavelmente, na Praça XV de Novembro; da delegacia, vizinha das cocheiras do DLU (Departamento de Limpeza Urbana), avô da atual Comlurb.
     Dessas cocheiras saíam as carroças puxadas por parelhas de burros, para fazer a coleta do lixo domiciliar. Já contei em algum momento, aqui mesmo, no Blog, que eu e meu irmão torcíamos para que houvesse pão endurecido, que oferecíamos aos animais, quando parados na entrada da 'nossa' vila. Era um dos momentos esperados da semana.
     Naquele tempo - e estou falando do início dos anos 1950 - minha rua era de terra batida, com calçadas largas e sombreadas por enormes fícus. Era a extensão da vila de oito casas onde me criei. Campo de peladas que arrancavam pedaços dos dedos; arena de disputa de bolas de gude e pião; nossa 'ciclovia'. E pipas 'cruzando' por toda a parte nas férias de julho e no verão. Nessa época, o Carlos Chagas limitava-se ao prédio principal. A expansão ampliou o atendimento, mas levou com ela as árvores que ficavam junto ao velho muro que limitava nosso espaço.
     Tempo em que telefone residencial era algo inacessível para quase todos nós. Na nossa rua, existiam dois aparelhos, um na carvoaria dos irmãos Zulmiro e Zeca e outro na padaria do seu Aníbal, pai de meu amigo Ayres. Ambos movidos a manivela. Quando meus avós paternos precisavam falar conosco, ligavam para a carvoaria. Zeca, português como meu pai, ia nos chamar. Ainda lembro do número: 176. É isso mesmo: três algarismos apenas.
     Bem no fim da minha rua, à direita, ficava o campo do União, time da segunda ou terceira divisão, não lembro bem, mais tarde comprado pelo Botafogo. Em frente, uma 'vacaria', como chamávamos a chácara onde uma família criava bois e vacas e vendia leite. À esquerda, área reocupada pelo Exército, havia o campo do Navarro, onde, certa vez, enfrentei o futuro campeão do mundo Dario, que morava no nosso subúrbio e já dava seus primeiros chutes pelo Campo Grande. A Rua Xavier Curado, também de terra, parava ali, na esquina da Capitão Rubens.
     Não, eu não frequentava o Marã Tênis Club (com 'a' e 'til', permito-me corrigir O Globo), que brindou o Brasil com a Miss de 1966, Ana Cristina Ridzi. Estava acima das posses da nossa família. Mas fui amigo dos filhos de um eterno presidente, dono da segunda maior farmácia do bairro. Naquele tempo, quase todos se conheciam, mesmo. O futebol, o encontro nas missas, nas ótimas escolas públicas e, mais tarde, o 'trottoir' (no boníssimo sentido da expressão) pelos canteiros da Avenida Oswaldo Cordeiro de Farias aproximavam os jovens. No 'calçadão' central, pés de tamarindos que catávamos do chão.
     Eram tempos em que só os casais mais 'avançados' se aventuravam pela 'Mauá' - como chamávamos o pedaço sem iluminação da Rua Xavier Curado que fazia limite com a área da velha Escola Técnica Visconde de Mauá. Tempos do 'Bolinha', o velho Cine Lux, na Praça Montese, quase em frente à estação de trens, que foi arrendado há décadas por uma igreja. Das paqueras na 'escadinha' (escadas de acesso a lojas que ficavam acima do nível da rua, para escapar das enchentes constantes provocadas pelas águas do Rio do Afonsos, um valão que nasce nas bandas do Campo dos Afonsos, corta o bairro e passa sob os trilhos da Rede Ferroviária, que eu ainda chamo de 'Central'.
     Ainda hoje mantenho laços afetivos com Marechal Hermes, onde ainda moram cunhados, uma sobrinha e a madrinha da minha filha mais velha. E moram na mesma casa onde minha mulher e sua mãe nasceram e que pertenceu desde sempre à sua família. A casa onde me criei também continua conosco. Ficou com meu irmão e está alugada há muitos anos. Ainda é minha referência eleitoral. Também já contei que mantive meu título por lá, para ser obrigado a visitar o bairro a cada desafio das urnas. Só lamento que minha Seção tenha mudado de lugar há alguns anos: saiu da 'minha' escola para a Santos Dumont.
    

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