sábado, 12 de abril de 2014

Um rio de desilusões

     Um antigo e dileto amigo, em um daqueles dias em que a roubalheira, a demagogia e o populismo mais barato predominavam no noticiário, me revelou que estava pensando, seriamente, em sair do país, mudar para a Europa, para uma cidade média de Portugal, por exemplo. Confessei a ele que a ideia também me atraía, mas que seria absolutamente impossível, para a realidade de jornalista aposentado formalmente, mas ainda em atividade compulsória.
     No máximo, com alguma sorte, teria condições de trocar o Brasil por uma cidade do interior de São Paulo. Americana, São José do Rio Preto ou semelhante. O problema estaria na possibilidade de me ver governado por um prefeito petista, algo ainda impossível em nações mais decentes.
Do Rio, cidade onde nasci e me criei, sairia ontem, por motivos bem mais prosaicos do que os existenciais, provocados pelas artes políticas.  A cada dia, a vida na nossa cidade fica mais difícil, complexa, suja, demorada. Não há horário nem roteiro livres do caos no trânsito, nos meios de transporte público. A violência está tão enraizada que estatísticas iraquianas já não nos comovem.
     A desordem urbana chegou a tal ponto que não é mais possível, ao carioca ou ao visitante, explorar a beleza e o aconchego de áreas inacreditavelmente belas, como o modesto Campo de Santana, o Passeio Público, Cinelândia, Aterro. Ir ao MAM, um dos orgulhos dessa cidade, transformou-se em desafio quase intransponível. Assaltantes e/ou drogados misturam-se a simples desassistidos e aterrorizam quem ousa atravessar a passarela sobre as pistas de automóveis.
     As imediações da Central do Brasil são um território livre para bandidos de todas as idades. A suburbana Praça Saenz Peña virou um quintal para trombadinhas ciclistas. As praças públicas fedem a urina e excremento. Nas ruas, a qualquer momento, podemos estar cercados por 'manifestantes' que decidem incendiar veículos públicos e privados. Passear na orla da Lagoa exige atenção constante. Assaltantes pulam das copas das árvores sobre incautos passantes.
     Restariam as praias, mais amplas e inegavelmente belas. Se não existissem arrastões, ocupação ilegal da faixa de areia e a catastrófica poluição das águas. Quem se dá ao trabalho de ler aquele quadrinho publicado no Globo, por exemplo, vai verificar que nossas praias da Zona Sul, São Conrado e parte da Barra, tão decantadas, ficam impróprias para o banho durante 80% do ano. É isso mesmo: na maior parte do tempo, cariocas e turistas mergulham em ondas de esgoto.
     E esse amigo querido sequer mora no Rio, onde também nasceu e viveu a maior parte da vida.

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