sexta-feira, 18 de abril de 2014

Efeitos da Paixão

     Ao reconhecer, ao longe (não tão longe quanto eu gostaria, mas poderia ser pior ...) o som de uns tamborins e o rufar de alguns tambores, imaginei que ainda  estava sonhando. Afinal, era o amanhecer da Sexta-Feira Santa, feriado nacional (embora vivamos em um país regido por princípios laicos), dia que os cristãos, em tese, dedicam ao recolhimento, à reflexão.
     Na verdade, para ser sincero, o som que eu estava ouvindo - não era sonho - nada tinha a ver com samba. Pela estupidez dos 'versos' e da 'música', era um funk, ou algo semelhante. Talvez alguém 'comemorando' a morte de Jesus, praguejei, constatando o desvirtuamento do sentido do feriado, incorporado ao absurdo número de folguedos anuais que alimentam nossa fama de país bananeiro.
     Essas divagações matinais me levaram a uma passagem da minha pré-adolescência, que talvez já tenha tratado aqui, em algum momento: o dia em que eu não fui assistir à exibição da Paixão de Cristo, obrigatória até então.
     Não chegou a ser o rompimento definitivo com a Igreja. Ainda não ousaria tanto, aos treze anos. Apenas optei por um prosaico jogo de futebol com os amigos de subúrbio, quebrando uma tradição familiar que começara aos sete anos e que me levava inexoravelmente ao velho Cine Lux (o 'Bolinha', hoje sede  de uma igreja evangélica), na Praça Montese, em Marechal Hermes, em frente à mais bela estação ferroviária da Central do Brasil.
     Não foi uma decisão fácil. Foram, pelo menos, três dias de dúvidas, seguidos por outros tantos de consciência pesada, remorsos, arrependimento, superação. Já escolhera não fazer a primeira comunhão, como todos os demais meninos da minha época. A partir de então, embora mantendo um relacionamento respeitoso, fui me afastando progressivamente da Igreja. Aquela tarde foi uma espécie de marco.

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