domingo, 17 de fevereiro de 2013

Um Rio sem fantasias

     Um pedaço daquele Rio que não é apresentado aos astros estrangeiros viveu na sexta-feira passada um dia da mais absoluta vergonha, indigno, bárbaro. Estou falando, mais uma vez, da comunidade São José Operário, na Praça Seca, uma espécie de 'porta dos fundos' de Jacarepaguá.
     Há alguns dias, relatei aqui o drama dos moradores, vítimas de uma violenta tentativa de reocupação por parte de traficantes expulsos da própria comunidade e de outros bandidos desalojados de outras regiões 'pacificadas'. Entregue à própria sorte, a maioria decente de moradores viu-se novamente aterrorizada pela presença de jovens alucinados, portando armas de vários calibres e ameaçando recuperar o terreno perdido em uma guerra com milicianos.
     Após alguns embates, houve um intervalo tenso, quebrado violentamente na madrugada de sexta-feira, com um tiroteio que perdurou por várias horas, entre traficantes e milicianos novamente organizados. Pela manhã, o saldo estava exposto na rua principal da comunidade: os corpos de dois jovens, ensanguentados, atirados no meio-fio.
     Essa cena macabra, que se tornou aterradora com o passar das horas e com os efeitos do calor, durou o dia inteiro. Todos os que saíam para trabalhar ou simplesmente para ir a uma padaria ou mercado eram obrigados a esbarrar com os corpos, já cheios de insetos.
     O Estado só apareceu no fim do dia, apenas e tão-somente para recolher os despojos, num procedimento semelhante ao da coleta de lixo. O pavor ficou por lá. Várias famílias fecharam suas casas e saíram do lugar. Outras estão sem saber o que fazer: largam tudo, perdendo investimentos de anos; ficam e enfrentam a ameaça de uma bala perdida; ou - o que já foi prometido - o peso da vingança do grupo expulso e que tenta recuperar terreno?
     Essa é uma história verdadeira, cruel. Um retrato fiel da vida sem o glamour do Rio da fantasia.

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