domingo, 5 de janeiro de 2014

Os foguetes por Eusébio

     Eu tinha meus 18 anos e ainda era apaixonado pela Seleção Brasileira. Na época, 1966, e depois de um bicampeonato mundial inquestionável, não havia dúvida de que ganharíamos a Copa da Inglaterra não com um, mas com os dois pés nas costas. Pelé, que sofrera uma contusão no Chile, quatro anos antes, estava no vigor da forma física e técnica. Iríamos atropelar adversários. A taça já era nossa, só faltava recebê-la das mãos da rainha. O confronto com Portugal não me assustava.
     Por essa época, ainda morava em Marechal Hermes, num canto que era conhecido, por bons motivos, como 'Portugal Pequeno'. Afinal, era ali que sobrevivia a carvoaria dos irmãos Zulmiro e Zeca, da Dona Maria e das três filhas, que completavam a receita alugando quartos para outros imigrantes, como eles: os dois Antônios (um, garrafeiro; outro, vassoureiro) e o Cunha (motorista que dividia a cabine de um caminhão com o Zé Pequeno).
     Praticamente ao lado, separada apenas pela loja O Violão de Ouro, a padaria do Seu Aníbal, outro português, como meu pai, que já não estava entre nós (morrera precocemente, dois anos antes). Mais adiante um pouco, na Rua Vítor (eu morava na Capitão Rubens), a quitanda de outro patrício. Alguns passos a mais, a casa do 'nosso' leiteiro.
     Por óbvio - meus ancestrais portugueses -, sempre me dei muito bem com todos eles. Foi na carvoaria que, com dez anos, aprendi as técnicas e manhas do jogo de sueca. Foi na carroceria do caminhão do Cunha que viajei para mergulhar nas delícias da praia de Sepetiba, ainda razoavelmente limpa. Com alguns deles fui várias vezes ao Maracanã, ver o nosso Vasco jogar.
     Demorei a acreditar que perdêramos o jogo e a classificação para a fase seguinte. Só me dei conta, de fato, quando alguns foguetes espocaram lá nas bandas da Rua Vítor, quando Eusébio fez o terceiro gol da vitória portuguesa por 3 a 1, seu segundo no jogo (o outro foi feito por Simões, contra um do lateral-esquerdo Rildo).
     Naquele momento, achei que romperia meus laços com a terra de meu pai e avós. A ousadia de comparar Eusébio a Pelé, que fora 'caçado' em campo, e os foguetes do quitandeiro me marcaram muito. O tempo e a maturidade agiram a nosso - meu e dos meus parceiros de cartas - favor. Acabei perdoando as heresias, quase ao mesmo tempo em que reconheci no Eusébio que morreu hoje não um Pelé, mas um jogador excepcional e que viveu, naquela Copa, um dos momentos mais brilhantes do futebol português, ao lado de outro jogador especial, o meia Coluna.

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