sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sobre verdades

     Tenho uma natural repulsa por assassinos e torturadores, sentimento que se amplia exponencialmente quando são agentes de um estado. Um estado, por definição, não pode agir como um vulgar bandoleiro. Seria desonroso, imoral, indecente, repugnante. Quanto a esse ponto, em particular, não tenho reparos a fazer ao trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional da Verdade. Colocar baratas na vagina de uma prisioneira é algo incompatível com qualquer padrão de humanidade, de respeito à dignidade do outro.
     Acredito que o Brasil precisava saber, sim, que fatos como esse aconteceram ao longo de vinte anos, protagonizados por agentes que se escudavam no poder vigente para praticar atos de extremo sadismo e ódio. A História de uma Nação, como a entendo, não pode ser construída sobre mentiras, jogos de palavras, malabarismos retóricos, negaças que não se sustentam quando confrontadas com a realidade.
     Não resta dúvida que, sob esse aspecto, a Comissão prestou um enorme serviço ao País, deu um passo que poderia significar, afinal, a superação de um dilema mal resolvido para muitos. Infelizmente, por uma inaceitável opção político-ideológica, essa mesma Comissão incorreu em erros que, na minha ótica, comprometem os resultados alcançados após tanto tempo e sob tantas expectativas.
     O maior deles, certamente, foi a opção por ignorar que os desatinos não foram cometidos apenas e tão-somente pelos agentes oficiais. Como é possível passar ao largo de atos ignominiosos como os assassinatos de simples motoristas de táxi, bancários e camponeses, para ficarmos apenas nas vítimas civis de atos tão terroristas quanto a colocação de bombas no Riocentro e na OAB?
     Como é possível repudiar – como repudio, veementemente!!! – a execução de prisioneiros em dependências policiais e silenciar quanto à morte, a coronhadas, de um jovem oficial da PM paulista que se oferecera como refém, para possibilitar o atendimento de feridos, de ambos os lados, em um choque entre policiais e um grupo comandado pelo ex-capitão Lamarca? Ou esquecer que um jovem soldado, cumprindo o serviço militar obrigatório, foi destroçado pela explosão de um carro recheado de dinamite?
     Errou, também, a Comissão, e de maneira até certo ponto irresponsável, ao jogar na mesma vala comum e podre alguns personagens da nossa história recente que, por seus atos e currículo, mereciam um olhar mais detalhado, reflexivo. A inclusão do ex-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco e do brigadeiro Eduardo Gomes, por exemplo, em uma na lista de criminosos beirou a “leviandade”, como justamente ponderam alguns oficiais.
     Ao escolher apenas um caminho, a Comissão pecou, por escalavrar ainda mais a ferida que a geração responsável pela redemocratização do país e que forjou a Anistia tentou fechar. A meia verdade – escrevi há uns dois dias – acaba se transformando em uma grande mentira.  


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