sábado, 17 de maio de 2014

A morte em Marechal

     Eu deveria ter, talvez, seis ou sete anos. Lembro que aquela notícia me abalou por muito tempo. O pai de um vizinho - um rapazola, alguns anos mais velho, e que viria, mais tarde, a ser meu amigo de futebol e conversas sob os fícus que ornamentavam a rua onde eu morava - matara, com um tiro, um homem que agredira o filho, em uma discussão de rua. 
     Ele ficara sabendo da agressão e saiu de casa disposto a confrontar o agressor. Encontrou com ele ali mesmo, no quarteirão onde morávamos. Um tiro, a prisão em flagrante e a consequente condenação. Naquele subúrbio ainda risonho, simples e até certo ponto ingênuo - Marechal Hermes era assim, até os anos 1970 -, um crime com aquelas características e dramaticidade fez parte do nosso imaginário por muito tempo.
     Aos poucos, fomos  todos nós, vizinhos - esquecendo. Eu já passava naturalmente pelo pivô da tragédia. Ele já não era o filho do homem que matara para defendê-lo; era um dos meus companheiros de idas ao Maracanã, para ver o Vasco. Ele mesmo também superara o incidente, ajudado por um jeito expansivo, brincalhão. Até o dia em que o crime voltou à nossa realidade: beneficiado por bom comportamento e por ter cumprido parte da pena, o pai de meu amigo foi solto.
     Olhávamos para ele - um moreno alto, forte e de feições duras - com certo temor, confesso. Uma sensação que aumentou rapidamente: egresso da cadeia, sem mercado formal de trabalho, ele assumiu o comando incontestável do ponto de jogo do bicho que se instalara nas redondezas e que, àquela época, era a maior expressão de delito em nosso bairro. Bons tempos em que bicheiros com família e moradia certa representavam o maior problema em comunidades menos favorecidas.
     Esse caso me veio à lembrança ao ler, hoje, que três homens foram mortos a tiros, não no subúrbio de Marechal Hermes onde vivi grande parte da minha vida. Mas em outro Marechal Hermes, sem qualquer traço de ingenuidade, devastado pelo tráfico, pela superpopulação, pela ausência efetiva dos poderes públicos. Um subúrbio que, a exemplo da cidade, perdeu gradativamente a beleza interior.

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